domingo, 8 de janeiro de 2012

Secretas: Bomba ao retardador


O funcionamento ilegal das secretas continua a ocupar a ribalta mediática e a alimentar todo o tipo de suspeições, arrastando na lama a classe política, os governantes, os deputados, o Estado e um dos seus departamentos mais sensíveis.

O caso é gravíssimo e a ausência de medidas exemplares para cortar o mal pela raiz está a provocar um mal-estar generalizado e a maior perplexidade, interna e externa.

Se já era preocupante saber que as secretas funcionaram em roda livre durante anos a fio, mais grave ainda é constatar que a 1ª comissão parlamentar (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) se deixou enredar no branqueamento de conclusões óbvias.

A notícia de que fiscalizador e fiscalizado pertencem à mesma loja maçónica apenas reforça o que todos já dão como certo: a culpa vai morrer solteira nas secretas. Aliás, este caso não é ímpar. Há muito tempo que Paulo Morais, ex-vereador da Câmara do Porto, tem vindo a denunciar as ligações de deputados aos mais diferentes interesses ao arrepio das mais elementares regras de transparência.

De facto, o rei vai nu. No poder e nos mais diversos sectores de actividade privados não faltam exemplos desta espécie de amiguismo, de lealdades opacas e caninas, que continua a ser entendido como um seguro de vida para fazer carreira ou para escapar ao arbítrio.

Na origem de toda a controvérsia está a crónica falta de cultura democrática e o desrespeito pela responsabilização política de quem prevarica no exercício das mais altas funções de Estado. E mais. Revela que o tráfico de influências continua a ser um dos problemas mais graves da democracia, alimentando todos os desperdícios e impunidades.

Neste momento, já não é possível escamotear a situação surrealista em que o país vive: Como é possível que o chefe dos serviços de informações continue em funções depois de tudo o que se sabe, e porventura ainda virá a saber, sobre o funcionamento das secretas?

A questão não teve resposta até ao momento, o que deixa Pedro Passos Coelho, o primeiro responsável pelos Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), numa situação politicamente desconfortável. De igual modo, é preciso não esquecer, nem deixar passar em claro, o silêncio sepulcral do presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, sobre uma matéria que está a suscitar as maiores inquietações na sociedade portuguesa e a manchar o nome do país a nível externo.

Ao permitirem o arrastamento desta situação, que cria um vazio que permite todo o tipo de especulações, o presidente da República e o primeiro-ministro estão a contribuir para o avolumar de uma situação explosiva que lhes pode rebentar nas mãos mais tarde ou mais cedo.

No momento em que a credibilização das instituições e da governação é essencial para o futuro do país, e em que os sacrifícios severos são impostos aos portugueses, a estranha e aparente brandura em relação à comunidade dos espiões é incompreensível e até chocante.

A forma como o chefe do governo lidou, e continua a lidar, com um caso de Estado da maior sensibilidade é mais do que um desvio colossal, é uma enorme irresponsabilidade política. E obriga, obviamente, à seguinte questão: Pedro Passos Coelho está refém de alguma coisa que os serviços de informações sabem?

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A grande marcha | iOnline

A grande marcha iOnline

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Liberdade ameaçada em Macau

A comunicação social portuguesa e chinesa continua a viver sob os constrangimentos legados pela administração portuguesa. Apesar dos evidentes sinais de mudança da nova face de Macau, os jornalistas continuam a trabalhar sem o enquadramento de um estatuto próprio, sem uma credencial profissional e sob uma lei da imprensa em processo de revisão.

É neste quadro, só explicado por uma realidade informativa marcada pela autocensura, que a Federação dos Jornalistas de Língua Portuguesa conseguiu romper o marasmo, promovendo o primeiro congresso de jornalistas de Macau, uma proeza só possível pelos esforços da Associação de Imprensa em Português e Inglês, presidida por Paulo Azevedo, ex-jornalista da TSF e fundador do grupo Macau Business.

