É bem mais fácil lançar cortinas de fumo para enterrar o passado, quiçá exigir a Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia, que continue a fazer o jogo de sempre, do que seguir o caminho que se impõe: perceber como e porquê o anterior governo falhou; conhecer os projectos e os destinatários dos incentivos atribuídos; e responsabilizar quem falhou, está a falhar ou beneficiou de favores políticos e partidários.
Distraídos com o acessório, não é de estranhar que a análise do fundamental continue a escapar à classe política, ou melhor, continuam a escassear vozes autorizadas a colocar o dedo na ferida relativamente à execução de um programa que deveria ter sido crucial para garantir o crescimento económico e o desenvolvimento estrutural.
Enquanto o diz-que-diz abafa o essencial, Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, anunciou mudanças na lei da política criminal, com destaque para a prioridade em relação aos crimes de colarinho branco e aos cometidos por titulares de cargos públicos.
De facto, num país marcado transversalmente pela corrupção, é inadmissível que, entre os cerca de nove mil reclusos das cadeias portuguesas, estejam apenas 17 corruptos (13 por corrupção activa e quatro por corrupção passiva), quatro por branqueamento de capitais, quatro por peculato, dois por abuso de poder, um por enganar o fisco e outro por tráfico de influências, de acordo com os mais recentes dados da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.
O poder dos lóbis e a complexidade do crime económico são argumentos que já passaram o prazo de validade. É preciso investigar os responsáveis por este fracasso, porventura criminoso, e sobretudo perceber como continuam a saltitar descontraidamente do poder executivo para outros cargos de alta responsabilidade, tanto no sector público como no privado.
Não vale a pena perder um único segundo com os discursos manhosos que visam disfarçar o indisfarçável. Nem é possível continuar a fingir que não se conhece o que se passa por esse mundo fora. Entre outros casos, de sublinhar dois exemplos actuais: Christian Wulff, presidente da República alemão, demitiu-se à mínima suspeita pública; e Geeir H. Haarde, ex-primeiro-ministro islandês, está a ser julgado.
Para reconstruir a casa da democracia é preciso começar pelos alicerces, desde logo exigindo ao Ministério Público uma resposta inequívoca e transparente que contrarie a percepção generalizada da impunidade reinante.
O país não pode conviver, como se nada se passasse, com as dúvidas sobre os negócios milionários da família Cavaco Silva com as acções do BPN; nem pode aceitar passivamente que a polémica decisão de destruição de escutas continue a dificultar o esclarecimento do processo “Face Oculta”; nem tão--pouco pode ficar indiferente ao facto de José Sócrates, a estrela dos julgamentos da Universidade Independente e do Freeport, nunca ter sido ouvido em sede de inquérito.
Tudo o que é demais enjoa. Por isso é muito mais urgente perceber como é que Fernando Pinto Monteiro, procurador-geral da República, continua a merecer a confiança do Presidente da República para continuar em funções do que saber quem manda mais no que sobra dos fundos comunitários do QREN.
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