A realidade tornou-se paradoxal: por um lado, as instituições internacionais
elogiam o reequilíbrio estrutural; por outro lado, a oposição parlamentar denuncia
o colapso económico, fazendo prever uma moção de censura para breve.
Perante este cenário, agravado pelas sucessivas trapalhadas ministeriais, os
portugueses já não conseguem parar, pensar e exigir a escolha de prioridades.
É possível discutir se o brutal aumento dos impostos e os cortes no
edifício da protecção social podem coexistir com o Estado despesista à custa de
mais dívida, com os bancos a passarem a
factura dos prejuízos para os contribuintes e com as pessoas e as empresas a definharem
a olhos vistos.
Por isso, evidentemente, é mais do que compreensível e aceitável o coro de
protestos que se tem levantado sempre
que um governante sobe a um qualquer palanque público.
Todavia, no momento em que todos os dados estão lançados para a sétima
avaliação da troika, a mais decisiva para saber o que vai acontecer, os olhos dos
portugueses continuam concentrados no ministro das Finanças.
Vítor Gaspar continua a ser o governante com uma actuação coerente e irrepreensível.
Não é por acaso que a oposição concentra nele todas as baterias, pois continua
a ser o pilar do Governo, com capacidade para se distinguir da politiquice, da
partidarite e da mercearia de ocasião.
Mas será que é o super-homem?
Claro que não.
A prova que o ministro das Finanças não tem o poder que lhe advinham está bem
patente nalgumas previsões erradas e, sobretudo, nos últimos sinais da governação,
em que merecem destaque a designação de Paulo Portas para apresentar o guião do
plano da reforma do Estado e o anúncio de um mega-investimento público para
transferir uma parte da área portuária de Lisboa para Almada, os quais nos
remetem imediatamente para os truques de tempos passados.
O ministro das Finanças chegou ao Governo no tempo certo, mas com o
primeiro-ministro errado. Passos Coelho não é capaz de enfrentar o cancro de
interesses diversos e insondáveis que está a montante da crise financeira. E
que tem o Estado capturado.
Enquanto não rebentar com este colete de forças, com mais ou menos operação
"Mãos Limpas", o país nunca conseguirá libertar-se das redes de
corrupção instaladas, percepcionadas pela generalidade dos portugueses, que
sugam a maioria dos escassos recursos disponíveis.
O estoiro do DCIAP, um dos pilares do que deveria ter sido – e nunca foi! –
o bastião do combate aos crimes de colarinho branco e à alta criminalidade
organizada, é apenas a confirmação de mais um golpe nesta batalha sempre
prometida e nunca levada a sério.
O país não pode sobreviver assim, condenado a sustentar as castas que
gravitam à volta do poder, sem investimento, emprego, mercado interno e uma
protecção social digna desse nome e ainda indefeso em relação ao assalto fiscal.
E das duas uma: ou dá um passo em frente, enfrentando o verdadeiro "Monstro"
que está a liquidar o país, ou cai na esparrela de retomar os mesmos vícios que
só nos podem conduzir de novo à beira do precipício.
E se Vítor Gaspar falhar?
O país voltará a render-se aos mesmos lóbis, ao velho tráfico de influências,
às habituais negociatas por debaixo da mesa, aos subsídios para os amigos e
clientelas, à dança de cadeiras entre o público e o privado, ao investimento
público de fachada, com menos vírgula ou mais género no articulado das leis, obviamente
sempre em nome do crescimento e da defesa do Estado Social, em suma, a mais do
mesmo que nos atirou para o abismo.