Do lado de fora do poder, o jornalista Paulo tentou mudar o país com trabalho
e irreverência; à medida que o tempo foi passando, o político Portas foi fazendo
um caminho com mentirolas oportuníssimas; hoje, o governante Paulo Portas, cada
vez mais instalado na máquina do poder, passou a ser confundido com o sistema
na sua dimensão mais medíocre e venal.
A demissão "irrevogável" do ministro de Estado e dos Negócios
Estrangeiros foi clarificadora: com a visão instrumental que o impede de passar
da lógica de poder à lógica do serviço, Paulo Portas até pode continuar a
ressuscitar politicamente, insistindo no mesmo "catecismo", mas
deixou de fazer parte da esperança, passou a engrossar o pelotão da desilusão, entre
tantos e tantos outros ministros, primeiros-ministros e presidentes da
República.
A crise política em que o país mergulhou é o espelho de uma nova geração de
governantes que replica o que foi feito anteriormente, apesar de todas as
encenações, ou seja, segue a cartilha do vale tudo para conquistar, exercer e manter
o poder.
O penacho passou a ser o exemplo de referência, com mais ou menos exibição
parola, com mais ou menos mordomia, com mais ou menos legitimação à custa de
uma visibilidade fabricada e às vezes rasca; e a impunidade passou a ser um atestado
de força e influência, palavra a palavra, acordo a acordo, peão a peão,
negociata a negociata, notícia a notícia.
Sejamos claros: a crise institucional não foi desencadeada por causa de
mais ou menos austeridade, nem tão-pouco pela escolha deste ou daquele ministro,
mas sim pelo reequilíbrio de forças entre o Estado e alguns centros de poder que
permanecem totalmente indiferentes às necessidades dos portugueses.
Há mais de 30 anos que a estabilidade de fachada e a dança de cadeiras é
apresentada como a única solução. Não terá chegado a hora de promover e dar uma
oportunidade às elites que não estão conspurcadas pelo manto de lixo que
envolve o sistema que tem hipotecado país?
Sair por sair, não é construtivo; ficar por ficar, não acrescenta
rigorosamente nada. A sobrevivência do actual governo, seja qual for a sua
recomposição, está minada pela quebra do elo de confiança com os portugueses e
os credores externos.
O país vive desesperado e em agonia por três razões fundamentais: o
entendimento do exercício do poder, a composição do espectro partidário e a
qualidade da cidadania. Por isso, para mais do mesmo, face a entendimentos precários
e de última hora, a melhor resposta é dar um sinal de confiança a todos aqueles
não se deixaram iludir e condicionar pelos salões do poder que estão tão
distantes do povo que já nem conseguem disfarçar as suas próprias
idiossincrasias.
Ninguém tem dúvidas sobre a urgência de líderes com competência, de políticos
sem ligação a quem nos atirou para o abismo e agora para o caos e de governantes com capacidade, seriedade e dignidade para dar prioridade ao interesse colectivo em detrimento das clientelas e de interesses particulares.
Se não for dada uma oportunidade a esta nova energia, se não for aberta a
porta a novos rostos que tenham respeito pela miséria e o sofrimento do povo, então só resta pagar a
factura que decorre da teimosia em acobertar os infractores do costume e continuar
a viver à mercê das imposições determinadas no exterior.
O paradoxo do regime atingiu o limite. Portas, Passos Coelho, Cavaco e o
que resta das elites com as mãos limpas não podem fugir, durante mais tempo, às
suas responsabilidades.