Numa primeira análise dos resultados eleitorais, a derrota à esquerda é muito mais séria e paradoxal do que era possível de imaginar.
Em primeiro lugar, é uma derrota séria porque a esquerda passou a ser globalmente minoritária.
PSD e CDS passaram a pesar mais do que PS, PCP e BE.
Em segundo lugar, é uma derrota paradoxal porque a esquerda, a verdadeira esquerda, não transferiu o voto para os comunistas e bloquistas, como era previsível.
Ou seja, o partido supostamente de esquerda, que governou à direita nos últimos seis anos, foi despedido pelo voto do centrão e não pelo voto da verdadeira esquerda.
Ou dito ainda de uma outra forma, a maioria de direita acabou por ser eleita pelos eleitores do centrão (tanto votam PS como PSD), para quem Sócrates piscou o olho, nos dois últimos anos, com o maior descaramento.
Haverá maior paradoxo eleitoral do que este?
Ainda é cedo para tirar conclusões, mas urge uma explicação sócio-política para este fenómeno eleitoral.
Como se não fosse suficiente, outro argumento pode ainda adensar mais as dúvidas numa primeira leitura dos resultados.
De facto, a campanha milionária do PS acabou por conseguir estancar a previsível transferência de votos para a sua esquerda, isto é, o marketing político acabou por condicionar o voto dos intelectuais mais à esquerda, enquanto o eleitor tipo não foi em cantigas e demais folclores.
As eleições de 5 de Junho podem ser resumidas assim: a Maria, o António, o comerciante da esquina, o reformado da guerra colonial, o empresário do carro desportivo e o senhor da vivenda ali ao lado foram votar e correram com Sócrates; por sua vez, a maioria dos intelectuais do PS e dos jovens irreverentes do Bloco de Esquerda optaram por ficar em casa; por último, os comunistas provaram mais uma vez que assim se vê a força do PêCêPê.