segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

PORTUGAL MANCHADO


As revelações dos Luanda Leaks fizeram ruir a propaganda do Portugal limpo, solidário e moderno.

E, depois de Tancos, com o fim do mandato à vista, Marcelo Rebelo de Sousa viu chancelada a nódoa que mancha indelevelmente a sua presidência.

Apesar de manifestar uma aparente despreocupação face ao tsunami em curso, a verdade é simples: com Marcelo Rebelo de Sousa em Belém nada mudou em Portugal.

Ainda assim alguns até chegaram a acreditar, mas a evidência dos factos não engana, com mais afecto menos afecto, com mais selfie menos selfie.

A verdade que incomoda ainda é mais perturbante: Rui Pinto, que continua preso, fez mais pelo combate à corrupção e ao branqueamento de capitais do que os órgãos de soberania instalados na sua gritante inacção e omissão.

Numa semana negra para o PR, o PM e demais instituições, que nunca regatearam a passadeira vermelha a reles oportunistas, o emergir de nomes credíveis para a próxima corrida presidencial é a primeira grande machadada no bailete de Marcelo e afins.

Os jogos florentinos do passado, típicos de outros tempos de má memória, já não são areia suficiente para tapar os olhos dos cidadãos.

Cristas percebeu-o, e bateu em retirada.

E o CDS/PP também o percebeu no congresso de Aveiro, batendo uma certa clique cada vez mais do passado.

O mais grave é que o único resto que ainda resta é a malfadada atitude politicamente manhosa de quem continua a reinventar argumentos para defender o indefensável.

Depois das falsidades do costume – o dinheiro da corrupção serve e alimenta a economia e se não formos nós serão outros –, o delírio enganoso sobre os Luanda Leaks atingiu um expoente máximo com Fernando Medina no seu espaço de opinião televisivo: «Vamos assistir, aqui, a uma tentativa de reescrever a história como se tivesse de ter havido um julgamento moral sobre tudo o que aconteceu em Angola durante muitos anos».

O retrato fica para memória futura.

Tal e qual como este Portugal no poder que continua a fazer tábua rasa da Lei para os poderosos, enquanto é implacável para o cidadão anónimo.

Aliás, os silêncios partidários, à excepção do Bloco de Esquerda, dizem tudo sobre a conivência que grassa na esfera do poder político.

Não, Isabel dos Santos não está isolada, nem mesmo depois de ter caído em desgraça.

Nem estará sozinha enquanto tiver milhões e campear a corrupção, pois ainda há por aí, pasme-se, quem continua a ter o topete intelectual de tentar justificar o roubo dos recursos do pobre povo angolano com o empreendedorismo da "princesa".

Aliás, também não continuará a faltar quem esteja disponível para aplainar a sua imagem, papagueando falsidades a troco de mais uns tostões atirados para a gamela.

Não, o problema da lavandaria em que Portugal está transformado há anos não se resume ao capital angolano. 

A questão é mais profunda!

É a impunidade de intermediários, através da corrupção e do branqueamento de capitais, que está a liquidar o país.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

ANGOLA E O BAILETE AMEAÇADO


É o maior escândalo financeiro em Portugal, cuja dimensão ainda ninguém pode avaliar e quantificar.

Mais uma vez, os jornalistas desempenham um papel fulcral na denúncia do lixo que por aí vai por debaixo do glamour que anestesia uma parte dos cidadãos e só engana os tolos.

É pela mão da Comunicação Social, como é sua obrigação, com acesso a uma fonte que não é oficialmente conhecida, que a publicação de muitos milhares de documentos permitem comprovar a ponta do iceberg que já começou a derreter há muitos anos.

Não admiraria, portanto, se o presidente da República, primeiro-ministro e presidente da Assembleia da República, entre outros, se remeterem ao mesmo escandaloso silêncio ou vierem a terreiro, com o habitual descaramento político, dizer que nada sabiam e/ou desconfiavam.

Porém, muitos dos ratos que se preparam para saltar fora do comboio dos Luanda Leaks não podem contar com a passividade de quem tem o dever de recordar a vassalagem de outros tempos em relação a Angola e ao clã dos Santos, entre outros exemplos gritantes de cumplicidade com Estados ditatoriais e a respectiva cleptocracia.

Aliás, além dos criados do dinheiro sujo que multiplicam juras de amor entre os povos português e angolano, há muitos outros responsáveis ao mais alto nível que prevaricaram por acção e/ou omissão.

E ninguém está a salvo do bailete: desde os reguladores às empresas e Bancos, desde os grandes escritórios de advogados aos políticos-comissionistas de negócios de Estado, desde os governos do PS aos do PSD com ou sem o CDS/PP.

Face à factualidade, a resposta de Isabel dos Santos, ou de quem para ela trabalha, tem sido o desvario, desde questionar os documentos até ao argumento de agência de comunicação manhosa de que os jornalistas não leram as centenas de milhares de documentos.

Contra factos não há argumentos: os papéis estão aí e correm o Mundo, tal como a teia de cumplicidades que permitiram o roubo dos recursos angolanos e, por consequência, o arrastar de Portugal na lama, como sublinhou Ana Gomes, uma das poucas vozes que denunciaram o esgoto em que Portugal está transformado.

A estratégia bacoca de comprar posições nos Media portugueses, porventura para silenciar o saque e o aproveitamento de reles oportunistas, não resultou, nem ontem, nem hoje, porque ainda existe alguma pluralidade.

No meio deste pântano, com o qual convivemos há demasiado tempo, com mais ou menos Vistos Gold, tarda uma intervenção firme da Justiça portuguesa.

Ninguém pode admitir que tudo fique na mesma depois do que veio a público, tanto em qualidade documental como em quantidade de operações criminosas.

Certamente, os cidadãos ficariam mais confortados se a procuradora-geral da República, Lucília Gago, no âmbito dos seus deveres, emitisse um comunicado a esclarecer o que está a ser feito pela Justiça portuguesa em relação aos capitais angolanos, entre outros de proveniência duvidosa.