sábado, 9 de fevereiro de 2013

Portugal é assim: cheio de inocentes no poder



O caso Franquelim Alves continua a alimentar a agenda mediática, mas a polémica instalada está longe de contribuir para a necessária clarificação.

Uma observação ponderada sobre este episódio, em que a dignidade pessoal se verga ao enxovalho público, remete para outros dois: Universidade Moderna versus Paulo Portas e Freeport versus José Sócrates.

Nos dois casos, cujas investigações mediaram um período de cerca de oito anos, já tinha ocorrido o mesmo.

Portas e Sócrates chegaram ao poder, em 2002 e 2005, respectivamente, cobertos por suspeitas fundamentadas, sem o mínimo sobressalto de alguns que, agora, enchem a boca com a ética e o princípio da responsabilidade republicana.

Não faltam outros exemplos de carreiras fantásticas: Isaltino Morais continuou a ganhar eleições apesar da sua performance no mundo dos negócios autárquicos; e Manuel Dias Loureiro conseguiu manter o assento no Conselho de Estado, com a anuência de o presidente da República, até ao limite do insulto aos portugueses.

Basta de desculpas esfarrapadas. O pecado original é antigo. E é preciso enfrentá-lo com realismo e vontade política.

O debate não pode ficar centrado apenas na fulanização deste ou daquele governante. Tem de ser alargado à rede de interesses instalados, cujos principais elementos lá vão sendo pagos e promovidos à medida da alternância na governação.

É preciso ir mais além, exigir comportamentos à prova de suspeições e responsabilizar os mais altos responsáveis do Estado, designadamente os da justiça, tanto mais que a semana foi pródiga em revelações sobre o DCIAP: o relatório internacional da Open Society Foundations concluiu que Portugal colaborou com a CIA nos voos da vergonha; por sua vez, Nuno Melo revelou um documento que comprova que o departamento liderado por Cândida Almeida teve conhecimento, desde 2004, de indícios fraudulentos no BPN.

Quanto aos sequestros, há muito que estamos conversados; e em relação ao maior escândalo financeiro português está instalada a percepção geral que os prejuízos gigantescos, que todos os portugueses estão a pagar, poderiam ter sido minorados se o universo judiciário tivesse funcionado com independência e zelo, em tempo útil, em relação aos poderosos.

A raiz do problema é bem evidente: a falta de meios e a partidarização da justiça.

A mudança está por cumprir. Resta a impunidade, como atesta a falta de peritos para a investigação de crimes complexos, nomeadamente os de colarinho branco.

O mutismo de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, não contribui em nada para a renovação deste ar pestilento que tresanda a silêncios, omissões e encobrimentos de negociatas e vigaristas que formigam descaradamente aos mais diversos níveis.

Portugal é assim: um país cheio de inocentes que chegam ao poder, e que lá se mantêm com toda a facilidade, beneficiando dessa posição, voluntária ou involuntariamente, sem o mínimo pejo.

Esta vulnerabilidade não é genética. Apenas falta uma cultura democrática mais firme e participada. E, por pior que seja o cenário, há esperança na sociedade civil, como demonstra a acção da Associação Transparência e Integridade em relação ao cumprimento da lei de limitação de mandatos autárquicos e o apoio a Rui Moreira para a presidência da Câmara Municipal do Porto.

O país não é Lisboa. E tem de estar atento ao combate político autárquico, nomeadamente ao que se avizinha na Invicta. Rui Moreira não tem margem para fazer o mesmo que alguns dos seus mais proeminentes apoiantes fizeram, ou seja, baquear nos momentos decisivos para enfrentar a alta corrupção.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Portugal: o país das omissões



A nomeação de Franquelim Alves é mais uma prova da vulnerabilidade do regime democrático. A escolha de um gestor que esteve envolvido no escândalo SLN/BPN ultrapassa o admissível em qualquer país moderno e civilizado. Aliás, o embaraço na maioria é tal que até Nuno Melo, do CDS-PP, já o admitiu publicamente.

A opção do primeiro-ministro já não surpreende, tendo em conta a sua reiterada falta de cultura democrática, amplamente demonstrada por diversos casos e pela permanência de Miguel Relvas no Governo; de igual forma, também ninguém ousaria esperar que o presidente da República pusesse um travão a este escândalo, pelas razões que são públicas e notórias.

A crise que está a montante da bancarrota chegou a um tal ponto que os líderes de dois órgãos de soberania já nem demonstram prudência em evitar pisar o risco do descaramento político e institucional; de igual modo, alguns socialistas responsáveis pelo descalabro até já se sentem suficientemente confiantes para tentarem influenciar a disputa pelo controlo do PS.

