sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O exemplo de Francisco Louçã




No momento em que classe política afunda e o regime democrático está num impasse terrível, chegou a notícia: o histórico líder do Bloco de Esquerda anunciou a saída do parlamento.

Num tempo em que a política está transformada num imenso pântano de casos iníquos, vale a pena sublinhar um exemplo de excelência, em que a dedicação, a inteligência e seriedade fizeram a diferença para companheiros de partido, adversários de sempre e até jornalistas que tiveram o privilégio de o conhecer e de o entrevistar em sua casa.

Ao fim de 13 anos de carreira política, de cinco mandatos na Assembleia da República, de 1012 intervenções no plenário, entre as quais se destacam os debates frontais com cinco primeiros-ministros, nunca ninguém colocou em causa a sua probidade.

Vale a pena afirmar que a Democracia não criou só "monstros". Também foi capaz de gerar um político competente, com capacidade de defender as suas ideias e que sempre se distinguiu cristalinamente da ralé que tem ocupado o poder com uma mão no peito e outra na massa.

A saída de Francisco Louça da primeira linha do palco do combate político é uma péssima notícia para todos aqueles que acreditam num futuro melhor. Todavia fica o exemplo, como o próprio sublinhou: «Saio exactamente como entrei, com a minha profissão, sem qualquer subsídio e sem qualquer reforma». Só lhe faltou dizer que continua a não gostar de caviar.

No meio de tanta e tanta gente que não hesita em comprometer o país em nome de interesses disfarçados de preocupação social, vale a pena acentuar que nem todos são iguais. E que a esperança na democracia também é sustentada por um percurso ímpar, por um político que nunca se deixou deslumbrar pelas mordomias do poder.

Construiu um partido com base nos escombros da extrema esquerda, o seu trabalho inspirou muita gente e animou muitos daqueles que consideram que já não vale a pena lutar por um regime mais limpo e por um país mais justo.

Quando usava da palavra na Assembleia da República, o silêncio era tumular. Todas as bancadas transbordavam de expectativa, reconhecendo que o líder de um pequeno partido pode fazer a diferença. E que diferença fez Francisco Louçã. O seu contributo foi essencial para denunciar a corrupção e a impunidade que têm condenado o país à miséria. Em muitos momentos, cara a cara com os chefes dos governos da República, o então líder do Bloco esteve à altura da nobre missão parlamentar, criticando, denunciando, propondo, sempre com a mesma autoridade, reconhecida por todos, à esquerda e à direita, independentemente do acordo ou desacordo com as suas ideias políticas.

Francisco Louçã foi o mais brilhante parlamentar desde o 25 de Abril.

Por isso a sua saída da ribalta política é uma prova extraordinária de força e de confiança na capacidade de sobrevivência do partido mais à esquerda no hemiciclo, precisamente no momento em que o governo em funções é liderado por quem está a revelar uma enorme falta de cultura democrática.

A escolha da hora para sair pelo seu próprio pé, demonstrando que nem todos se agarram desesperadamente ao poder, representa a sua última mensagem enquanto líder do Bloco: a confiança naqueles que ficam e nas suas capacidades para fazer mais e melhor.

Quem teve a coragem de dizer a um primeiro-ministro, olhos nos olhos, no momento certo, que os «portugueses sabem o que quer dizer desonestidade», tem toda a legitimidade de prometer que vai continuar a «ajudar a levantar a força deste povo». 

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