terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tempo de justiça

O mediatismo dos crimes de colarinho branco está de novo a marcar a vida dos portugueses. Nos últimos dez dias, o processo Face Oculta começou a ser julgado, em Aveiro, e a detenção de Domingos Duarte Lima relançou o escândalo do BPN, cuja investigação se tem prolongado desde 27 de Novembro de 2008, data em que Oliveira Costa foi preso.

No momento em que ex-governantes, políticos e altos funcionários da administração e das empresas de capitais públicos estão a contas com a justiça, acusados de terem praticado crimes de corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais, abuso de poder, entre outros, é preciso sublinhar que o Bloco Central está sentado no banco dos réus. E que a democracia está suficientemente consolidada para enfrentar quaisquer implicações ao nível dos órgãos de soberania.

É neste quadro que vale a pena ponderar as palavras de Paula Teixeira da Cruz durante a entrevista que concedeu a Judite de Sousa, na TVI.

Depois de um silêncio prometedor, desde que tomou posse em 21 de Junho passado, a ministra da Justiça começou da melhor maneira o longo período em que vai ter todos os holofotes virados para o ministério que tutela.

A ousadia de afirmar que “acabaram as impunidades”, com convicção e serenidade, revelando o trabalho de casa em dia, abriu um imenso espaço de expectativa, designadamente depois de abordar cinco pontos essenciais para levar a cabo a reforma tranquila na justiça: o combate à fraude e a redução do peso da máquina administrativa; a simplificação legislativa; a aposta na informatização; o reforço dos meios para a investigação criminal; e a credibilização da justiça.

Paula Teixeira da Cruz declarou guerra, formalmente, a todos os que se habituaram a usar o poder para criar as condições para melhor poder controlar e escapar à justiça. Esta atitude, esperada há muitos e muitos anos, tem subjacente a demonstração de que o poder executivo não teme o poder judicial, que está disponível para abrir mão dos instrumentos que no terreno o condicionam e até monitorizam.

A ministra deu sinais claros de ter compreendido que os portugueses estão cansados de assistir a um espectáculo degradante, que oscila entre a tentativa de intimidar os magistrados e a feira de vaidades de alguns dos principais interlocutores da justiça. E que já não há espaço para continuar a assistir ao arrastamento processual e a prescrições escandalosas que permitiram a alguns uma total impunidade. Nem mesmo tempo a perder com quem se agarra ao cadeirão das mordomias, às guerras de alecrim e manjerona e às comissões de serviço.

Se o país tem de mudar de paradigma em termos de modelo de desenvolvimento, ainda que à custa de sacrifícios brutais, a tolerância zero em relação à justiça é um imperativo que obriga a melhor organização, a formação redobrada e a mais especialização, que permita enfrentar a complexidade e a sofisticação do crime económico, entre outros.

A recuperação económica e financeira passa cada vez mais por uma justiça do século xm, sem receio de consolidar os direitos de defesa que impedem os abusos e os erros judiciários e expurgada dos formalismos salazarentos.

Se o tempo da justiça é diferente do tempo mediático, se os tribunais não se podem confundir com a opinião pública e publicada e se o jogo partidário não se pode reflectir nas instituições judiciárias, então também é verdade que não pode continuar a haver uma justiça para os políticos, os famosos e os ricos e uma outra justiça para os trabalhadores, os anónimos e os pobres.

sábado, 12 de novembro de 2011

Falsos virgens


É verdade que este momento decisivo para a mudança foi antecedido por críticas, recados, desabafos e lamúrias, alguns deles politicamente hipócritas, e sempre com o povo na ponta da língua, que apenas visaram levar Passos Coelho a recuar nos cortes essenciais para diminuir a despesa pública. Por isso importa saber quem são estes falsos “virgens” tão preocupados?

 Em primeiro lugar, destaque para António José Seguro. O líder do PS, que ainda não manda no partido, deu uma pálida imagem do seu valor político ao enveredar pelo populismo de prometer o que nem ele nem o país têm para dar. O seu silêncio no passado, quando o desastre ainda estava à vista, retira-lhe actualmente qualquer credibilidade.

