O topo da hierarquia da igreja católica tem mantido um
silêncio cúmplice em relação à degradação da qualidade da democracia portuguesa,
optando por manter as boas relações com os governos instituídos em detrimento
de uma palavra firme pela defesa da verdade.
Esta constatação resulta da percepção de que até as elites
da igreja estão mais rendidas aos interesses materiais e terrenos que giram à
sua volta do que cumprir os seus mais elementares deveres numa sociedade
moderna.
Sem prejuízo da assistência social, tem faltado a voz da
igreja, fora do púlpito, num momento em que aumentou o fosso entre os ricos e
os pobres e regressou o espectro da fome ao país.
Desde 2007 têm sido acentuados os sinais de injustiça
social, com os pobres ainda mais pobres e os ricos ainda mais ricos, sublinhando
o vazio da falta do alerta em tempo oportuno e da palavra ponderada de
orientação da parte dos mais altos dignatários da igreja.
Neste cenário pautado pelo mutismo em relação às iniquidades
e impunidades ao nível dos mais poderosos, algumas excepções têm servido para
confirmar a regra pautada pela tradição salazarenta das relações da igreja com
o Estado.
As vozes isoladas e sempre inconformadas de D. Manuel
Martins, bispo resignatário, de D. Manuel Clemente, bispo do Porto, e de D.
Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, têm sido um oásis refrescante
no meio do deserto do discurso oficial da igreja.
O bom senso está do lado de quem alerta e denuncia os
perigos da corrupção e os riscos da eminente explosão social.
As intervenções públicas destes três sucessores dos
apóstolos têm tornado ainda mais nítido o inexplicável conformismo, quiçá
tacticismo, dos seus pares. Aliás, se alguma dúvida houvesse, basta recordar a
reacção oficial da igreja às declarações do bispo sem papas na língua, que
acusou o governo de Passos Coelho de ser «profundamente corrupto».
Em menos de 24 horas, o padre Manuel Morujão, porta-voz da
Conferência Episcopal Portuguesa, veio a terreiro tentar sossegar o governo,
garantindo que aquelas afirmações foram proferidas a «nível individual».
Por sua vez, a reação crispada de Aguiar Branco, um ministro
de segunda linha, diz tudo sobre a intranquilidade que tomou conta do
primeiro-ministro. O mais caricato é que nem sequer foi capaz de ser
consequente, ou seja, apresentar uma queixa-crime contra o bispo, não vá o
Ministério Público ser tentado a investigar com determinação e firmeza.
O mérito da intervenção de D. Januário Torgal Ferreira é inquestionável.
Neste pântano de silêncios, omissões e cumplicidades, a demarcação de uma
fronteira clara entre quem está e quem não está do lado do combate contra a
corrupção é o mínimo esperado da parte das elites da igreja.
A posição oficial da igreja, neste como noutros casos,
comprova que não é por acaso, seguramente, que a instituição vive uma crise
grave de vocações religiosas. Porventura, a hierarquia da igreja ainda não
percebeu que muitos católicos têm olhado em vão para os seus mais altos
dignatários, sobretudo para o Cardeal D. José Policarpo, nestes momentos de
aflição.
A mensagem da igreja não pode estar reduzida a Fátima e aos
seus negócios multimilionários. Tem de ser mais, tem de ser o exemplo de
coragem, o alimento do inconformismo e a atitude contra os vendilhões do templo.
A caridade cristã nunca foi politicamente alinhada e
cobarde. Muito pelo contrário. Esteve sempre na primeira linha da defesa dos
mais fracos e dos oprimidos.