As
autárquicas confirmaram as expectativas daqueles que não querem nem têm de
obedecer ao pensamento único.
Por muito
que o establishment disfarce, a abstenção e os votos em branco e nulos atingiram os 54,22%, revelando uma
atitude de indiferença dos eleitores, quiçá de protesto.
A
enfermidade do regime democrático português é evidente, confirmando que a crise
portuguesa está a montante das economia e das finanças públicas.
Não é por
acaso que os vencedores branquearam o divórcio entre a política e os
cidadãos; não é por acaso que Rui Machete disse o que disse e continua em funções; não é por acaso que aqueles que se calaram face às pressões nos
casos Freeport e voos da vergonha da CIA, entre outros, agora pedem a demissão
do ministro dos Negócios Estrangeiros; e não é por acaso que as cerimónias do 5
de Outubro registaram os assobios no momento dos discursos e do içar da bandeira
nacional.
Além dos
sobreviventes e dos mercenários, que têm condenado o país ao subdesenvolvimento
e à miséria, começou a emergir o resto que pode fazer a diferença, corporizado
pelos candidatos independentes que conquistaram a presidência de 13 câmaras
municipais, mais seis do que em 2009.
A eleição
de Rui Moreira, no Porto, merece o maior destaque, pois evidenciou um sinal de
esperança no fim do diktat dos
partidos políticos alimentado pelas teias de corrupção e pela impunidade
garantida por uma justiça cada vez mais atolada nas suas reformas de papel.
Ninguém
pode ignorar que alguns destes "independentes" não são mais do que
militantes desavindos com os respectivos partidos, pelo que ainda é prematuro
afirmar que o país enviou um sinal suficientemente forte para obrigar as
direcções partidárias a uma profunda reforma interna.
Apesar de a
taxa de abstenção em vários municípios ter ultrapassado os 60%, os resultados
eleitorais de domingo passado estiveram longe do terramoto que
poderia acelerar a indispensável reforma do sistema político, eleitoral e
partidário.
O caminho a
seguir é óbvio: reforçar o escrutínio dos governantes e autarcas e aprofundar a
cobertura política e partidária de forma a poder informar com mais rigor um
número de pessoas cada mais maior.
Para
alcançar este desígnio, um dos mais importantes do regime democrático, é indispensável
que as instituições de controlo funcionem. E, sobretudo, que os jornalistas
tenham condições para trabalhar, sem a ameaça permanente de desemprego, sem
pressões abjectas e com condições para manter independência face aos mais
diversos poderes instituídos e fátuos.
O que se
passou, à vista de todos, a propósito da cobertura da campanha eleitoral das
autárquicas, foi muito mais do que o atestado que faltava para comprovar a fragilidade
do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o silêncio cúmplice de alguns dos outros
líderes partidários.
Em bom
rigor, a grosseira violação da lei por parte das televisões pública e privadas roçou
o insulto a todos os portugueses, desde logo por ter ocorrido fora do tempo e
por prejudicar a informação e o debate.
As reacções
corporativas, por convicção ou interesse, para servir a maioria no poder, beneficiar
uma certa oposição ou salvaguardar interesses próprios, não leva o país a lado
nenhum. Sem equidade no tratamento editorial dos grandes e pequenos partidos,
das grandes e pequenas cidades, o resto, a tal minoria de
"independentes" que foi a jogo, indispensável para forçar a mudança em
Portugal, dificilmente poderá vingar e crescer.