Esta espécie de esquerda parece não ter emenda, sobretudo no momento em que está a ser embalada pelo Presidente da República, que critica agora o que não foi capaz de fazer enquanto primeiro-ministro em tempos de vacas gordas: a reforma do Estado e o saneamento do sector empresarial público.
É preciso desmistificar a gritante desonestidade intelectual de atribuir à direita a responsabilidade por todos os males da crise. É que a viragem do século ficou marcada pela esperança da governação à esquerda nos maiores países da União Europeia: Alemanha (Gerhard Schroeder), Espanha (José Luis Rodríguez Zapatero), França (Lionel Jospin), Reino Unido (Tony Blair) e Itália (Giuliano Amato). Uma década depois, quase metade dos países da União Europeia eram governados pela esquerda. Mas contra factos não há argumentos: a partir de 5 de Junho de 2011, que marcou a derrota de José Sócrates, entre os 27 restavam apenas cinco governos de esquerda: Espanha, Grécia, Áustria, Eslovénia e Chipre.
A esquerda falhou, capitulou em relação ao poder económico e financeiro e enredou-se em negócios de Estado – em suma, errou estrondosamente no combate à corrupção. A “Terceira Via”, ou o que restou dela, resultou numa gigantesca fraude política, deixando a esquerda sem projecto político. Basta querer ver a realidade, nem é preciso invocar o primarismo de Margaret Thatcher: “O socialismo dura até se acabar o dinheiro dos outros”.
A questão é ainda mais inquietante quando comunistas e bloquistas revelam que também não aprenderam nada com a viragem à direita. Até Fernando Rosas, um dos mais brilhantes à esquerda, caiu no vazio da cassete da “política da inevitabilidade que vai destruir o país”, conforme repetiu no programa “Prova dos 9” da TVI 24. Aparentemente, a esquerda continua convicta de que sacudir a água do capote lhe vai permitir reconquistar a credibilidade, como comprova a tentativa de desvalorizar a estrondosa derrota na Madeira, apesar da governação irresponsável de Alberto João Jardim.
Se é factual que comunistas e bloquistas não participaram na governação dos últimos 25 anos, também é verdade que não conseguiram travar a deriva socialista ao longo de 13 anos, o que poderá explicar, em parte, a desilusão do seu eleitorado mais fiel.
A esquerda tem de assumir os erros cometidos no exercício do poder para depois confrontar a governação da coligação de direita com as promessas eleitorais falhadas e com os resultados das novas políticas.
Para já, não se vislumbra que seja a receita desta esquerda velha a tirar o país do abismo. A agitação sindical, até compreensível, não inverterá o ajustamento doloroso nos próximos anos, como revela a contestação grega. Numa primeira fase, só a austeridade brutal poderá ser suficiente para convencer os nossos credores a darem uma nova oportunidade a Portugal. E esperar que a União Europeia salve o país, novamente, após a estratégia suicida de prego a fundo no endividamento, que duplicou nos últimos seis anos.
A democracia precisa de uma esquerda nova, porventura reinventada, mais competente e responsável, menos instalada e corrupta, desejavelmente com capacidade para encontrar pontos de união na diferença. Até lá, o que é inevitável é a realidade, e combater o que esteve na origem de um monumental falhanço governativo.