O golpe do líder do CDS-PP, o
anúncio atabalhoado da TSU e a grande manifestação do passado dia 15 resultaram
num despertar extraordinário da consciência cívica dos portugueses.
A sociedade portuguesa, qual
panela de pressão à beira de rebentar, não aguentou e foi para a rua, civilizadamente, manifestar o protesto por anos e anos de atropelos e desrespeito
pelas mais elementares regras do jogo democrático.
Infelizmente muitos confundiram
o silêncio e a resignação dos portugueses com sinais de passividade. Outros até
querem, à viva força, reduzir os protestos a uma mera reacção ao anúncio da subida
da TSU. Mas não é por acaso, certamente, que a contestação se demarcou
de todos os partidos políticos, beneficiando da ampliação cirúrgica dos órgãos
de comunicação social desesperados por mais vendas e audiências.
Com mais ou menos conclave de
líderes da maioria, reunião partidária de barões partidários, debate
parlamentar ou maratona do Conselho de Estado, a verdade é que a situação já escapou
ao controlo das instituições.
Acabou o tempo dos discursos
habilidosos de um lado e do outro, pois os protestos estão a visar muito mais
do que a austeridade brutal.
Se o poder político quiser
sobreviver tem de evitar encenações institucionais ridículas e rituais de
autoridade patéticos.
A descredibilização da
presidência, a demagogia da oposição parlamentar e os sucessivos erros de
Passos Coelho, a propósito das nomeações de boys,
da privatização da EDP, da polémica das secretas e da manutenção de Miguel
Relvas em funções, entre muitos outros, criaram um rastilho suficiente para fazer
deflagrar a bomba da indignação.
Os portugueses estão a dar
sinais visíveis e audíveis de que não estão dispostos a fazer mais sacrifícios
enquanto permanecerem as suspeitas de corrupção, de nepotismo, de mentiras descaradas
e de negociatas de Estado, enfim, de distanciamento do poder em relação aos
cidadãos. As avaliações positivas da troika já não são suficientes.
Pela primeira vez, o habitual
paleio daqueles que usam e abusam da dicotomia da esquerda e da direita foi por
água baixo. Afinal, não é só Passos Coelho que está à beira de se afogar. É o todo
o espectro político que passou a navegar em alto mar à beira do desastre.
Chegados aqui, resta perguntar: qual
vai ser o epílogo deste despertar dos portugueses?
Neste momento, ninguém sabe.
Todavia uma coisa é certa: acabou o tempo em que os portugueses se limitavam a votar ordeiramente quando
eram chamados às urnas.
Chegou a hora da governação com sentido de proximidade.
As últimas manifestações têm de
ser olhadas com a atenção. É fundamental provar aos portugueses que os
problemas que estão há décadas a montante das questões económicas e financeiras,
como a Justiça, serão abordados com seriedade.
Não é de admirar que os portugueses
concentrem as atenções, por exemplo, na triste novela dos submarinos e do
desaparecimento dos contratos, entre outros escândalos judiciais que são atirados
para debaixo do tapete com um descaramento inaudito.
Por isso também acabou o tempo do
benefício da dúvida concedido a Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça.
A escolha do
próximo procurador-geral da República pode ser o último balão de oxigénio desta
democracia formal, que já perdeu há muito tempo o respeito por si própria.
A escolha de um nome que resulte
apenas de mais um mero entendimento partidário, institucional e sindical pode ser o passo
irreversível em direcção ao abismo.
A hora
da mudança também chegou, finalmente, a Belém e a São Bento.