sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Banca na ordem


As decisões dos países da zona euro podem não ter resolvido todos os problemas, mas têm um alcance muito maior do que os resultados imediatos: Em primeiro lugar, a banca foi metida na ordem, partilhando os prejuízos em situação de crise; de seguida, acabou o tempo em que a banca, a troco de juros especulativos, se limitava a alimentar o endividamento desenfreado de Estados soberanos; por último, os 17 da zona euro têm de inscrever nas respectivas Constituições, até final de 2012, limites para os défices e para as dívidas públicas.

Estas orientações são fundamentais, desde logo porque salvaguardam países como Portugal, demasiado vulneráveis, até aqui, a uma governação politicamente criminosa, à qual o conjunto dos órgãos de soberania e demais instituições nunca conseguiram fazer frente.

O caminho seguido pode não agradar a uma esquerda delirante que, paradoxalmente, clamava por mais uma fuga em frente, com eurobonds e afins, sem cuidar previamente de introduzir mecanismos de rigor orçamental e de disciplina no sector financeiro. Todavia, os 17 demonstraram que o projecto da moeda comum não é só um desígnio institucional, político, económico e social, também pode servir para travar a ganância e a corrupção que resultam da desregulação.

O regabofe que ocorreu em Portugal não seria possível se estas medidas já estivessem em vigor. Ou seja, se a banca portuguesa, certamente liderada por gestores de topo, soubesse que poderia perder 50% do investimento em dívida grega, seguramente não teria alavancado muitos dos investimentos públicos desastrosos que foram contratualizados nos últimos seis anos em Portugal.

Para ter uma noção do que está em causa, basta recordar as últimas revelações sobre os escandalosos negócios das SCUT's, designadamente a da Grande Lisboa e a do Norte, cujos encargos para o Estado passaram de zero para 1,42 mil milhões de euros, em 2010, após uma renegociação entre o anterior governo e a Mota Engil.

Passos Coelho tem razões para poder sorrir, pela primeira vez, desde que assumiu a liderança do Executivo. O desanuviar da crise europeia permite consolidar o ajustamento, em que se destaca a firmeza exemplar do ataque ao desperdício na RTP, no quadro de um horizonte menos carregado de dúvidas e incertezas.

As prioridades do governo, vertidas na proposta de orçamento para 2012, estão a dar resultados positivos. O facto dos 17 reconhecerem que os portugueses estão a dar a volta à crise, ainda que à custa de sacrifícios terríveis, é o trunfo que faltava a Passos Coelho para demonstrar que, afinal, há uma luz no fundo do túnel.

domingo, 23 de outubro de 2011

Por uma esquerda nova


Esta espécie de esquerda parece não ter emenda, sobretudo no momento em que está a ser embalada pelo Presidente da República, que critica agora o que não foi capaz de fazer enquanto primeiro-ministro em tempos de vacas gordas: a reforma do Estado e o saneamento do sector empresarial público.

É preciso desmistificar a gritante desonestidade intelectual de atribuir à direita a responsabilidade por todos os males da crise. É que a viragem do século ficou marcada pela esperança da governação à esquerda nos maiores países da União Europeia: Alemanha (Gerhard Schroeder), Espanha (José Luis Rodríguez Zapatero), França (Lionel Jospin), Reino Unido (Tony Blair) e Itália (Giuliano Amato). Uma década depois, quase metade dos países da União Europeia eram governados pela esquerda. Mas contra factos não há argumentos: a partir de 5 de Junho de 2011, que marcou a derrota de José Sócrates, entre os 27 restavam apenas cinco governos de esquerda: Espanha, Grécia, Áustria, Eslovénia e Chipre.

A esquerda falhou, capitulou em relação ao poder económico e financeiro e enredou-se em negócios de Estado – em suma, errou estrondosamente no combate à corrupção. A “Terceira Via”, ou o que restou dela, resultou numa gigantesca fraude política, deixando a esquerda sem projecto político. Basta querer ver a realidade, nem é preciso invocar o primarismo de Margaret Thatcher: “O socialismo dura até se acabar o dinheiro dos outros”.

