sábado, 6 de outubro de 2012

Por uma nova República




Vítor Gaspar, não obstante a sua seriedade e competência intocáveis, tem falhado sucessivamente todas as metas orçamentais anunciadas, mas continua com um rumo definido.

Face ao coro de críticas, da esquerda à direita do espectro partidário, das organizações sindicais às patronais, o ministro continua firme, não vacila, mantém o caminho duro de mais impostos, indiferente a todas as demagogias, insistindo na estratégia de aceleração do ajustamento a que o país está obrigado pelos credores estrangeiros.

Com uma  tranquilidade e convicção impressionantes, Vítor Gaspar continua a apostar num país de plena soberania, não se deixando intimidar por uma das maiores vagas de contestação de que há memória em Portugal. E passou ao contra-ataque, não com recurso às medidas fáceis ou à vozearia, mas com um discurso político subtil e surpreendente.

Debaixo de fogo cruzado, o ministro das Finanças decidiu fazer um elogio ímpar aos portugueses. Não a todos os portugueses, mas a uma maioria especial: aos que se organizaram à margem dos partidos políticos, que chegaram mesmo a recusar a presença de alguns líderes partidários mais atrevidos, para contestar três décadas perdidas de Democracia.

O elogio de Vítor Gaspar aos manifestantes que protagonizaram a manifestação de 15 de Setembro – «O melhor Povo do mundo» – é muito mais do que um sound byte: É o maior e mais subtil ataque ao regime controlado por políticos e partidos políticos marcados pela incompetência, nepotismo e corrupção.

Poucos governantes se poderiam dar ao luxo de um tão veemente puxão de orelhas aos barões do regime e a uma classe política que tem enterrado sistemática e sucessivamente o país na mais profunda depressão.

Não obstante os pesados sacrifícios que está a exigir, Vítor Gaspar ainda representa a esperança num futuro em que os governantes não sacrificam o país por uns trocados numa qualquer offshore ou por um misero tacho mais ou menos dourado. Aliás, certamente, ninguém dúvida que o ministro das Finanças tem mais vida além do cargo que exerce.

As escolhas de Vítor Gaspar podem ser financeira e tecnicamente contestáveis, até podem ser económica e socialmente criticáveis, mas seguramente representam um caminho diferente daquele que nos conduziu ao desastre.

É este o grande trunfo de Vítor Gaspar, o ministro mais político do governo na mais nobre acepção da palavra, representante de uma nova geração que não se confunde, que não se quer confundir, com os responsáveis pela actual situação de emergência nacional.

Será que é suficiente?

Não!

O estreito e difícil caminho que o ministro das Finanças está a seguir só será viável se o governo for credível e conquistar a confiança dos portugueses.

Por isso a escolha está cada vez mais clara: ou Passos Coelho está à altura do seu ministro das Finanças e arrepia caminho, retomando a exigência que prometeu aos portugueses, desde logo avançando com uma profunda remodelação governamental, ou teremos como "alternativa" mais cenas do filme Relvas & Companhia.

As comemorações do 5 de Outubro não são um bom prenúncio, pois a classe política já não tem força nem espaço para acantonar os portugueses a um canto, mas tiveram o mérito de reforçar a percepção da necessidade de continuar a lutar por uma mudança de mentalidades e de paradigma de desenvolvimento, em suma, por uma nova República, em que a Constituição não seja uma caricatura do próprio regime.

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