sábado, 24 de novembro de 2012

RTP: atentado ao jornalismo



 O episódio da estação pública de televisão e da PSP vai ter consequências no terreno dos protestos, sejam eles grandes manifestações ou o mais vulgar caso do dia-a-dia. A responsabilidade é de todos aqueles que não se opuseram, terminantemente, à visualização e/ou cedência de imagens em bruto a elementos estranhos ao universo da informação.

Vale a pena analisar a questão através de duas premissas:

1. Quando um jornalista, no exercício de funções, é testemunha ou toma conhecimento de um crime tem o dever de informar o público, não tem que ‘colaborar’ a posteriori com quem quer que seja;
2. A tentativa do poder político inverter o paradigma da justiça versus segurança é um perigo para a Democracia e não pode, qualquer que seja a circunstância, ser menosprezada pelos cidadãos.

Neste pântano em que o país se transformou, em que a crise veio reforçar a máxima que vale tudo para ascender na carreira ou manter o posto de trabalho, até a mais elementar ética e a dignidade profissional estão a ceder. E, já agora, alguém consultou os autores das imagens e das reportagens antes de copiarem os DVD's?

Felizmente, nem todos os órgãos de comunicação social ‘colaboraram’. Por isso é digno de nota o comunicado imediato e cristalino da TVI a que, aliás, a SIC, depois de um estranho silêncio, se associou rapidamente.

Como sublinhou Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, a questão não é legal. E não depende de qualquer parecer do conselho consultivo da procuradoria-geral da República, cujo pedido mais não é do que uma manobra de diversão para desviar as atenções de quem num momento dá ordens para carregar sobre cidadãos indefesos e no momento a seguir fica ofendido se lhe perguntam se autorizou e/ou teve conhecimento das diligências da PSP.

É óbvio que as polícias não têm o poder de exigir a visualização do que quer que seja, nem de acederem a dados protegidos pelo segredo profissional, nem tão-pouco de definirem qual é o limite dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Só uma ordem de um tribunal o pode definir. E nem mesmo uma ordem de um juiz obriga um jornalista a violar o seu código deontológico. Pelo menos foi sempre assim que vivi e entendo o jornalismo, em que nenhuma hierarquia ou entidade se pode sobrepor à consciência profissional de um jornalista. E, aliás, não é por acaso que ninguém se lembrou de consultar imediatamente a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC).

Ninguém pode estar admirado com a atitude desta gente que entre uns almoços, umas festas e umas galas lá vai saltitando entre a informação, o entretenimento e os cargos administrativos, como se tudo fosse uma e a mesma coisa. Se a administração da RTP foi exemplar num momento inicial, de seguida permitiu que tudo retrocedesse a uma certa anormalidade, pois o director-geral, Luís Marinho, passou a acumular interinamente a direcção de informação.

O resultado está à vista. O prejuízo para a imagem da RTP é avassalador. E mais uma vez, o Governo sai chamuscado.

A partir de agora, sempre que uma câmara apontar para uma multidão de manifestantes ou se aproximar de um cidadão, o resultado será imprevisível, a não ser que o cameraman e o repórter ostentem uma espécie de crachá a garantir que não pertencem à estação pública de televisão.

Nas próximas manifestações, os holofotes não vão estar só sob a cabeça dos cidadãos, também vão estar virados para este atentado ao jornalismo, para este inconcebível serviço público da RTP.

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