sábado, 14 de julho de 2012

Passos para o desastre



      O primeiro-ministro deixou cair a máscara cândida e bem-intencionada ao assumir um discurso crispado e arrogante no debate do Estado da Nação.

      Todos sabemos que a governação é difícil, o que justifica alguma indulgência, mas em qualquer democracia consolidada já teria caído o Carmo e a Trindade se um primeiro-ministro tivesse desvalorizado de uma forma tão imprudente a contestação popular.

      Por isso importa perceber o que terá levado Passos Coelho a dar-se ao luxo de ser tão politicamente irresponsável ao ponto de menosprezar a indignação dos cidadãos.

      Afastando a tese aparentemente esdrúxula de quanto maior for a contestação mais facilmente será possível convencer a troika a facilitar algumas metas acordadas, resta apenas outra explicação: Passos Coelho é feito de uma massa e cultura políticas em que, não obstante vários alertas, muitos não acreditaram, mea culpa.  Esta espécie de mal-amanhado remake de Tatcher mais Cavaco, numa versão modernaça, até pode resultar de um lapso, mas a síntese acabou por chegar à superfície.

      O branqueamento da turbo-licenciatura de Miguel Relvas é apenas mais um episódio que traduz a indiferença do primeiro-ministro em relação ao sentimento generalizado da população.

      A agravante é que a passagem do tempo nem sempre apaga uma nódoa, sobretudo quando outras manchas ainda estão frescas, designadamente os últimos casos das secretas e do jornal Público.

      Passos Coelho está convencido que pode governar sem prestar atenção ao juízo que os portugueses fazem da governação.

      O autoconvencimento que vai permanecer à frente do Executivo nos próximos quatro anos, também custe o que custar, explica a incapacidade do chefe do governo para aceitar que o debate do Estado da Nação não começa e nunca acaba numa discussão parlamentar anual. Aliás, este é o mesmo tipo de sobranceria que o leva a ignorar que o escrutínio dos cidadãos e os sinais que emanam da sociedade, na rua ou fora dela, têm redobrado significado.

      A arrogância com os mais desfavorecidos, enquanto finge que não percebe o que se passa ao seu lado e no país, está  a dar resultados desastrosos. Pouco mais de um ano após assumir funções, e numa conjuntura que obriga até os mais críticos à contenção, poucos se atreveriam a imaginar uma censura tão avassaladora quanto generalizada.

      Ninguém tem dúvidas, hoje, que Passos Coelho é um líder dependente de pelo menos um dos seus acólitos. E por isso tem termo antecipado. Seguramente, não foi por acaso que a oposição parlamentar o advertiu para «descer à terra», para «não se iludir com as palmas da maioria» ou até «para ir embora».

      Até Paulo Portas, compreendendo a vulnerabilidade do primeiro-ministro, desferiu a sua última estocada política, marcando claramente a fronteira dos termos da austeridade futura.

      São cada vez menos aqueles que confiam num primeiro-ministro que ameaça constantemente os mais desfavorecidos com cortes e mais cortes, ao mesmo tempo que pactua com as PPP's, as fundações públicas e privadas, as rendas excessivas, as negociatas de Estado, a impunidade, a opacidade e o boyismo militante.

      No momento em que o país precisa de um governo forte e credível, a arrogância e a fraqueza de Passos Coelho até podem continuar a escapar às avaliações trimestrais da troika. Mas se não arrepiar caminho, imediatamente, os portugueses que o elegeram serão os mesmos que a qualquer momento podem usar do legítimo direito à manifestação e ao protesto para o forçar a ir à sua vida, mais cedo ou mais tarde, a bem ou a mal.

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