Entre a estupefacção e a indignação, o país assistiu a uma vozearia inaudita após a demissão de Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia, por causa da suposta cedência do governo em relação às rendas milionárias atribuídas à EDP, ou seja, os responsáveis pela descomunal subsidiação da eléctrica, firmada através de contratos blindados, são os mesmos que agora têm o desplante de criticar o governo por não cortar depressa e a eito na empresa presidida por António Mexia.
O foguetório verbal atingiu mesmo limites revoltantes após ter sido divulgada uma auditoria à Parque Escolar, responsável pela requalificação das escolas e pela gestão de um projecto da ordem dos 2,4 mil milhões de euros. Enquanto se descobriu que o custo unitário estimado por escola passou de 2,82 milhões de euros, em 2007, para 15,45 milhões de euros, em 2011, uma derrapagem superior a 400%, as mesmas vozes socialistas desataram a vociferar, precipitadamente, por causa de quatro milhões de euros que entraram nos cofres da Lusoponte.
Como se não bastasse, os mesmos socialistas, cada vez mais convulsivos, insurgiram-se contra a Associação Sindical dos Juízes Portugueses depois de ter sido divulgado que a instituição liderada pelo magistrado António Martins apresentou uma participação ao Ministério Público por causa do regabofe das despesas dos gabinetes governamentais.
Estes três exemplos são suficientemente paradigmáticos, pelo que nem é necessário falar do tiro falhado em torno de quem manda mais no que sobra dos fundos comunitários do QREN ou do prefácio do livro “Roteiros VI”, de Cavaco Silva, que, aliás, dissipou qualquer dúvida em relação à governação anterior.
Se é verdade que o escrutínio deve estar concentrado em quem exerce o poder, a situação do país exige a desmontagem deste súbito frémito, alimentado por uma espécie de oposição pirómana que pode colocar em perigo o cumprimento do memorando da troika.
A verdade nua e crua é evidente: este PS, liderado por um secretário-geral cada vez menos seguro, está disposto a tudo para salvar a pele de José Sócrates, politicamente exilado em Paris, mas suficientemente atento para perceber que está a chegar a hora da verdade, após uma governação repleta de casos políticos e pessoais que estão muito longe de estar esclarecidos.
Eis a verdadeira razão que está por trás desta súbita turbulência provocada por quem continua a mandar no Largo do Rato e está aterrado com as ondas de choque dos casos judiciais que envolvem o nome do ex-primeiro-ministro, sobretudo depois da última decisão do Tribunal Constitucional que acautelou o destino das escutas das conversas entre José Sócrates e Armando Vara.
Depois de sucessivas tentativas falhadas de vitimização do ex-primeiro-ministro, os órfãos políticos de Sócrates parecem estar dispostos a tudo para tentar inverter a situação, a partir do controlo da bancada parlamentar socialista e de uma presença desmesurada em alguns órgãos de comunicação social.
A governação tem de ser escrutinada por uma oposição livre de amarras e com humildade para aceitar os erros do passado, sejam eles da responsabilidade de quem for. E não pode, em nenhum caso, fazer depender a sua acção política da evolução deste ou daquele caso judicial.
O futuro do país ou de qualquer instituição, pública ou privada, não pode depender de lealdades caninas. A política do vale tudo tem de acabar.