sábado, 2 de março de 2013

Bento XVI versus governantes impolutos e manifestações



As grandes manifestações fazem parte do Portugal democrático. Porém, as últimas do consulado de Sócrates, que contribuíram para o sonho de mudança, não evitaram que o povo voltasse a cair no logro de eleger gato por lebre em 21 de Junho de 2011.

Por melhores que tenham sido as suas intenções, Pedro Passos Coelho transformou-se numa fraude política. E Paulo Portas, com uma agenda pessoal e instrumental, já abandonou a farsa de parecer diferente.

Poucos poderiam imaginar que, ainda antes de metade do mandato conferido pelos portugueses, os membros do Governo pudessem ser tratados de uma forma tão humilhante sempre que colocam um pé fora dos gabinetes.

Não é de estranhar que o epíteto de "gatuno" seja gritado a cada aparição pública desta gente, com seguranças por todo o lado, que não é respeitada, nem se dá ao respeito, interna e externamente.

No momento em que os portugueses são convidados a expressar a sua opinião, sob a forma de mais uma manifestação de rua, convocada por um movimento cívico – "Que Se Lixe A Troika" –, que tem tanto de juventude como de errático, importa recordar que o protesto não é um fim em si mesmo, não tem apenas uma única forma de expressão, nem um lugar de eleição definido.

Neste momento, é determinante tentar encher as ruas do país, de forma a medir a indignação dos cidadãos, mas é ainda mais importante promover a consciencialização colectiva de que chegámos ao fim da linha de um sistema corrupto e iníquo.

O exemplo italiano é paradigmático.

A vitória do comediante Beppe Grillo nas últimas legislativas italianas, em número de votos, é um sinal inequívoco de recusa de mais do mesmo, seja ele Pier Luigi Bersani, Silvio Berlusconi ou Mario Monti. E foi mais um passo para abalar o vale-tudo que se apoderou da globalização.

Os portugueses não podem ficar pelos cartazes e pelo folclore do protesto pontual e periódico. Nem ficar à espera que o exemplo da resignação de Bento XVI inspire alguns espíritos menos iluminados.

Têm de começar pelo princípio, desde logo recusando os palpites dos "sábios", que nos atiraram para a actual situação, pelas passerelles da imprensa mainstream.

É no dia-a-dia que está a diferença.

É na denúncia do favorecimento gritante dos mais fortes em detrimento dos mais fracos, no escrutínio de uma justiça metida na cova dos interesses políticos e partidários, na atitude de exigência de renovação nos partidos tradicionais e no favorecimento da emergência de novas forças políticas que pode estar a solução.

Em suma, é na afirmação da rejeição deste sistema, sem ter medo do papão de putativos populismos, sejam eles de esquerda ou de direita, é na penalização eleitoral de quem está sempre dentro do caldeirão do poder, ao mesmo tempo que insiste em reclamar um estatuto de impoluto, que está a chave do futuro.

No momento do voto, os portugueses não podem esquecer todo o sofrimento que sentiram e continuam a viver, com o desemprego a atingir limites inimagináveis, nem tão-pouco permitir a constante tentativa de branqueamento dos responsáveis pelo actual caos instalado que ainda vai durar muitos e longos anos.

O momento de introduzir o voto na urna é sempre uma oportunidade de ouro renovada para varrer, de uma vez por todas, os rostos dos responsáveis pela crise que se perpetuam no poder e à volta dele, sempre com o mesmo descaramento e idêntica impunidade, indiferentes a todos os protestos e sempre disponíveis para engolir o que for preciso para manter as aparências.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

E se Vítor Gaspar falhar?



A realidade tornou-se paradoxal: por um lado, as instituições internacionais elogiam o reequilíbrio estrutural; por outro lado, a oposição parlamentar denuncia o colapso económico, fazendo prever uma moção de censura para breve.

Perante este cenário, agravado pelas sucessivas trapalhadas ministeriais, os portugueses já não conseguem parar, pensar e exigir a escolha de prioridades.

É possível discutir se o brutal aumento dos impostos e os cortes no edifício da protecção social podem coexistir com o Estado despesista à custa de mais dívida, com  os bancos a passarem a factura dos prejuízos para os contribuintes e com as pessoas e as empresas a definharem a olhos vistos.

Por isso, evidentemente, é mais do que compreensível e aceitável o coro de protestos que se tem  levantado sempre que um governante sobe a um qualquer palanque público.

Todavia, no momento em que todos os dados estão lançados para a sétima avaliação da troika, a mais decisiva para saber o que vai acontecer, os olhos dos portugueses continuam concentrados no ministro das Finanças.

