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terça-feira, 4 de novembro de 2014

"Podemos" mas só com olhos bem abertos


Grassa a indignação com o clientelismo que gira à volta do Estado e dos partidos políticos, mas é preciso reafirmar que ele não é um atributo exclusivo da esfera governativa, política, administrativa, judicial e pública, muito pelo contrário, é uma realidade que perpassa por todos os outros sectores privados.

A mordaça que nos tem transformado em NIB's obrigados e venerandos tem aberto um enorme pasto para todos aqueles que, tão cândida como hipocritamente, continuam a tentar branquear o lamaçal que se instalou entre o Estado, os corredores do poder político e os principais agentes económicos e financeiros.

O paradigma instalado é infernal: quem critica a direita é de esquerda e vice-versa; quem zurze na cor do poder é da oposição; quem critica os partidos políticos é populista; quem está farto de ser esbulhado por um Estado com laivos mafiosos, então é um liberal malvado e insensível; quem está farto de ser explorado por empresários, com mais ou menos escrúpulos, só poder ser um perigoso revolucionário; em síntese, quem tenta romper este manto de clientelismo arrisca ser escorraçado e vilipendiado.

Os investigadores das ciências sociais já reflectiram sobre o verdadeiro fermento da pequena e da grande corrupção. E os diversos organismos nacionais e internacionais também já multiplicaram estudos, barómetros e rankings sobre as consequências devastadores para a economia dos cidadãos, das empresas e dos Estados.

Nada tem sido suficiente para despertar as consciências e mobilizar os cidadãos contra esta praga, da qual a sociedade não se consegue livrar.

Os portugueses merecem os políticos que têm, o Estado que lhes cobra o dinheiro dos impostos e ainda os abandona e maltrata e também a espécie de liberdade formal que lhes permite viver a vidinha e aconchegar a resignação.

As fortunas censuráveis, por enquanto, continuam a ser apenas aquelas que estão ligadas aos tráficos de droga e seres humanos. As outras, aquelas que a economia global também acalenta, certamente mais adequadas ao colarinho branco do trois pièces, que geram também fabulosas comissões, sempre acobertadas por uma qualquer offshore, ainda são toleradas pela sociedade, numa espécie de masoquismo indulgente em relação a verdadeiros meliantes, quiçá por também criarem postos de trabalho.

Basta dar uma olhadela para algumas indústrias e sectores, da banca ao mercado de capitais, do armamento à farmacêutica, da aeronáutica ao imobiliário, do petróleo aos diamantes para perceber que estamos rodeados de gangsters com semblante polido e verniz modernaço, sempre protegidos e com direito de antena, dos grandes fóruns aos Media, sempre em nome de um qualquer interesse nacional.

Já bem cientes que a grande diferença entre a direita e a esquerda se resume à retórica, os portugueses tardam em interiorizar as consequências das únicas ideologias que ainda resistem: o esverdeado do dólar e o azulado do euro.

Como em Espanha, nós também "Podemos", mas só com olhos bem abertos, sem nunca esquecer Blair e Obama, porque sabemos bem como acabaram as suas promessas de mudança.

Mesmo em Portugal, em que o Estado está há muito tempo capturado por interesses dominantes, a mudança é possível, é sempre possível, nem que seja através da escolha de uma nova ilusão que, afinal, poderá ser apenas e tão-somente, mais uma vez, aquilo que nos parece o mal menor.

E se assim for, então será um novo passo em frente.