Mas não há bela sem senão. Ao mesmo tempo que os jornalistas portugueses e ingleses vindos de todo o mundo debatiam a realidade da informação do delta do rio das Pérolas, fazendo fé na existência de liberdade de imprensa no território, a associação chinesa Novo Macau, a mais influente e representativa eleitoralmente, denunciou casos de censura, manipulações, pressões, processos disciplinares abusivos e até ameaças de morte contra os jornalistas chineses, com base em relatos de profissionais da TDM – Televisão de Macau (canal em chinês), que constam de um relatório elaborado sobre o respeito dos direitos humanos na Região Administrativa Especial de Macau.

A passividade da imprensa portuguesa até poderia ser entendida à luz da implacável censura na República Popular da China, não fora as garantias consagradas no âmbito da Lei Básica, que resultou do entendimento entre Portugal e a China, o generoso subsídio governamental da ordem de um milhão de patacas (cerca de 100 mil euros) que os jornais portugueses recebem anualmente e a comparação com os órgãos de comunicação social de Hong Kong, cuja autonomia editorial e qualidade são unanimemente reconhecidos.

A explicação deste atavismo da imprensa portuguesa (de dimensão paroquial, pois é destinada a menos de 1% da população do território), está a montante do momento presente. De facto, os últimos anos da presença de Portugal no Oriente nunca conseguiram fomentar uma identidade própria em Macau suficientemente musculada para enfrentar o futuro, contrariamente ao que os ingleses consolidaram na sua antiga colónia.

Se já era incompreensível que nos tempos idos do general Rocha Vieira, o último governador português de Macau, um dos seus assessores (José Carlos Vieira, que integra actualmente o gabinete de imprensa de Cavaco Silva), varria a agenda informativa da TDM (canal português), não deixa de ser chocante que a imprensa portuguesa de Macau continue acantonada e publicamente arredada da primeira linha do combate contra quaisquer tipos de violações do poder chinês.

Doze anos após o fim da secular administração portuguesa, a liberdade de imprensa em Macau está assim mais dependente da boa vontade dos governantes que da acção firme da imprensa portuguesa local.

Resta esperar que as promessas de Alexis Tam, uma das personalidades emergentes do território, que assume o cargo de porta-voz do executivo, feitas no encontro entre jornalistas portugueses e ingleses, se concretizem na prática do dia-a-dia. Afinal não basta uma declaração formal: “Não desenvolvemos qualquer actividade nem alimentamos quaisquer pretensões de interferência editorial.”

Não há uma imprensa mais ou menos livre. Ou é ou não é. Seja em Macau seja em qualquer outra parte do mundo.

O novo mundo



Quem conheceu o território sob administração portuguesa e chega agora à Pérola do Oriente compreende melhor a razão do atraso no tempo, aliás patente quando comparado com a vizinha Hong Kong, uma das principais praças financeiras mundiais.

Bastaram 12 anos após a transferência de soberania para a China para Macau se transformar num espaço mais cosmopolita e ainda mais próspero, como comprovam os múltiplos empreendimentos que nasceram no antigo istmo de Cotai (que liga as ilhas da Taipa e de Coloane), fazendo recordar a exuberância das imagens de marca de Las Vegas.

Entre as duas realidades há uma diferença abissal, um universo de oportunidades e de riscos que têm de ser ponderados. Não há que enganar: estamos novamente perante uma dicotomia entre o velho e o novo mundo, que significa, actualmente, a diferença entre o pesadelo da crise e a quimera da riqueza.
Num momento de encruzilhada interna e externa, os portugueses vão ter de optar, a muito curto prazo, entre um modelo de desenvolvimento sustentado por um Estado gigantesco, que necessita de cobrar impostos avassaladores para pagar os custos do Estado social, e um modelo em que o Estado está reduzido à mínima expressão de garante das funções de soberania, libertando os cidadãos do permanente assalto fiscal.