Vítor Gaspar continua a ser o governante com uma actuação coerente e irrepreensível. Não é por acaso que a oposição concentra nele todas as baterias, pois continua a ser o pilar do Governo, com capacidade para se distinguir da politiquice, da partidarite e da mercearia de ocasião.

Mas será que é o super-homem?

Claro que não.

A prova que o ministro das Finanças não tem o poder que lhe advinham está bem patente nalgumas previsões erradas e, sobretudo, nos últimos sinais da governação, em que merecem destaque a designação de Paulo Portas para apresentar o guião do plano da reforma do Estado e o anúncio de um mega-investimento público para transferir uma parte da área portuária de Lisboa para Almada, os quais nos remetem imediatamente para os truques de tempos passados.

O ministro das Finanças chegou ao Governo no tempo certo, mas com o primeiro-ministro errado. Passos Coelho não é capaz de enfrentar o cancro de interesses diversos e insondáveis que está a montante da crise financeira. E que tem o Estado capturado.

Enquanto não rebentar com este colete de forças, com mais ou menos operação "Mãos Limpas", o país nunca conseguirá libertar-se das redes de corrupção instaladas, percepcionadas pela generalidade dos portugueses, que sugam a maioria dos escassos recursos disponíveis.

O estoiro do DCIAP, um dos pilares do que deveria ter sido – e nunca foi! – o bastião do combate aos crimes de colarinho branco e à alta criminalidade organizada, é apenas a confirmação de mais um golpe nesta batalha sempre prometida e nunca levada a sério.

O país não pode sobreviver assim, condenado a sustentar as castas que gravitam à volta do poder, sem investimento, emprego, mercado interno e uma protecção social digna desse nome e ainda indefeso em relação ao assalto fiscal.

E das duas uma: ou dá um passo em frente, enfrentando o verdadeiro "Monstro" que está a liquidar o país, ou cai na esparrela de retomar os mesmos vícios que só nos podem conduzir de novo à beira do precipício.

E se Vítor Gaspar falhar?

O país voltará a render-se aos mesmos lóbis, ao velho tráfico de influências, às habituais negociatas por debaixo da mesa, aos subsídios para os amigos e clientelas, à dança de cadeiras entre o público e o privado, ao investimento público de fachada, com menos vírgula ou mais género no articulado das leis, obviamente sempre em nome do crescimento e da defesa do Estado Social, em suma, a mais do mesmo que nos atirou para o abismo. 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Falar claro, alto e sem medo



O país foi sacudido por mais duas formas de protesto, numa semana em que conheceu o agravamento do desemprego e o abrandamento das exportações, não obstante o propalado e quimérico regresso aos mercados internacionais.

Francisco José Viegas, ex-secretário de estado da Cultura, e elementos do movimento "Que se lixe a troika", cada um à sua maneira, com mais ou menos gosto, deram rosto e voz à indignação do dia-a-dia.

No momento em que as galerias do hemiciclo rebentaram num sentido e sonoro "Grândola, Vila Morena", Pedro Passos Coelho parou, esboçando um esgar nervoso e embaraçado.

Numa fracção de segundo, o país real sentiu-se dignamente representado na Assembleia da República, perante a estupefacção de muitos deputados que insistem num vergonhoso distanciamento da realidade.

Finalmente, alguém voltou a falar claro, alto e sem medo!

Entre as várias perplexidades que têm permitido e desculpado sucessivos erros governativos, existe uma que continua a ser um enorme mistério: como é possível que a maioria dos jovens continuem a suportar, passivamente, em silêncio, o flagelo da falta de horizonte?

Sim, como é possível que a academia aguente uma taxa de desemprego da ordem dos 40% sem se revoltar, sem vir para a rua protestar, sem fazer lembrar a cada membro do governo, diariamente, que recusa não ter futuro?

Num país cada vez mais desnorteado pelo Estado de desastre social que graça de Norte a Sul, como é possível que as gerações melhor informadas e preparadas assistam, sem o mínimo sinal colectivo de sobressalto cívico, ao Estado a tratar mal os seus avós, pais e irmãos?

Há algo de paradoxal nesta tranquilidade. Como se muitos dos jovens que sofrem com a crise a aceitassem, com resignação e até indiferença, porventura dispostos a expiar os desvarios passados de outros.

Justificar o injustificável com a contaminação de uma cultura instantânea, típica da adoração imbecil do “Gangnam Style” ou de qualquer outra moda acéfala, é claramente redutor e característico do generation gap .

Tem de haver uma explicação mais sustentada; contudo, nesta análise que urge fazer, há um factor que não pode ser escamoteado: a falta de cultura de cidadania.

No último debate quinzenal, a troca de palavras entre António José Seguro e Pedro Passos Coelho, a propósito do que o primeiro-ministro afirmou antes de chegar ao poder, revelou o enorme vazio que se abateu sobre Portugal, tão despojado de esperança como de alma e auto-estima.

