O mediatismo dos crimes de colarinho branco está de novo a marcar a vida dos portugueses. Nos últimos dez dias, o processo Face Oculta começou a ser julgado, em Aveiro, e a detenção de Domingos Duarte Lima relançou o escândalo do BPN, cuja investigação se tem prolongado desde 27 de Novembro de 2008, data em que Oliveira Costa foi preso.
No momento em que ex-governantes, políticos e altos funcionários da administração e das empresas de capitais públicos estão a contas com a justiça, acusados de terem praticado crimes de corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais, abuso de poder, entre outros, é preciso sublinhar que o Bloco Central está sentado no banco dos réus. E que a democracia está suficientemente consolidada para enfrentar quaisquer implicações ao nível dos órgãos de soberania.
É neste quadro que vale a pena ponderar as palavras de Paula Teixeira da Cruz durante a entrevista que concedeu a Judite de Sousa, na TVI.
Depois de um silêncio prometedor, desde que tomou posse em 21 de Junho passado, a ministra da Justiça começou da melhor maneira o longo período em que vai ter todos os holofotes virados para o ministério que tutela.
A ousadia de afirmar que “acabaram as impunidades”, com convicção e serenidade, revelando o trabalho de casa em dia, abriu um imenso espaço de expectativa, designadamente depois de abordar cinco pontos essenciais para levar a cabo a reforma tranquila na justiça: o combate à fraude e a redução do peso da máquina administrativa; a simplificação legislativa; a aposta na informatização; o reforço dos meios para a investigação criminal; e a credibilização da justiça.
Paula Teixeira da Cruz declarou guerra, formalmente, a todos os que se habituaram a usar o poder para criar as condições para melhor poder controlar e escapar à justiça. Esta atitude, esperada há muitos e muitos anos, tem subjacente a demonstração de que o poder executivo não teme o poder judicial, que está disponível para abrir mão dos instrumentos que no terreno o condicionam e até monitorizam.
A ministra deu sinais claros de ter compreendido que os portugueses estão cansados de assistir a um espectáculo degradante, que oscila entre a tentativa de intimidar os magistrados e a feira de vaidades de alguns dos principais interlocutores da justiça. E que já não há espaço para continuar a assistir ao arrastamento processual e a prescrições escandalosas que permitiram a alguns uma total impunidade. Nem mesmo tempo a perder com quem se agarra ao cadeirão das mordomias, às guerras de alecrim e manjerona e às comissões de serviço.
Se o país tem de mudar de paradigma em termos de modelo de desenvolvimento, ainda que à custa de sacrifícios brutais, a tolerância zero em relação à justiça é um imperativo que obriga a melhor organização, a formação redobrada e a mais especialização, que permita enfrentar a complexidade e a sofisticação do crime económico, entre outros.
A recuperação económica e financeira passa cada vez mais por uma justiça do século xm, sem receio de consolidar os direitos de defesa que impedem os abusos e os erros judiciários e expurgada dos formalismos salazarentos.
Se o tempo da justiça é diferente do tempo mediático, se os tribunais não se podem confundir com a opinião pública e publicada e se o jogo partidário não se pode reflectir nas instituições judiciárias, então também é verdade que não pode continuar a haver uma justiça para os políticos, os famosos e os ricos e uma outra justiça para os trabalhadores, os anónimos e os pobres.