Após
a entrada da Guiné Equatorial na CPLP e do estoiro do BES que feriu de morte a
Portugal Telecom, o país foi sobressaltado pelas declarações de Martins da Cruz
e Henrique Granadeiro: nos negócios e na política não há estados de alma.
Vale
a pena reflectir sobre se estamos perante casos isolados ou dois exemplos
proeminentes de uma casta pululante, alimentada pela espuma da ordem económica e
financeira cada vez mais selvagem e global, mantida à custa da opacidade e confidencialidade
sem limites e justificada por um qualquer interesse empresarial ou estratégico.
A
"Operação Labirinto" é um excelente ponto de partida para deslindar
esta dúvida, pois envolve, por um lado, o Estado, a Justiça e a Segurança, e,
por outro, a governação, as polícias, os serviços de informações, os negócios e
o dinheiro.
Para
já, os dados públicos podem ser resumidos ao seguinte: altos funcionários do
Estado português são suspeitos de vender soberania, com base numa teia complexa
de influências e cumplicidades, a troco de comissões, com a ajuda das secretas,
e sabe Deus que outros mais altos fretes prestados a terceiros.
Face
a estes indícios, nada atrapalha os homens e as mulheres do sistema que, de
imediato, avançaram com a ladainha de sempre: não está em causa o programa dos "Vistos Gold", mas sim a sua aplicação.
Eles
nunca vacilam, nem mesmo quando batemos no fundo, indiferentes à percepção
generalizada que o Estado está minado por uma corrupção subterrânea que é
amparada pelos mais sensíveis serviços do Estado que estão em roda livre há
demasiado tempo.
Nada
os coíbe de tentar manter as aparências, através da estafada declaração que o
Estado de Direito está a funcionar, quiçá recorrendo a todos os meios para subtilmente
perseguir, silenciar, manipular e influenciar quem ousa denunciar métodos e
crimes típicos dos totalitarismos mais desbragados.
Não
basta tentar escamotear o monumental falhanço do programa, através da exibição do
montante do encaixe alegadamente realizado, seja qual for o argumento de
natureza económica e financeira ou de Estado.
É
certo que os exemplos em que corrupção e as secretas andam lado a lado, com
mais ou menos acção ou omissão, não são exclusivos de Portugal.
Basta
recordar a ascensão de responsáveis dos serviços de informações aos mais altos lugares
da governação por esse mundo fora para ter a ideia de uma certa forma de fazer
política.
Não
há sound bite que o possa disfarçar:
o pragmatismo puro e duro é, de facto, incompatível com os estados de alma.
O
poder tem sido assaltado por este utilitarismo desenfreado, seja por convicção,
sobrevivência ou eleitoralismo, contando com fiéis suficientemente servis para cumprir
ordens e nunca hesitar em aplicá-las, nem mesmo quando está em causa a
credibilidade das instituições e o futuro do regime democrático.
Eles
aí estão, da direita à esquerda, em todo o esplendor, à vista dos cidadãos ou face
a um qualquer parlamento, confortados pelo voto popular ou por qualquer outra
legitimação, sustentados por uma legislação que facilita os desvios e, nalguns
casos, até permite acobertar os criminosos, apadrinhados pelos poderes não
eleitos, exultantes com os fluxos de dólares e euros de origem duvidosa e sempre
disponíveis para menosprezar os indícios de corrupção, opacidade, secretismo e
abuso de poder.
Entretanto,
multiplicam-se os discursos pomposos, sem que haja qualquer vontade
política real para mudar o que quer que seja, até ao próximo escândalo, qual Babilónia
perdida no emaranhado de caminhos que não levam a lado nenhum.
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