A juventude tem de acordar. E não é só por cada jovem ter como única perspectiva realista, nos próximos anos, o desemprego, a emigração forçada ou um emprego a ganhar um salário inferior a 500 euros.

O que está em causa é bem mais importante: ou são os jovens a definir o que será o Portugal de amanhã, depois da troika, ou então terão de aceitar o país definido por quem já não merece o mínimo de confiança.

Portugal depende mais deste despertar do que de qualquer salvador iluminado. Mas a arte do protesto não é tudo. Com mais ou menos criatividade e irreverência, não chega o impropério pertinente e legítimo, nem tão-pouco o debitar inconsequente das palavras de um grande poeta.

"Grândola, Vila Morena" é a canção composta e cantada por Zeca Afonso, a música que nos anunciou a liberdade. Não é uma moda efémera, mas algo que nos devia fazer transcender. Talvez seja esta a dimensão que falta aos jovens portugueses de hoje, formados na ignorância do passado. Talvez, por isso, aceitem, tão passiva e silenciosamente, não ter direito ao futuro.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Portugal é assim: cheio de inocentes no poder



O caso Franquelim Alves continua a alimentar a agenda mediática, mas a polémica instalada está longe de contribuir para a necessária clarificação.

Uma observação ponderada sobre este episódio, em que a dignidade pessoal se verga ao enxovalho público, remete para outros dois: Universidade Moderna versus Paulo Portas e Freeport versus José Sócrates.

Nos dois casos, cujas investigações mediaram um período de cerca de oito anos, já tinha ocorrido o mesmo.

Portas e Sócrates chegaram ao poder, em 2002 e 2005, respectivamente, cobertos por suspeitas fundamentadas, sem o mínimo sobressalto de alguns que, agora, enchem a boca com a ética e o princípio da responsabilidade republicana.

Não faltam outros exemplos de carreiras fantásticas: Isaltino Morais continuou a ganhar eleições apesar da sua performance no mundo dos negócios autárquicos; e Manuel Dias Loureiro conseguiu manter o assento no Conselho de Estado, com a anuência de o presidente da República, até ao limite do insulto aos portugueses.

Basta de desculpas esfarrapadas. O pecado original é antigo. E é preciso enfrentá-lo com realismo e vontade política.

O debate não pode ficar centrado apenas na fulanização deste ou daquele governante. Tem de ser alargado à rede de interesses instalados, cujos principais elementos lá vão sendo pagos e promovidos à medida da alternância na governação.

É preciso ir mais além, exigir comportamentos à prova de suspeições e responsabilizar os mais altos responsáveis do Estado, designadamente os da justiça, tanto mais que a semana foi pródiga em revelações sobre o DCIAP: o relatório internacional da Open Society Foundations concluiu que Portugal colaborou com a CIA nos voos da vergonha; por sua vez, Nuno Melo revelou um documento que comprova que o departamento liderado por Cândida Almeida teve conhecimento, desde 2004, de indícios fraudulentos no BPN.

Quanto aos sequestros, há muito que estamos conversados; e em relação ao maior escândalo financeiro português está instalada a percepção geral que os prejuízos gigantescos, que todos os portugueses estão a pagar, poderiam ter sido minorados se o universo judiciário tivesse funcionado com independência e zelo, em tempo útil, em relação aos poderosos.

A raiz do problema é bem evidente: a falta de meios e a partidarização da justiça.

A mudança está por cumprir. Resta a impunidade, como atesta a falta de peritos para a investigação de crimes complexos, nomeadamente os de colarinho branco.

O mutismo de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, não contribui em nada para a renovação deste ar pestilento que tresanda a silêncios, omissões e encobrimentos de negociatas e vigaristas que formigam descaradamente aos mais diversos níveis.

Portugal é assim: um país cheio de inocentes que chegam ao poder, e que lá se mantêm com toda a facilidade, beneficiando dessa posição, voluntária ou involuntariamente, sem o mínimo pejo.

Esta vulnerabilidade não é genética. Apenas falta uma cultura democrática mais firme e participada. E, por pior que seja o cenário, há esperança na sociedade civil, como demonstra a acção da Associação Transparência e Integridade em relação ao cumprimento da lei de limitação de mandatos autárquicos e o apoio a Rui Moreira para a presidência da Câmara Municipal do Porto.

O país não é Lisboa. E tem de estar atento ao combate político autárquico, nomeadamente ao que se avizinha na Invicta. Rui Moreira não tem margem para fazer o mesmo que alguns dos seus mais proeminentes apoiantes fizeram, ou seja, baquear nos momentos decisivos para enfrentar a alta corrupção.