O país não pode ficar indiferente à tentativa politicamente desprezível de branqueamento, seja ele qual for, como se fosse possível separar o trigo do joio no seio de um qualquer lamaçal de fraudes, vigaristas e oportunistas.

Enquanto os portugueses continuam a pagar os desvarios de uma certa casta, com ligações ao mais alto nível do Estado, habituada a ser protegida pelos mais diversos poderes, os últimos sinais apenas confirmam que a impunidade continua a reinar.

Se o Governo já estava moribundo, a partir de agora deixou de ter qualquer hipótese de sobrevivência, com a agravante de colocar alguns dos seus elementos, com um passado profissional a defender, perante uma situação profundamente desconfortável.

Portugal continua a ser o país de todas as omissões. O fechar os olhos e o fazer de conta são atitudes que atravessam transversalmente o poder e a sociedade. E estão de tal forma arraigados que já ninguém se dá ao trabalho de enxergar o atoleiro em que o país está transformado.

Pedro Passos Coelho continua a rasgar as promessas que fez aos portugueses. E está a contribuir para reforçar o quadro dantesco que herdou: um político só tem futuro no partido se fizer de conta que não vê a corrupção e o tráfico de influências; um deputado só pode manter o seu lugar se obedecer cegamente à disciplina partidária; um magistrado tem de estar atento às ordens subliminares do poder político para não ir parar a uma qualquer comarca do interior; um empresário tem de se adaptar à maioria no poder para aspirar a beneficiar de apoios, subsídios e créditos; e até um jornalista tem de ter atenção, pois há dúvidas sobre quem são os verdadeiros patrões da comunicação social.

A solução não passa por heróis. Nem por respostas extremistas, violentas ou demagógicas. Nem tão-pouco pelo regresso ao passado ou a mais e mais maladas de dinheiro sujo para acorrer às dificuldades de curto prazo.

O país tem de mudar de atitude e revelar disponibilidade para poder enfrentar um Governo que não é respeitado e que já nem se dá ao respeito.

Enquanto os portugueses não se indignarem, o país continuará a estar entregue aos que calam e comem; aos que nunca meteram um tostão ao bolso, mas fecham sempre os olhos em relação ao que se passa ao seu lado; em suma, aos que continuam a invocar o formalismo para manter as aparências e garantir os privilégios.

Os que nunca se calaram e continuam a resistir têm de redobrar esforços para romper com este círculo vicioso infernal.



sábado, 26 de janeiro de 2013

PS: o congresso dos fantasmas?


  
A súbita pressa de uma minoria de socialistas em realizar o congresso do PS merece a maior atenção, sobretudo porque já cheira a poder no Largo do Rato.

A clarificação no seio da vida política e partidária é sempre um activo da Democracia. Contudo, é preciso perceber se estamos face a um passo para mobilizar as hostes do partido ou perante mais uma jogada telecomandada.

Para já, ainda só estamos no terreno da especulação que tanto anima um certo jornalismo político, sempre mais disponível para a intriga do que para escrutinar a preparação e a substância de uma alternativa.

A urgência revelada por alguns dos órfãos políticos de José Sócrates, que já não escondem a ânsia pelo regresso ao poder, roça o risível. E como não existe um candidato à liderança, com nome e rosto, nem ideias e projectos, só é possível identificar os fantasmas que continuam a pairar sobre o PS.

Entre eles, é preciso sublinhar, até ao momento, que nada atesta a vontade de José Sócrates em regressar à cena política, ou até a qualquer manifestação de disponibilidade para, a exemplo de Sílvio Berlusconi, vir a assumir a pasta da Economia, porventura em acumulação com as Obras Públicas, num futuro governo socialista.

Também é prematuro adivinhar, por ora, qual vai ser a próxima cartada de António Costa, seja qual for a digestão dos almoços com Paulo Portas. O braço-direito de Sócrates, não obstante a sua situação periclitante na Câmara de Lisboa, dificilmente cederá à tentação de avançar, pois todos lhe reconhecem mais sensibilidade para o calculismo de um certo aparelho do PS do que coragem política. Aliás, o abandono do barco antes do desastre ainda está muito fresco no partido e no país.

Resta uma última hipótese, por mais grotesca que possa parecer: a eventual preparação de uma encenação, em que não faltará um qualquer putativo césar, somente para criar um palco para ensaiar o regresso de José Sócrates.

Os socialistas não ganham nada com o regresso à ribalta daqueles que falharam comprovada e estrondosamente, os mesmos que continuam a julgar que a política se faz com truques e o passado pode ser apagado com passes de ilusionismo.

