sábado, 8 de setembro de 2012

Brincar com o fogo



Pedro Passos Coelho já conseguiu modificar uma parte das práticas e das mentalidades que conduziram o país ao desastre, mas a verdade é que ainda sabe a muito pouco, continua por consolidar a verdadeira mudança prometida.

No essencial tudo permanece na mesma. Os ricos escapam à crise, os poderosos esmagam os mais fracos, a justiça não trava os arbítrios, a burocracia permanece imperial, os abusos confundem-se com a segurança, os lucros particulares sobrepõem-se ao interesse nacional, os negócios de Estado transformam-se em negociatas privadas.

Por isso, e numa análise serena ao último discurso de Pedro Passos Coelho, temos de admitir que o país está a atingir um patamar que nos pode trazer mais problemas do que vantagens.

Com a coligação governamental paralisada por chicanas e com a oposição cada vez mais crispada, o anúncio de mais um aumento de impostos constitui uma rampa de lançamento para uma nova etapa da contestação social.

É neste ambiente pesado que vai ser anunciada a quinta avaliação da troika, mas começa a ser cada vez mais evidente que os nossos verdadeiros problemas estão a montante dos modelos, das estatísticas, dos indicadores e até do financiamento externo.

O país continua a viver de farsa em farsa, como revelam as últimas semanas: a propaganda do bom aluno convive pacificamente com os sucessivos falhanços dos objectivos; o governo que devia ser de salvação nacional continua encalhado em Miguel Relvas; Paulo Portas submerge nas profundezas de novas suspeitas sobre os submarinos; face a mais um apertão fiscal, lá veem os boys garantir que não há aumento de impostos; enquanto os cortes afectam o serviço público de saúde, educação, justiça e segurança, a corte do costume enche a boca com a RTP.

Está a faltar qualidade, estratégia e seriedade. Certamente, não é por acaso que o investimento estrangeiro que está a chegar vem de Angola e da China, sabe-se lá em que condições.

Numa época em que o país está a ser consumido pelos incêndios, é caso para dizer que os maiores pirómanos estão no governo.

O governo não pode continuar a prometer que vai fazer para depois recuar quando estão em jogo os grandes interesses; a coesão da coligação não pode estar dependente de tricas partidárias e do ritmo de investigações judiciais; a repartição dos sacrifícios tem de ser mais justa.

Os portugueses estão a começar a ficar fartos de quem está sempre disponível para engolir a dignidade, desde que estejam em causa os seus próprios interesses particulares.

Já não bastam as habituais encenações e os estafados truques da pose de Estado, do corpo às balas e do punhado de sound bytes para alterar a enorme desconfiança em relação ao governo a perder gás e à oposição cada vez mais delirante.

A questão também já não são só os fumos de iniquidade, corrupção e fadiga fiscal, o que está verdadeiramente em causa é a sobrevivência do regime democrático.

É que uma nova maioria está ressurgir, sem uma clara definição política e doutrinária, manifestando abertamente o repúdio por esta democracia formal que não se dá conta do imenso ridículo em que está a mergulhar, com mais ou menos senador à mistura a debitar um discurso instrumental e incendiário.

Há cada vez mais vozes a desejar uma nova crise política, quiçá a escolha de um governo minoritário ao jeito italiano. Pode ser que Aníbal Cavaco Silva o receie. E esperemos que Pedro Passos Coelho o evite, custe o que custar, colocando a governação nos eixos.

Até para quem anda a brincar com o fogo tem haver sempre mais uma oportunidade.

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