A questão é ainda mais inquietante quando comunistas e bloquistas revelam que também não aprenderam nada com a viragem à direita. Até Fernando Rosas, um dos mais brilhantes à esquerda, caiu no vazio da cassete da “política da inevitabilidade que vai destruir o país”, conforme repetiu no programa “Prova dos 9” da TVI 24. Aparentemente, a esquerda continua convicta de que sacudir a água do capote lhe vai permitir reconquistar a credibilidade, como comprova a tentativa de desvalorizar a estrondosa derrota na Madeira, apesar da governação irresponsável de Alberto João Jardim.

Se é factual que comunistas e bloquistas não participaram na governação dos últimos 25 anos, também é verdade que não conseguiram travar a deriva socialista ao longo de 13 anos, o que poderá explicar, em parte, a desilusão do seu eleitorado mais fiel.

 A esquerda tem de assumir os erros cometidos no exercício do poder para depois confrontar a governação da coligação de direita com as promessas eleitorais falhadas e com os resultados das novas políticas.

Para já, não se vislumbra que seja a receita desta esquerda velha a tirar o país do abismo. A agitação sindical, até compreensível, não inverterá o ajustamento doloroso nos próximos anos, como revela a contestação grega. Numa primeira fase, só a austeridade brutal poderá ser suficiente para convencer os nossos credores a darem uma nova oportunidade a Portugal. E esperar que a União Europeia salve o país, novamente, após a estratégia suicida de prego a fundo no endividamento, que duplicou nos últimos seis anos.

 A democracia precisa de uma esquerda nova, porventura reinventada, mais competente e responsável, menos instalada e corrupta, desejavelmente com capacidade para encontrar pontos de união na diferença. Até lá, o que é inevitável é a realidade, e combater o que esteve na origem de um monumental falhanço governativo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pela garantia da paz social

Pela garantia da paz social | iOnline

No momento em que Pedro Passos Coelho revelou a austeridade brutal para 2012 é fundamental recordar a origem da crise global: a irresponsabilidade de banqueiros e a incompetência de supervisores e órgãos de regulação que contaram com a cumplicidade do poder político, pondo a nu a criminosa desregulamentação dos mercados. Posteriormente, e para fazer face à borrasca, os governos socorreram a banca com todo o tipo de garantias, à custa dos contribuintes, para de seguida os deixar afogar em dívida pública de estados exauridos, criando um novo problema de liquidez e de crédito à economia.

 Concentrar os holofotes na resposta à tempestade para desviar as atenções da origem da crise não serve o país, tanto mais que foram ambas que nos conduziram a este desgraçado estado de dependência externa, depois de a banca portuguesa andar a alimentar a governação aventureira de José Sócrates na mira do lucro fácil. Quem não se lembra das declarações de Ricardo Salgado, a propósito das grandes obras públicas, antes das legislativas de 2009, atestando a folga e a credibilidade de Portugal?

 A irresponsabilidade política e a ganância financeira estão à vista, acompanhadas da implacável factura. Os portugueses já começaram a pagá-la. Agora só falta implementar o aumento da real tributação dos lucros da banca, bem como mostrar disponibilidade para avançar com uma nova taxa sobre as transacções financeiras, para completar o leque dos convocados para pagar a crise.
Actualmente, os esforços nacionais são exigíveis, como revela a extrema exigência do Orçamento de Estado para 2012. Todavia, não chegam; continua a ser necessária uma solução concertada na União Europeia. Os accionistas dos bancos têm de assumir as suas responsabilidades, como exigiu Durão Barroso. E tem faltado a Pedro Passos Coelho uma palavra clara de apoio ao presidente da Comissão Europeia, porventura a melhor forma de passar uma mensagem cristalina à banca: enquanto não contribuir para pagar a crise, não haverá a paz social essencial para a recuperação da economia.

