Apesar das ameaças constantes de colapso, a abstenção do PS na votação da proposta de Orçamento de Estado para 2012, os últimos encontros entre o primeiro-ministro e António José Seguro, com o objectivo de acertar a revisão do plano da troika, e a descida da taxa de referência do Banco Central Europeu contribuíram para instalar um ambiente de relativa acalmia interna no país.
Curiosamente, o regresso de José Sócrates à ribalta, qual fantasma da crise, coincidiu com um período de forte instabilidade europeia. Do exílio politicamente forçado, mas não menos iluminado, o nome do ex-primeiro-ministro voltou às aberturas dos telejornais e às primeiras páginas dos jornais pelas piores razões. Os múltiplos contactos que lhe foram atribuídos, para tentar atirar o PS para o abismo do voto contra o Orçamento de todos os sacrifícios, estão ao nível da amarga estratégia de terra queimada difundida por alguns dos seus compagnons de route.
Este regresso também ocorreu na véspera do julgamento do processo "Face oculta", cujo início está marcado para 8 de Novembro, abonando a opção dos Media em recordar Armando Vara, entre outros, para melhor ilustrar a percepção de corrupção do último consulado socialista. Aliás, ainda no terreno das coincidências, de registar que Fernando Pinto Monteiro, procurador-geral da República, também escolheu este preciso momento para mais uma declaração pitoresca: "Os Media fazem de Portugal o país mais corrupto do mundo".
Não obstante a persistente tentativa de branqueamento do passado, que vai sendo levada a cabo por profissionais da propaganda e afins, a verdade é que os portugueses começam lentamente, e sem qualquer sinal visível de acerto de contas, a tomar consciência do que se passou nas suas barbas.
É neste quadro que a decisão do Tribunal Constitucional em analisar o processo da destruição das escutas realizadas no âmbito do processo "Face Oculta", que envolvem o nome ex-primeiro-ministro, tem redobrada importância.
Com a porta aberta para a análise da polémica decisão de Noronha de Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça - de mandar destruir as escutas essenciais para a defesa de pelo menos um dos arguidos da "Face Oculta", o que por sua vez inviabilizou, temporariamente, saber se Sócrates violou grosseiramente a lei -, é caso para dizer que o regresso do distinto socialista redundou num passo estouvado, já que este processo está muito longe de estar enterrado.
Aprender com os erros do passado é sempre um acto de inteligência, pelo que o escrutínio judicial de alguns actos ocorridos durante o consulado de Sócrates é normal e até saudável, sobretudo se não é fruto de qualquer jogada política. E quando este exercício legítimo de transparência está enquadrado pelo normal funcionamento da justiça, e não serve apenas como arma de arremesso pessoal ou partidário, então estamos perante um exemplo de maturidade democrática capaz de derrotar quem, na luz ou na sombra, ainda acredita que os jogos de bastidores e as manobras de diversão são suficientes para escapar às responsabilidades.
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