sábado, 13 de outubro de 2012

A nova PGR: a bota não bate com a perdigota




«Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Tudo o resto é publicidade». Era assim que George Orwell (Eric Arthur Blair) entendia o papel dos jornalistas no início do século XX.

Actualmente estamos cada vez mais distantes desta brilhante máxima. Salvo raras excepções, a informação tornou-se num imenso e crescente monte de ruído ao serviço de alguém e uma fonte de permanente confusão.

Os exemplos são tantos que a única dificuldade é seleccionar os casos mais paradigmáticos, pelo que enuncio apenas dois, da política e da justiça.

Hoje, entre insultos nunca vistos trocados pelos principais protagonistas da vida política, quem consome a informação fica entalado entre duas visões diametralmente opostas sobre o caminho a seguir para sair da crise. E não faltam especialistas, entre os quais os principais coveiros do país, com opiniões sobre as virtualidades de uma ou outra medida.

Por um lado, a maioria que governa, com mais ou menos simulação de arrufo do CDS-PP, tem como objectivo o saneamento das contas públicas em ritmo acelerado e o regresso aos mercados em Setembro de 2013; por outro lado, a oposição clama por mais tempo e menos sacrifícios, independentemente do custo acrescido de manter uma situação de dependência de mais e mais crédito externo.

Curiosamente, a imprensa não tem reflectido sobre o que poderá estar na génese de posições tão extremadas: a maioria que governa quer fazer o trabalho duro o mais rapidamente possível para que o país regresse aos mercados financeiros internacionais em 2013, ficando ainda com dois anos até às próximas eleições legislativas, o que lhe poderá permitir abrir os cordões à bolsa e à economia; por sua vez, a oposição quer retardar o mais possível a saída da troika e o regresso da normalidade em termos de independência financeira do país, de forma a atrapalhar a governação e a chegar a 2015 em condições de conquistar o poder.

Não vale a pena escrutinar se ambas as posições estão a ser mais determinadas pelos interesses partidários e pelo calendário eleitoral do que pelo interesse nacional?

Esta falta de profundidade da imprensa não se cinge à governação e à política. Senão vejamos o que se passou na justiça, perante a indiferença generalizada: a nomeação do procurador-geral da República.

O país foi surpreendido pela escolha de Joana Marques Vidal, uma magistrada do Ministério Público, com obra na defesa das vítimas e dos mais desprotegidos.

Ora, andámos meses a ouvir Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, a pulular sobre o combate à corrupção, o fim do tempo das impunidades e ainda sobre a criminalização do enriquecimento ilícito e, agora, assistimos à nomeação de uma magistrada para liderar a procuradoria-geral da República sem qualquer experiência na investigação criminal e sem trabalho para apresentar na luta contra o crime de colarinho branco, o branqueamento de capitais, o tráfico de influências, em síntese, sem provas dadas em relação à esmagadora maioria dos crimes de catálogo.

Os comentários em relação a esta nomeação, de uma magistrada muito próxima de importantes figuras do PSD, ficou pela triste tendência para a bajulação de quem assume o poder, o que deve ter deixado muitos portugueses com a cabeça a andar à roda.

Quem assume um lugar desta importância merece, obviamente, o benefício da dúvida e todos os votos de maiores sucessos. Mas, francamente, que a bota não bate com a perdigota, lá isso não bate.

Resta esperar pelos próximos capítulos, pois de publicidade estamos conversados.

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