Ninguém pode ficar de fora na hora de vender os anéis para salvar os dedos. Se houver agravamento, também terá excepcionalmente de se taxar as grandes fortunas e os rendimentos de capital. Aliás, o anúncio do aumento da taxa liberatória, de 21,5% para 30%, em relação às transferências financeiras para contas em paraísos fiscais, e o aumento de 5% na tributação dos lucros superiores a 10 milhões de euros são um sinal de que o governo é sensível a mais equidade.

Os banqueiros têm de reagir de uma forma pró-activa, encontrando soluções internas ou externas para enfrentar a crise da dívida soberana e do euro. E, como sublinhou Fernando Ülrich, presidente do BPI, as fusões fazem parte das opções a curto prazo, não sendo de excluir que alguns banqueiros já estejam em conversações há bastante tempo para encontrar uma plataforma de entendimento. Só assim podem garantir a solidez, assegurar o crédito à economia e reconquistar a credibilidade perdida nos últimos anos. E sem a confiança dos depositantes e o crescimento económico nem há negócio para a banca, nem lucros, por muitas isenções, linhas de crédito, garantias e avales estatais que haja.
Depois de décadas de descarada capitulação do poder político em relação ao poder financeiro, chegou a hora de mudar, de também exigir aos bancos um esforço adicional para acorrer à situação de emergência social. Os portugueses só aceitarão os sacrifícios se eles forem redistribuídos por todos, sem excepção.

domingo, 9 de outubro de 2011

A revolução que tarda





A tradicional maledicência, a leviandade intrínseca e a discussão da bola já não são o que eram. A angustiante discussão sobre a crise económica, as finanças públicas e o futuro do euro está a minar a confiança que ainda resta.

Os sentimentos de esperança, indiferença, resignação e revolta continuam a ser dominantes, mas o que impressiona é a suspeição larvar em relação às instituições e a cada um dos seus líderes. Ninguém escapa a este processo de transição, cuja metamorfose está a atacar novos e velhos, ricos e pobres, empregados e desempregados, pelo que urge uma resposta pela positiva, com mais acções do que palavras inconsequentes.

De facto, acabaram os tempos de ilusões. Há uma nova crise dentro da velha. A tendência colectiva para deixar ao tempo a tarefa de fazer o que agora compete a cada um pode custar ainda mais que qualquer desvio orçamental.

Enquanto o poder estiver entrincheirado nos gabinetes com ar condicionado e nos carros com vidros fumados, embalado em discursos de circunstância e jogadas de bastidores, os portugueses reforçarão a convicção de que tudo é, e será, sempre mais do mesmo.

O fosso abissal que está a ser cavado entre governantes e governados não pode ser varrido para debaixo do tapete, designadamente após mais uma manifestação de polícias, cujo zénite coincidiu com palavras de ordem destinadas a enxovalhar o poder executivo.

Mais desastroso ainda seria agravar esta clivagem com o ímpeto de uma reforma do poder regional e local sem demonstrar igual critério e rigor em relação ao Estado central.

Não é aceitável correr o risco de dar argumentos a quem estica o dedo em direcção ao poder de Lisboa. A solução não passa por confundir este ou aquele dirigente regional e local com o poder regional e local. Aliás, a título de exemplo, a confirmarem-se os únicos cortes anunciados para a RTP até agora, que afectam sobretudo os centros regionais, aqueles que mais precisam de ser protegidos em nome do serviço público, é caso para dizer que a austeridade que ainda está para chegar pode dar origem a mau tempo no canal e no país.

O caminho tem de ser outro: premiar, social e fiscalmente, o trabalho, o esforço e o mérito, no norte, no sul, no centro ou nas regiões autónomas. Esta é a revolução que tarda e continua a ser adiada, mas que pode devolver ao país a alegria e a energia, abrindo caminho ao emprego e ao crescimento.

Chega de conversa depressiva sobre o mundo, a União Europeia, a Grécia. É preciso ter a coragem política de encontrar novas soluções que permitam restabelecer a auto-estima e a confiança entre governantes e governados. O tempo da República para sair da crise pela porta grande começa a escassear.