Há um frémito
no ar, que se sente a léguas, por causa da ameaça grega, da iminente implosão
do euro, da recessão económica e do desemprego.
Ao mesmo tempo,
o impasse interno começa a fazer fluir a pré-desagregação do Estado, seja ele
social ou do mínimo denominador comum dos valores democráticos, ao ritmo da
entrada de capitais estrangeiros lavados pela extrema necessidade. Não é por
caso que cada escolha pesa toneladas sobre os ombros de quem tem e não tem poder.
Ao longo dos
últimos meses foi visível o início de uma espécie de mudança que sucumbiu ao primeiro
grande desafio.
Com o chão a fugir debaixo dos pés de pobres e
ricos, anónimos e poderosos, cidadãos e governantes, o fosso cavado entre aqueles
que teimaram em lidar com o nome próprio das coisas e aqueles que se continuam
a esconder na ficção das generalidades voltou ao ponto de partida.
E o que vemos,
quando queremos ver livremente?
Cavaco Silva está
politicamente fragilizado e incapaz de assegurar o regular funcionamento das
instituições, como atestam as críticas de vários partidos políticos e até algumas
sondagens.
Passos Coelho,
que começou bem e prometeu muito, está paralisado e condicionado por incoerências
insanáveis, quiçá refém de um ministro que mente no parlamento e de altos
funcionários que têm escapado aos órgãos de fiscalização.
Paulo Portas
mais parece um caixeiro-viajante (sem ofensa para o ministro e para os
caixeiros-viajantes), exibindo um punhado de investimentos estrangeiros
enquanto perdura a opacidade sobre os extraordinários negócios dos submarinos.
Os idosos com
mais de oitenta anos percorrem quilómetros para aceder a uma consulta médica,
sem a certeza de poderem pagar os tratamentos ou de comprar os medicamentos.
O direito à
justiça passou a ser quase um privilégio dos poderosos, sendo que os restantes
mortais têm de se contentar com as sobras do que resta do estado de direito.
Bancos e
banqueiros encaixam empréstimos de um Estado falido e generoso com o sistema e impotente
face às dificuldades dos cidadãos.
Muitos outros
exemplos poderiam ser apontados para ilustrar esta fatalidade genética
salazarenta que empata o presente e corrói o futuro. Por isso impõe-se a
pergunta: regressamos à governação do passado, que encheu os bolsos de alguns ao
ritmo que esvaziou os cofres do Estado?
A sucessão
dos últimos escândalos atesta que as mudanças não beliscaram o olímpico salve-se
quem puder desde que não seja apanhado ou não dê nas vistas.
O mais grave
é que não se vislumbra alternativa. No momento em que todos começam a olhar
para a esquerda, lá veio a estafada estabilidade política, o velho
argumento daqueles que não vivem, pois estão sempre à espera que a vida lhes
bata à porta.
Eis a
principal razão porque continuamos a viver no pântano, de crise em crise, de
falência em falência, sem que sobrevenha uma alternativa, uma nova classe
política, uma nova cidadania.
Este bloco
central de interesses, que nos tem atirado para o abismo, com uma regularidade espantosa,
continua vivo e sólido, contando com a influência serviçal da corte do costume e com a cumplicidade de uma
comunicação social que lá lhe vai abrindo as portas quando são atirados borda
fora do poder.
Assim, não há
alternativa que vingue. Até ao dia em que os portugueses comecem a perceber os
custos da corrupção e a desconfiar destes "anjos" da democracia que
se eternizam à medida dos seus jogos políticos, mais ou menos sujos, mas sempre
à socapa.
Quem fica a
perder?
O país e os
portugueses.