No momento em que o Governo de Pedro Passos Coelho já entrou numa fase sem retorno, por mais euforia com o regresso antecipado aos mercados, o país precisa de um PS renovado, com ideias e rostos diferentes, mais limpo e independente dos grandes interesses e menos instalado no aparelho do Estado.

Neste momento, o único em condições de tentar concretizar esta transformação é, obviamente, António José Seguro, que tem revelado tolerância com outros fantasmas do partido, acantonados no parlamento, e demonstrado motivação em preparar, sem pressa, o regresso dos socialistas ao poder.

O debate é positivo quando está ao serviço de uma ideia de futuro para Portugal. Mas se tiver apenas como objectivo recuperar os fantasmas que lideraram um projecto de poder pessoal, que quase liquidou o país e a Democracia, então a próxima reunião magna dos socialistas só pode resultar no desastre.

No momento em que líder do PS está a colher os primeiros frutos da sua estratégia, ainda que o rumo traçado continue a estar inquinado pela necessidade de compromisso com os fantasmas do passado, continua a ser evidente que só há uma via para os socialistas reconquistarem a confiança dos portugueses: credibilidade, coesão e auto-crítica.

A agitação no PS mais parece uma enorme encenação com exilado de fora. Chegou o momento de António José Seguro enfrentar os fantasmas do passado.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Passos à beira do crime político



O primeiro-ministro está a cavar um fosso cada vez mais fundo entre o Governo e a sociedade civil. Por isso, sentiu-se obrigado, no último debate quinzenal na Assembleia da República, a fazer mais uma declaração extraordinária: «Este Governo só não concluirá o seu mandato para quatro anos se os partidos que apoiam o próprio governo não quiserem. Isso não há dúvida, senhor deputado. Não há dúvida!»

A afirmação de Pedro Passos Coelho só pode ser entendida como uma fuga em frente, típica de um líder fragilizado. Mas é mais: é uma atitude de desafio e de tentativa de menorização institucional do presidente da República, reveladora de uma cegueira e de um autoritarismo que remetem para outros tempos vividos em 1995 e 2011.

Tal como aconteceu com os seus antecessores, Pedro Passos Coelho terá a resposta que merece quando os portugueses o entenderem. Aliás, cada um tem a ponte que merece!

Mais do que uma enorme ausência de bom senso político, Pedro Passos Coelho está acantonado num extremismo, a roçar a atitude de mais um qualquer messias, que o tem isolado a cada dia que passa.

A questão não é explicada por um súbito acometimento de delírio ou de autismo político. O país está perante uma estratégia calculada, que tem muito mais de instrumental do que de ideológico. Incapaz de manter a imagem de liderança de uma equipa competente, coesa e limpa, o primeiro-ministro está a apostado no extremar posições que possam conduzir  a uma demissão forçada que lhe abra a porta à vitimização.

À medida que vão crescendo as especulações sobre a inevitabilidade de constituição de um governo de iniciativa presidencial ou da possibilidade de eleições legislativas antecipadas em simultâneo com as próximas autárquicas de Outubro, Pedro Passos Coelho está cada vez mais acossado, pois sabe que já perdeu qualquer margem de recuperação em relação às trapalhadas que minaram a governação.

O primeiro-ministro é visto, actualmente, como parte do problema, depois de alguns erros clamorosos que conduziram o país para o terreno da instabilidade política e social. E até pode insistir em proteger Miguel Relvas, em manter políticas injustas, sacrificando os mais fracos em detrimento dos mais fortes, e em aguentar mais um chumbo do Tribunal Constitucional. Mas há um limite que não pode ultrapassar: o tecto de 17% de desemprego que estabeleceu já enquanto primeiro-ministro.

fasquia que entendeu afirmar, publicamente, em mais uma declaração politicamente imprudente, está à beira de ruir, a acreditar no previsível aumento do desemprego em dois pontos percentuais, em 2013, de acordo com a última previsão do Banco de Portugal.

A crispação do ambiente político, o recrudescer da violência verbal no debate público, a tensão social galopante e a desvalorização do crescimento escandaloso do número de desempregados, do ritmo excepcional de falências e de várias situações humanas dramáticas, que ultrapassaram todos os limites, são apenas sinais exteriores do estado de pré-desagregação do Governo.

A esperança num primeiro-ministro com capacidade para restaurar a credibilidade da governação esfumou-se a um ritmo vertiginoso. E o país está, novamente, em estado de pré-revolta, confrontado com a generalizada perda de confiança no Governo. Nada fazer para mudar esta percepção, não o perceber, ou melhor, não ter a humildade pessoal e política de o reconhecer, é um crime político que os portugueses jamais serão capazes de esquecer, porque vai provocar prejuízos incalculáveis.