Com mais ou menos humor e bandeira hasteada pela calada da noite, Portugal é uma República que pretende viver num Estado de direito.
Não há dúvidas em relação ao regime democrático, apesar das suas imperfeições, mas há incertezas quanto à força da Lei.
O Ministério Público não tem rei. E o procurador-geral da República não se pode comportar com tal.
Fernando Pinto Monteiro nem é monarca, nem é a Lei. Deve obediência à Lei.
Ao recusar, imperialmente, investigar a denúncia da Ana Jorge, ministra da Saúde, sobre os casos de contágio doloso da gripe A, Fernando Pinto Monteiro cavou ainda mais fundo o descrédito.
Mais de que um precedente grave, em que um responsável máximo se arrogou o direito de se substituir à Lei, é o atestado de um padrão de actuação, tristemente confirmado na delonga do anúncio da abertura de um inquérito no dia do acidente na Praia Maria Luísa ou nos ouvidos moucos às suspeitas públicas de escutas e vigilância aos assessores do Presidente da República.
Tal como no passado, o temor da hierarquia do Ministério Público em assumir inequivocamente o seu dever, em investigar implacavelmente os detentores do poder Executivo e os altos quadros da Administração, designadamente quando estão em funções, continua a ser um dos cancros da justiça.
O caso Freeport é, aliás, um dos mais escandalosos exemplos dessa atitude reverencial.
O rol de atrasos, hesitações, incúrias e trapalhadas só contribuem para arrasar ainda mais a credibilidade da justiça.
Salvo raríssimas excepções, como no inquérito ao caso de Santa Maria, nem a opinião unânime sobre o falhanço do sistema deu origem a uma mudança de atitude do topo da hierarquia do Ministério Público.
Não, o povo não é estúpido, quando alguns políticos a contas com a justiça são legitimados pelo voto popular.
É o sinal da desconfiança em relação à Justiça.