 Em segundo lugar, a esquerda à esquerda dos socialistas, não consegue sair do discurso doutrinário, não obstante algumas propostas alternativas do Bloco de Esquerda, sem viabilidade prática.

 Em terceiro lugar, os banqueiros, apanhados com as calças nas mãos, e obrigados a rácios prudentes, rabeiam para tentar escapar às regras definidas para acederem ao fundo de recapitalização. Os resultados da gestão dos últimos anos não lhes conferem qualquer direito a exigir o que quer que seja, tanto mais que sempre estiveram ao lado de quem conduziu o país ao abismo.

 Em quarto lugar, destaque ainda para os sindicatos. As manifestações e as greves gerais, cuja legitimidade ninguém discute, estão vocacionadas ao esvaziamento, sobretudo com as reivindicações em relação ao sector dos transportes públicos, pois o país inteiro já percebeu que é financeiramente insustentável manter tudo como dantes.

 Por último, e quanto a Aníbal Cavaco Silva, que mais uma vez saiu em defesa da banca, resta apenas constatar que as suas palavras têm cada vez menos eco interno e externo. E que nem todos esqueceram que nos momentos decisivos do passado preferiu a tranquilidade institucional que lhe garantiu a reeleição à responsabilidade de travar um governo que levou o país à beira do abismo.
A dinâmica destes falsos virgens, com graves responsabilidades na crise, não impediu a aprovação da proposta de Orçamento na generalidade. E não parecem ter razão e força para inflectir a determinação da maioria na votação na especialidade, tendo em conta a certeza dada pelo primeiro-ministro: acabaram as malabarices.

 A corte do costume que vive e gira à volta do Estado, à custa de folgas e almofadas, pode ainda não ter aceitado que os tempos mudaram. Todavia, os portugueses que estão a pagar todos os sacrifícios já começaram a perceber que, felizmente, o governo está mais apostado no futuro que no presente daqueles que têm sido protegidos escandalosamente por sucessivos governos.

 As promessas eleitorais incumpridas, os erros, os recuos, as hesitações e os ministros que tardam em confirmar as mais elevadas esperanças pesam no desempenho governativo. Mas do outro lado está a viabilização do Orçamento que pode salvar o país do desastre final, trilhando com firmeza um caminho credível, realista e que inspira confiança nos mercados internacionais.

 Ao resistir ao coro dos falsos virgens, Passos Coelho garante no essencial que está ao nível da exigência dos tempos excepcionais que o país está a viver.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O regresso de Sócrates


Apesar das ameaças constantes de colapso, a abstenção do PS na votação da proposta de Orçamento de Estado para 2012, os últimos encontros entre o primeiro-ministro e António José Seguro, com o objectivo de acertar a revisão do plano da troika, e a descida da taxa de referência do Banco Central Europeu contribuíram para instalar um ambiente de relativa acalmia interna no país.

Curiosamente, o regresso de José Sócrates à ribalta, qual fantasma da crise, coincidiu com um período de forte instabilidade europeia. Do exílio politicamente forçado, mas não menos iluminado, o nome do ex-primeiro-ministro voltou às aberturas dos telejornais e às primeiras páginas dos jornais pelas piores razões. Os múltiplos contactos que lhe foram atribuídos, para tentar atirar o PS para o abismo do voto contra o Orçamento de todos os sacrifícios, estão ao nível da amarga estratégia de terra queimada difundida por alguns dos seus compagnons de route.

Este regresso também ocorreu na véspera do julgamento do processo "Face oculta", cujo início está marcado para 8 de Novembro, abonando a opção dos Media em recordar Armando Vara, entre outros, para melhor ilustrar a percepção de corrupção do último consulado socialista. Aliás, ainda no terreno das coincidências, de registar que Fernando Pinto Monteiro, procurador-geral da República, também escolheu este preciso momento para mais uma declaração pitoresca: "Os Media fazem de Portugal o país mais corrupto do mundo".

