Em primeiro lugar, o primeiro-ministro continua sem reagir ao desmoronamento das secretas, desde logo por causa da inexplicada manutenção da confiança política em Júlio Pereira, secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP).
Em segundo lugar, este escândalo, de proporções ainda difíceis de descortinar, acabou por envolver, justa ou injustamente, um dos mais influentes membros do governo.
A audição parlamentar de Miguel Relvas, que oscilou entre o visível ne
rvosismo e a digna assunção de responsabilidades, confirmou as relações pessoais entre o ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e Jorge Silva Carvalho, ex-director do Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), e permitiu descodificar a promiscuidade entre espiões e empresas, empresários, políticos, partidos e até certos sectores do Estado, tais são as revelações sobre as actividades paralelas dos serviços de informações.
Aos olhos da opinião pública, a ligação entre o ex-espião e o braço direito de Passos Coelho é agravada, obviamente, pelo facto do governante já ter assumido, publicamente, que tem interesses pessoais e empresariais em Angola e no Brasil, precisamente dois dos países em que o SIED desenvolve as suas actividades.
A consequência política é evidente: a manutenção de Miguel Relvas no governo passou a ser um fardo para Passos Coelho, não obstante o ministro ter promovido iniciativas reformadoras, ainda que polémicas, entre as quais merecem referência o combate ao despesismo na RTP e a privatização de um canal da estação pública.
Em terceiro lugar, as cedências em relação aos lóbis mais poderosos têm vindo a reforçar todas as dúvidas em relação à capacidade do governo em avançar com as reformas estruturais.
O corte nas rendas excessivas do sector da energia é positivo, sem dúvida, mas fica muito aquém do esperado em relação à EDP, comprovando que o afastamento de Henrique Gomes, ex--secretário da Estado da Energia, ocorreu pelas piores razões, isto é, para proteger interesses de uma empresa privada. Como se não bastasse, começa a existir a percepção que Portugal corre o risco de se transformar numa lavandaria de dinheiro duvidoso, tendo em conta a extrema urgência em atrair capitais estrangeiros.
Estes exemplos, entre outros, estão a esboçar um padrão de governação que está a fazer medrar a desconfiança interna, desde logo por permitir que esteja a acontecer o que nunca deveria acontecer, pois esta maioria foi eleita para evitar a repetição de escândalos ocorridos no passado.
Os portugueses já deram provas de estoicismo em relação aos sacrifícios e ao aumento galopante dos números do desemprego. Todavia, esta atitude de complacência pode mudar, sobretudo se persistir o espectáculo degradante de cumplicidades ao mais alto nível.
Um ano após a assinatura do memorando com a troika, o balanço da governação é positivo, mas os sucessivos escândalos internos podem deitar tudo por terra.
Os elogios dos parceiros comunitários e a reconquista do benefício da dúvida dos mercados internacionais são estímulos consideráveis, mas começam a ser insuficientes para travar a onda claramente carregada de desilusão e inquietação, cujo crescimento é difícil de prever e travar.
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