Manuela Ferreira Leite perdeu as legislativas, em 2009, depois de uma campanha eleitoral em que ficou célebre uma polémica declaração: "E até não sei se a certa altura não seria bom haver seis meses sem democracia. Mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia." Para muitos, foi um lapso de comunicação; para outros, a expressão foi uma crítica certeira às pseudo-reformas então em curso na justiça, à custa do ataque gratuito aos juízes.
Dois anos depois do início da crise, e face à necessidade de apressar as verdadeiras reformas, chegou a hora de levantar novamente a questão: será preciso voltar a perguntar se é preciso suspender a democracia para salvar o país?
Mais que a discussão filosófica ou jurídico-constitucional, importa afastar desde já a tentação de invectivar determinadas classes profissionais para alijar o fardo de quem tem de fazer o que tem de ser feito. A situação exige muito mais do que uma crispação artificial e desgastante. E tal só é possível quando a governação é credibilizada por uma sociedade civil participativa e inconformada.
A actualidade comprova que não será fácil repetir a governação do passado que nos conduziu à actual situação humilhante de total dependência externa. Directa ou através de mediação, é patente a crescente atenção e apetência da sociedade pela avaliação, quase em tempo real, de cada decisão governamental.
Agora já não será tão fácil autorizar investimentos faraónicos, aumentar salários milionários, renovar frotas automóveis de luxo e até permitir mais despesas em telecomunicações inimagináveis. De igual forma, os servidores da causa pública terão cada vez maior dificuldade em enriquecer ilegal e impunemente durante ou depois do exercício de funções. Por sua vez, atitudes como a do ministro Miguel Relvas, que elogiou o correspondente da RTP em Angola quando lhe são publicamente conhecidos interesses empresariais naquele país africano, dificilmente serão repetidas. Por último, a resistência dos mais ricos a pagar um imposto extraordinário, ainda que simbólico, também não passará em claro.
Com o dinheiro a escassear, está instalada a tolerância zero em relação ao esbanjamento, aos sinais exteriores de riqueza injustificados e à falta de solidariedade. E o voto deixou de ser um cheque em branco ao governo, quiçá constituído por iluminados e bem-intencionados, que até abdicaram de belos ordenados para servirem o país. Aliás, já não bastam cortes mais ou menos cegos e brutais na despesa. Começa a ser evidente alguma impaciência em relação a uma profunda e urgente reestruturação em áreas tão importantes como a educação, a justiça e a saúde, que se espera vir a ser feita sem ser à custa de uma nova tentativa de demonizar professores, advogados, investigadores criminais, magistrados, médicos e enfermeiros.
Há um lado bom em qualquer crise, sobretudo quando nos obriga a aprender com os erros do passado, bem como a assumir que a legitimidade formal de quem nos representa não substitui a necessidade de um escrutínio frontal e constante. Se todos os sacrifícios exigidos consolidarem esta mudança de mentalidade, então nem tudo está perdido. A consciência da necessidade de participar na agregação de diferentes interesses, num espaço de debate e legalidade, é o primeiro passo para promover novas soluções, evitando o risco de explosões sociais que fermentam, invariavelmente, a partir da passividade e da descrença em relação a quem tem a responsabilidade de governar.
Dois anos depois do início da crise, e face à necessidade de apressar as verdadeiras reformas, chegou a hora de levantar novamente a questão: será preciso voltar a perguntar se é preciso suspender a democracia para salvar o país?
Mais que a discussão filosófica ou jurídico-constitucional, importa afastar desde já a tentação de invectivar determinadas classes profissionais para alijar o fardo de quem tem de fazer o que tem de ser feito. A situação exige muito mais do que uma crispação artificial e desgastante. E tal só é possível quando a governação é credibilizada por uma sociedade civil participativa e inconformada.
A actualidade comprova que não será fácil repetir a governação do passado que nos conduziu à actual situação humilhante de total dependência externa. Directa ou através de mediação, é patente a crescente atenção e apetência da sociedade pela avaliação, quase em tempo real, de cada decisão governamental.
Agora já não será tão fácil autorizar investimentos faraónicos, aumentar salários milionários, renovar frotas automóveis de luxo e até permitir mais despesas em telecomunicações inimagináveis. De igual forma, os servidores da causa pública terão cada vez maior dificuldade em enriquecer ilegal e impunemente durante ou depois do exercício de funções. Por sua vez, atitudes como a do ministro Miguel Relvas, que elogiou o correspondente da RTP em Angola quando lhe são publicamente conhecidos interesses empresariais naquele país africano, dificilmente serão repetidas. Por último, a resistência dos mais ricos a pagar um imposto extraordinário, ainda que simbólico, também não passará em claro.
Com o dinheiro a escassear, está instalada a tolerância zero em relação ao esbanjamento, aos sinais exteriores de riqueza injustificados e à falta de solidariedade. E o voto deixou de ser um cheque em branco ao governo, quiçá constituído por iluminados e bem-intencionados, que até abdicaram de belos ordenados para servirem o país. Aliás, já não bastam cortes mais ou menos cegos e brutais na despesa. Começa a ser evidente alguma impaciência em relação a uma profunda e urgente reestruturação em áreas tão importantes como a educação, a justiça e a saúde, que se espera vir a ser feita sem ser à custa de uma nova tentativa de demonizar professores, advogados, investigadores criminais, magistrados, médicos e enfermeiros.
Há um lado bom em qualquer crise, sobretudo quando nos obriga a aprender com os erros do passado, bem como a assumir que a legitimidade formal de quem nos representa não substitui a necessidade de um escrutínio frontal e constante. Se todos os sacrifícios exigidos consolidarem esta mudança de mentalidade, então nem tudo está perdido. A consciência da necessidade de participar na agregação de diferentes interesses, num espaço de debate e legalidade, é o primeiro passo para promover novas soluções, evitando o risco de explosões sociais que fermentam, invariavelmente, a partir da passividade e da descrença em relação a quem tem a responsabilidade de governar.
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