Pedro Passos Coelho já conseguiu
modificar uma parte das práticas e das mentalidades que conduziram o país ao
desastre, mas a verdade é que ainda sabe a muito pouco, continua por consolidar
a verdadeira mudança prometida.
No essencial tudo permanece na mesma.
Os ricos escapam à crise, os poderosos esmagam os mais fracos, a justiça não
trava os arbítrios, a burocracia permanece imperial, os abusos confundem-se com
a segurança, os lucros particulares sobrepõem-se ao interesse nacional, os negócios
de Estado transformam-se em negociatas privadas.
Por isso, e numa análise serena ao
último discurso de Pedro Passos Coelho, temos de admitir que o país está a
atingir um patamar que nos pode trazer mais problemas do que vantagens.
Com a coligação governamental paralisada
por chicanas e com a oposição cada vez mais crispada, o anúncio de mais um
aumento de impostos constitui uma rampa de lançamento para uma nova etapa da
contestação social.
É neste ambiente pesado que vai
ser anunciada a quinta avaliação da troika, mas começa a ser cada vez mais
evidente que os nossos verdadeiros problemas estão a montante dos modelos, das
estatísticas, dos indicadores e até do financiamento externo.
O país continua a viver de farsa
em farsa, como revelam as últimas semanas: a propaganda do bom aluno convive
pacificamente com os sucessivos falhanços dos objectivos; o governo que devia ser
de salvação nacional continua encalhado em Miguel Relvas; Paulo Portas submerge
nas profundezas de novas suspeitas sobre os submarinos; face a mais um apertão
fiscal, lá veem os boys garantir que não há aumento de impostos; enquanto os
cortes afectam o serviço público de saúde, educação, justiça e segurança, a corte
do costume enche a boca com a RTP.
Está a faltar qualidade, estratégia
e seriedade. Certamente, não é por acaso que o investimento estrangeiro que
está a chegar vem de Angola e da China, sabe-se lá em que condições.
Numa época em que o país está a
ser consumido pelos incêndios, é caso para dizer que os maiores pirómanos estão
no governo.
O governo não pode continuar a prometer
que vai fazer para depois recuar quando estão em jogo os grandes interesses; a
coesão da coligação não pode estar dependente de tricas partidárias e do ritmo
de investigações judiciais; a repartição dos sacrifícios tem de ser mais justa.
Os portugueses estão a começar a
ficar fartos de quem está sempre disponível para engolir a dignidade, desde que
estejam em causa os seus próprios interesses particulares.
Já não bastam as habituais
encenações e os estafados truques da pose de Estado, do corpo às balas e do punhado
de sound bytes para alterar a enorme
desconfiança em relação ao governo a perder gás e à oposição cada vez mais
delirante.
A questão também já não são só os
fumos de iniquidade, corrupção e fadiga fiscal, o que está verdadeiramente em
causa é a sobrevivência do regime democrático.
É que uma nova maioria está ressurgir,
sem uma clara definição política e doutrinária, manifestando abertamente o
repúdio por esta democracia formal que não se dá conta do imenso ridículo em
que está a mergulhar, com mais ou menos senador à mistura a debitar um discurso
instrumental e incendiário.
Há cada vez mais vozes a desejar
uma nova crise política, quiçá a escolha de um governo minoritário ao jeito
italiano. Pode ser que Aníbal Cavaco Silva o receie. E esperemos que Pedro Passos
Coelho o evite, custe o que custar, colocando a governação nos eixos.
Até para quem anda a brincar com
o fogo tem haver sempre mais uma oportunidade.
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