O país foi sacudido
por mais duas formas de protesto, numa semana em que conheceu o agravamento do
desemprego e o abrandamento das exportações, não obstante o propalado e quimérico
regresso aos mercados internacionais.
Francisco José
Viegas, ex-secretário de estado da Cultura, e elementos do movimento "Que
se lixe a troika", cada um à sua maneira, com mais ou menos gosto, deram rosto
e voz à indignação do dia-a-dia.
No momento
em que as galerias do hemiciclo rebentaram num sentido e sonoro "Grândola,
Vila Morena", Pedro Passos Coelho parou, esboçando um esgar nervoso e embaraçado.
Numa
fracção de segundo, o país real sentiu-se dignamente representado na Assembleia
da República, perante a estupefacção de muitos deputados que insistem num
vergonhoso distanciamento da realidade.
Finalmente,
alguém voltou a falar claro, alto e sem medo!
Entre as
várias perplexidades que têm permitido e desculpado sucessivos erros
governativos, existe uma que continua a ser um enorme mistério: como é possível
que a maioria dos jovens continuem a suportar, passivamente, em silêncio, o
flagelo da falta de horizonte?
Sim, como é
possível que a academia aguente uma taxa de desemprego da ordem dos 40% sem se
revoltar, sem vir para a rua protestar, sem fazer lembrar a cada membro do
governo, diariamente, que recusa não ter futuro?
Num país
cada vez mais desnorteado pelo Estado de desastre social que graça de Norte a Sul,
como é possível que as gerações melhor informadas e preparadas assistam, sem o mínimo
sinal colectivo de sobressalto cívico, ao Estado a tratar mal os seus avós, pais
e irmãos?
Há algo de
paradoxal nesta tranquilidade. Como se muitos dos jovens que sofrem com a crise
a aceitassem, com resignação e até indiferença, porventura dispostos a expiar
os desvarios passados de outros.
Justificar o
injustificável com a contaminação de uma cultura instantânea, típica da adoração
imbecil do “Gangnam Style” ou de qualquer outra moda acéfala, é claramente
redutor e característico do generation
gap .
Tem de
haver uma explicação mais sustentada; contudo, nesta análise que urge fazer, há
um factor que não pode ser escamoteado: a falta de cultura de cidadania.
No último
debate quinzenal, a troca de palavras entre António José Seguro e Pedro Passos
Coelho, a propósito do que o primeiro-ministro afirmou antes de chegar ao
poder, revelou o enorme vazio que se abateu sobre Portugal, tão despojado de
esperança como de alma e auto-estima.
A juventude
tem de acordar. E não é só por cada jovem ter como única perspectiva realista, nos
próximos anos, o desemprego, a emigração forçada ou um emprego a ganhar um
salário inferior a 500 euros.
O que está
em causa é bem mais importante: ou são os jovens a definir o que será o Portugal de
amanhã, depois da troika, ou então terão de aceitar o país definido por quem já
não merece o mínimo de confiança.
Portugal
depende mais deste despertar do que de qualquer salvador iluminado. Mas a arte
do protesto não é tudo. Com mais ou menos criatividade e irreverência, não
chega o impropério pertinente e legítimo, nem tão-pouco o debitar inconsequente
das palavras de um grande poeta.
"Grândola,
Vila Morena" é a canção composta e cantada por Zeca Afonso, a música que
nos anunciou a liberdade. Não é uma moda efémera, mas algo que nos devia fazer
transcender. Talvez seja esta a dimensão que falta aos jovens portugueses de
hoje, formados na ignorância do passado. Talvez, por isso, aceitem, tão passiva
e silenciosamente, não ter direito ao futuro.
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