sexta-feira, 5 de outubro de 2018

NEGÓCIO, CHAUFFER E SÚCIA


A EDP sempre foi um Estado dentro do Estado.

E o BES, que já não é mais do que um somatório de escombros – depois de ter sido responsável pelo desaparecimento de milhares de milhões de euros –, ainda continua a dar muito dinheiro a ganhar.

Não, esta crónica, por mais moderna, não é sobre o Estado chinês que já controla quase 30% da eléctrica.

Nem tão-pouco é sobre Ricardo Salgado, os norte-americanos da "Lone Star" e os prejuízos do "Novo Banco", em 2017, de 1.395 milhões de euros”.

E, fica já o leitor avisado, também não é sobre a suspeita de uma avença de 15 mil euros mensais paga pelo BES a Manuel Pinho, o então ministro da Economia de José Sócrates (caso único?).

Muito menos é sobre os benefícios de mais de 1,2 mil milhões de euros concedidos à eléctrica sino-portuguesa com o selo da generosidade de Manuel Pinho (só?).

Aliás, convém sublinhar que o assunto está a ser tratado pelo Ministério Público.

E Lucília Gago, a procuradora-geral da República que toma posse a 12 de Outubro, já deve estar inteirada dos crimes que estão a ser investigados - a provar e confirmar em trânsito em julgado -, esperando que o presidente da República não insista em fazer declarações que possam ser entendidas como uma pressão sobre a Justiça ou que prejudiquem as investigações em curso.

Caro leitor, esta crónica é sobre outro assunto: a declaração de João Talone, antigo presidente da EDP, no Parlamento, em sede da comissão parlamentar de inquérito sobre as rendas da energia.

O executivo, que também foi administrador do BCP, instituição financeira que esteve quase a cair no charco, foi cristalino e taxativo: «Quando cheguei à EDP [2003], a empresa tinha 12 consultores com motoristas que tinham sido ministros do PS e do PSD».

Não, não houve desmaios nem qualquer sinal de comoção entre os deputados habituados a ler jornais e a passar e deixar passar pelas “portas giratórias” da política e dos negócios.

Apenas alguns pares de olhos no chão, pois o assunto era por demais conhecido.

Aliás, enquanto várias peças de rigorosa "investigação" jornalística apontaram, durante anos a fio, as escandalosas rendas de horas extraordinárias dos chauffers do Estado - mais criancinha para levar à escola menos madame para fazer compras no shopping –, o Governo, a EDP, o BES e outro tipo de "motoristas", também para todo o serviço, faziam pela vida e negociavam contratos à fartazana, sem o mais ténue sinal de embaraço ou vergonha, à boleia da dívida que, mais tarde ou mais cedo, vai ser paga.

Por cá, mais CAE menos CMEC, criar esquemas fantasiosos e inventar mentiras grosseiras, ganhar umas massas ilegalmente e viver às escondidas só mesmo nos "negócios" da súcia sem eira nem beira.




quinta-feira, 27 de setembro de 2018

PGR COM NOVOS LIMITES




A história da nomeação de Lucília Gago é um enorme contributo para a redefinição da "transparência" na Democracia portuguesa.

Pela mão de um primeiro-ministro que perdeu as últimas eleições e de um presidente da República que interpreta a Constituição da República a seu belo prazer, a nova PGR tem à partida bem definidos novos limites de actuação.

Além daqueles que decorrem da Lei, Lucília Gago sabe que há assuntos em que não se deve meter, como por exemplo, Angola e os seus altos dirigentes; e também está ciente que seja qual for o seu desempenho ao longo do mandato, que começa a 12 de Outubro, não será reconduzida se António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa continuarem em funções em São Bento e Belém.

Para já, mesmo sem falar da EDP e dos interesses chineses, se tudo passou a estar menos "irritante", não está tudo resolvido, nem mesmo à luz desta nova "transparência".

Dois casos paradigmáticos borraram a selfie que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa prepararam tão afincadamente para todas as portuguesas e todos os portugueses.

Num artigo de opinião, Pedro Passos Coelho, levanta questões tão sérias e graves que não podem passar sem escrutínio, pois estão em causa acusações directas de um ex-primeiro-ministro aos actuais dois mais altos representante do Estado português.

Por sua vez, as declarações de José Sócrates, um dia depois do anúncio da nova PGR, um detalhe "socialista" de timing político, também não podem ficar por esclarecer, pois estão igualmente em causa acusações directas às duas magistraturas e ao normal funcionamento do Estado de Direito.

Lucília Gago já tem pela frente dois novos casos sensíveis.

A forma como encarar as declarações de Passos Coelho e Sócrates vai representar um sinal inequívoco para percebermos se algo mudou ou se, de facto, está garantida uma linha de continuidade.

É que se não há uma Justiça para os poderosos e os mais ricos e outra Justiça para os cidadãos anónimos e mais pobres, então não nos podemos esquecer que existe uma cidadã investigada, acusada, julgada e condenada a três anos de prisão por ter dito muito menos do que Pedro Passos Coelho e José Sócrates. 

Chama-se Maria de Lurdes Lopes Rodrigues.


Mais um caso, mais uma história que não pode cair no esquecimento, nem mesmo à luz dos nossos dias em que é muito difícil distinguir entre a farsa e a realidade.