Acabou a condescendência
em relação ao governo de Passos Coelho, que alguns têm insistido em baralhar com
estado de graça, passividade ou paciência.
O caso das
secretas, que se confunde com o caso Relvas, ou vice-versa, foi a gota de água que
fez transbordar o copo cheio de más notícias.
A auréola de
Passos Coelho caiu face ao primeiro grande embate da governação: quando o país esperava
a firmeza inquebrantável, digna de quem valoriza os valores democráticos,
multiplicaram-se as hesitações, as cumplicidades, as ameaças, as mentiras e os ziguezagues.
Os resultados
do último barómetro da Universidade Católica provam que o clima político está a
mudar. E não foram os indicadores desastrosos, nomeadamente o desemprego, que
provocaram esta mudança no estado de espírito geral. Muito pelo contrário. Na
origem da descrença está a constatação que o governo ― por incapacidade, compromisso ou cobardia política ― não está a cumprir a verdadeira
mudança prometida.
Não obstante
a tentativa de desvalorizar as sucessivas revelações, que atestam a promiscuidade
ao mais alto nível até à náusea, os próximos tempos comprovarão o rombo na
credibilidade do governo. Há rótulos que se colam aos governantes para sempre,
determinando o seu futuro, justa ou injustamente.
Resta saber como
Passos Coelho vai tentar sair do atoleiro em que se meteu, voluntaria ou
involuntariamente, mas seguramente por culpa própria.
Não vale a
pena invocar a honra, a família e as intenções reformistas, nem tão-pouco tentar
condicionar os jornalistas e os colunistas de opinião para tentar mascarar os
próprios erros. O silenciamento das vozes críticas, de uma forma mais ou menos indirecta,
é uma saída indigna de quem prometeu fazer a diferença.
Basta olhar
para o passado para perceber que este tipo de ardil, ainda que com apoios no
seio da bafienta nomenclatura, não tem qualquer viabilidade. Nunca tem futuro.
Mais tarde ou mais cedo, a realidade impõe-se, expondo quem nunca olha a meios
para atingir os fins.
Em democracia
não há maiorias, estrelas e serviçais suficientes para apagar os factos, sejam
eles económicos, financeiros, sociais ou de Estado. Por isso os cidadãos passaram
a ter todas as razões para suspeitarem dos serviços de informações. E se o
governo não pôde, ou não consegue, resolver o problema, então os portugueses
também têm toda a legitimidade para desconfiar de quem os governa, a começar
pelo primeiro-ministro, já que Miguel Relvas passou à condição de cadáver
político ambulante. E não colhe quem tenta confundir a determinação do número
dois político do governo em privatizar um canal da RTP (que sempre elogiei) com
as trapalhadas em que se enredou, ou foi obrigado a enredar (que continuo a
criticar).
Sacrificar as
liberdades individuais às mãos de interesses particulares e de estratégias
inexplicadas, quiçá por rendição a influências que não têm rosto nem nome, pode
ser o artifício usado para servir de exemplo num momento em que se advinha um
crescendo da contestação. Mas como a história já demonstrou, por diversas
vezes, há caminhos que conduzem, inevitavelmente, a um beco sem saída e sem
glória.
O país não tem
tempo para novos impasses, que ontem nos conduziram ao estado de emergência e
hoje nos colocam à beira do abismo.
Nos momentos
críticos, os governantes têm de servir no poder em vez de se servir do poder,
sejam quais forem as suas circunstâncias políticas e particulares.
No dia de Portugal a
situação é tão séria que só pode ser enfrentada com exigência e excelência.
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