Não obstante a persistente tentativa de branqueamento do passado, que vai sendo levada a cabo por profissionais da propaganda e afins, a verdade é que os portugueses começam lentamente, e sem qualquer sinal visível de acerto de contas, a tomar consciência do que se passou nas suas barbas.

É neste quadro que a decisão do Tribunal Constitucional em analisar o processo da destruição das escutas realizadas no âmbito do processo "Face Oculta", que envolvem o nome ex-primeiro-ministro, tem redobrada importância. Com a porta aberta para a análise da polémica decisão de Noronha de Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça - de mandar destruir as escutas essenciais para a defesa de pelo menos um dos arguidos da "Face Oculta", o que por sua vez inviabilizou, temporariamente, saber se Sócrates violou grosseiramente a lei -, é caso para dizer que o regresso do distinto socialista redundou num passo estouvado, já que este processo está muito longe de estar enterrado.

Aprender com os erros do passado é sempre um acto de inteligência, pelo que o escrutínio judicial de alguns actos ocorridos durante o consulado de Sócrates é normal e até saudável, sobretudo se não é fruto de qualquer jogada política. E quando este exercício legítimo de transparência está enquadrado pelo normal funcionamento da justiça, e não serve apenas como arma de arremesso pessoal ou partidário, então estamos perante um exemplo de maturidade democrática capaz de derrotar quem, na luz ou na sombra, ainda acredita que os jogos de bastidores e as manobras de diversão são suficientes para escapar às responsabilidades.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Banca na ordem


As decisões dos países da zona euro podem não ter resolvido todos os problemas, mas têm um alcance muito maior do que os resultados imediatos: Em primeiro lugar, a banca foi metida na ordem, partilhando os prejuízos em situação de crise; de seguida, acabou o tempo em que a banca, a troco de juros especulativos, se limitava a alimentar o endividamento desenfreado de Estados soberanos; por último, os 17 da zona euro têm de inscrever nas respectivas Constituições, até final de 2012, limites para os défices e para as dívidas públicas.

Estas orientações são fundamentais, desde logo porque salvaguardam países como Portugal, demasiado vulneráveis, até aqui, a uma governação politicamente criminosa, à qual o conjunto dos órgãos de soberania e demais instituições nunca conseguiram fazer frente.

O caminho seguido pode não agradar a uma esquerda delirante que, paradoxalmente, clamava por mais uma fuga em frente, com eurobonds e afins, sem cuidar previamente de introduzir mecanismos de rigor orçamental e de disciplina no sector financeiro. Todavia, os 17 demonstraram que o projecto da moeda comum não é só um desígnio institucional, político, económico e social, também pode servir para travar a ganância e a corrupção que resultam da desregulação.

O regabofe que ocorreu em Portugal não seria possível se estas medidas já estivessem em vigor. Ou seja, se a banca portuguesa, certamente liderada por gestores de topo, soubesse que poderia perder 50% do investimento em dívida grega, seguramente não teria alavancado muitos dos investimentos públicos desastrosos que foram contratualizados nos últimos seis anos em Portugal.

Para ter uma noção do que está em causa, basta recordar as últimas revelações sobre os escandalosos negócios das SCUT's, designadamente a da Grande Lisboa e a do Norte, cujos encargos para o Estado passaram de zero para 1,42 mil milhões de euros, em 2010, após uma renegociação entre o anterior governo e a Mota Engil.

Passos Coelho tem razões para poder sorrir, pela primeira vez, desde que assumiu a liderança do Executivo. O desanuviar da crise europeia permite consolidar o ajustamento, em que se destaca a firmeza exemplar do ataque ao desperdício na RTP, no quadro de um horizonte menos carregado de dúvidas e incertezas.

As prioridades do governo, vertidas na proposta de orçamento para 2012, estão a dar resultados positivos. O facto dos 17 reconhecerem que os portugueses estão a dar a volta à crise, ainda que à custa de sacrifícios terríveis, é o trunfo que faltava a Passos Coelho para demonstrar que, afinal, há uma luz no fundo do túnel.