No momento em que classe política
afunda e o regime democrático está num impasse terrível, chegou a notícia: o histórico líder do Bloco de Esquerda anunciou a saída do parlamento.
Num tempo em que a política está
transformada num imenso pântano de casos iníquos, vale a pena sublinhar um
exemplo de excelência, em que a dedicação, a inteligência e seriedade fizeram a
diferença para companheiros de partido, adversários de sempre e até jornalistas
que tiveram o privilégio de o conhecer e de o entrevistar em sua casa.
Ao fim de 13 anos de carreira política,
de cinco mandatos na Assembleia da República, de 1012 intervenções no plenário,
entre as quais se destacam os debates frontais com cinco primeiros-ministros, nunca
ninguém colocou em causa a sua probidade.
Vale a pena afirmar que a
Democracia não criou só "monstros". Também foi capaz de gerar um político
competente, com capacidade de defender as suas ideias e que sempre se distinguiu
cristalinamente da ralé que tem ocupado o poder com uma mão no peito e outra na
massa.
A saída de Francisco Louça da
primeira linha do palco do combate político é uma péssima notícia para todos
aqueles que acreditam num futuro melhor. Todavia fica o exemplo, como o próprio
sublinhou: «Saio exactamente como entrei, com a minha profissão, sem qualquer
subsídio e sem qualquer reforma». Só lhe faltou dizer que continua a não gostar
de caviar.
No meio de tanta e tanta gente que
não hesita em comprometer o país em nome de interesses disfarçados de
preocupação social, vale a pena acentuar que nem todos são iguais. E que a
esperança na democracia também é sustentada por um percurso ímpar, por um político
que nunca se deixou deslumbrar pelas mordomias do poder.
Construiu um partido com base nos
escombros da extrema esquerda, o seu trabalho inspirou muita gente e animou
muitos daqueles que consideram que já não vale a pena lutar por um regime mais
limpo e por um país mais justo.
Quando usava da palavra na
Assembleia da República, o silêncio era tumular. Todas as bancadas transbordavam de
expectativa, reconhecendo que o líder de um pequeno partido pode fazer a
diferença. E que diferença fez Francisco Louçã. O seu contributo foi essencial
para denunciar a corrupção e a impunidade que têm condenado o país à miséria.
Em muitos momentos, cara a cara com os chefes dos governos da República, o então
líder do Bloco esteve à altura da nobre missão parlamentar, criticando, denunciando,
propondo, sempre com a mesma autoridade, reconhecida por todos, à esquerda e à
direita, independentemente do acordo ou desacordo com as suas ideias políticas.
Francisco Louçã foi o mais brilhante
parlamentar desde o 25 de Abril.
Por isso a sua saída da ribalta
política é uma prova extraordinária de força e de confiança na capacidade de
sobrevivência do partido mais à esquerda no hemiciclo, precisamente no momento
em que o governo em funções é liderado por quem está a revelar uma enorme falta
de cultura democrática.
A escolha da hora para sair pelo
seu próprio pé, demonstrando que nem todos se agarram desesperadamente ao poder,
representa a sua última mensagem enquanto líder do Bloco: a confiança naqueles
que ficam e nas suas capacidades para fazer mais e melhor.
Quem teve a coragem de dizer a um
primeiro-ministro, olhos nos olhos, no momento certo, que os «portugueses sabem
o que quer dizer desonestidade», tem toda a legitimidade de prometer que vai
continuar a «ajudar a levantar a força deste povo».
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