Ao desistir de assumir uma atitude transparente e firme em relação à nebulosa que invadiu os serviços de informações, Passos Coelho revelou uma enorme falta de sentido de Estado, para a qual, aliás, contribuiu o calculismo político de três cúmplices.
O primeiro chama-se Aníbal Cavaco Silva. Quando o Presidente da República considera um dos momentos mais graves da história dos serviços de informações como uma “questão político-partidária”, então temos de concordar que institucionalmente o país bateu no fundo.
O segundo chama-se Paulo Portas. O alheamento público do ministro dos Negócios Estrangeiros contrasta com a sua expedita decisão de contribuir para o afastamento de Bramão Ramos e Heitor Romana do então SIEDM, em 2002, por causa de notícias sobre a vigilância ilegal a personalidades da vida política portuguesa.
O terceiro chama-se António José Seguro. A reacção de indignação mole e formal é a melhor prova da má consciência dos socialistas em relação ao que se passou nas secretas nos últimos dois governos de Sócrates.
A um par de semanas de cumprir um ano de liderança no governo, Passos Coelho ficará para sempre associado à sua paralisia em relação ao descontrolo nos serviços de informações, que continua a enxovalhar o país. E a procissão ainda vai no adro.
Passos Coelho desperdiçou uma grande parte do capital de credibilidade política que lhe tinha permitido marcar a diferença com o seu antecessor, não obstante algumas explicações tão esforçadas quanto pífias, sempre a reboque dos acontecimentos e das notícias.
Por isso a governação entrou numa nova fase em que se impõem duas questões: quem pode continuar a acreditar num líder do governo que segura um ministro apesar de todas as evidências? Quem pode continuar a confiar num primeiro-ministro que renova a confiança política no chefe dos serviços de informações e ao mesmo tempo confessa a necessidade de reforçar a sua fiscalização?
Quem adia uma urgente reestruturação, para não lhe chamar limpeza geral, até pode dizer que não cedeu a quaisquer pressões, mas corre o risco de ser acusado de não o ter feito por estar condicionado ou por não estar à altura das responsabilidades.
De hesitação em hesitação, e contrariamente ao que apregoou em Janeiro de 2011, quando pediu a demissão imediata de Rui Pereira por causa das trapalhadas eleitorais nas presidenciais, o mais grave é que Passos Coelho deu uma machadada num dos pilares da democracia: a responsabilidade política dos titulares de cargos públicos.
O agravamento da desconfiança dos cidadãos nas instituições é um desastre para Portugal. E não há selecção de futebol, por mais êxitos esperados e desejados, capaz de disfarçar o actual pântano e a enorme descrença que graça pelo país, de norte a sul, da direita à esquerda.
Os serviços de informações estão moribundos, interna e externamente. Ou a nebulosa vence, pelo que é de esperar a recusa do direito de defesa aos três arguidos constituídos pelo Ministério Público, ou então Passos Coelho, o primeiro responsável pelos serviços, enfrenta o problema, doa a quem doer, e assume os custos políticos e as consequências de dez meses de gestão desastrada de um escândalo com proporções ainda desconhecidas.
O levantamento do segredo de Estado é a última saída para dissipar as dúvidas sobre a actividade das secretas.
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