Salvaguardadas as devidas diferenças históricas e culturais, três factores explicam a aceleração deste processo inevitável de escolha. Em primeiro lugar, o falhanço do combate à corrupção no Ocidente, uma das bandeiras do paternalismo europeu em relação às economias emergentes, permite constatar que o flagelo está tão banalizado num lado como no outro, ou seja, está tão presente na economia e no sistema financeiro das democracias mais antigas como nas economias de casino, sobretudo naquelas que estão alicerçadas nas fantásticas receitas do jogo. Em segundo lugar, os direitos, liberdades e garantias estão a ser progressivamente colocados em causa pela avassaladora crise económica e financeira a nível mundial, comprometendo outro dos primados da suposta superioridade ocidental sobre outro tipo de países com regimes mais ou menos híbridos. Por último, e porventura mais importante, enquanto milhões e milhões de desempregados se acumulam na Europa e nos Estados Unidos da América, os países asiáticos continuam a crescer a um ritmo tal que conseguem corresponder às expectativas de emprego das suas numerosas populações.
Sem garantia de mais justiça e concorrência, sem a capacidade de manter e pagar avanços civilizacionais duramente conquistados e sem competitividade suficiente para garantir o emprego aos cidadãos, os povos ocidentais deixam de ter fundamentos para manter o mesmo paradigma de desenvolvimento.

As vantagens e as desvantagens estão diagnosticadas até à exaustão. Não sendo possível atingir o ideal do melhor dos dois mundos, há sempre uma segunda oportunidade, nem que seja para abdicar do falso conforto de um Estado social falido que pertence a um continente cada vez mais velho.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Tempo de justiça

O mediatismo dos crimes de colarinho branco está de novo a marcar a vida dos portugueses. Nos últimos dez dias, o processo Face Oculta começou a ser julgado, em Aveiro, e a detenção de Domingos Duarte Lima relançou o escândalo do BPN, cuja investigação se tem prolongado desde 27 de Novembro de 2008, data em que Oliveira Costa foi preso.

No momento em que ex-governantes, políticos e altos funcionários da administração e das empresas de capitais públicos estão a contas com a justiça, acusados de terem praticado crimes de corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais, abuso de poder, entre outros, é preciso sublinhar que o Bloco Central está sentado no banco dos réus. E que a democracia está suficientemente consolidada para enfrentar quaisquer implicações ao nível dos órgãos de soberania.

É neste quadro que vale a pena ponderar as palavras de Paula Teixeira da Cruz durante a entrevista que concedeu a Judite de Sousa, na TVI.

Depois de um silêncio prometedor, desde que tomou posse em 21 de Junho passado, a ministra da Justiça começou da melhor maneira o longo período em que vai ter todos os holofotes virados para o ministério que tutela.

A ousadia de afirmar que “acabaram as impunidades”, com convicção e serenidade, revelando o trabalho de casa em dia, abriu um imenso espaço de expectativa, designadamente depois de abordar cinco pontos essenciais para levar a cabo a reforma tranquila na justiça: o combate à fraude e a redução do peso da máquina administrativa; a simplificação legislativa; a aposta na informatização; o reforço dos meios para a investigação criminal; e a credibilização da justiça.

Paula Teixeira da Cruz declarou guerra, formalmente, a todos os que se habituaram a usar o poder para criar as condições para melhor poder controlar e escapar à justiça. Esta atitude, esperada há muitos e muitos anos, tem subjacente a demonstração de que o poder executivo não teme o poder judicial, que está disponível para abrir mão dos instrumentos que no terreno o condicionam e até monitorizam.

A ministra deu sinais claros de ter compreendido que os portugueses estão cansados de assistir a um espectáculo degradante, que oscila entre a tentativa de intimidar os magistrados e a feira de vaidades de alguns dos principais interlocutores da justiça. E que já não há espaço para continuar a assistir ao arrastamento processual e a prescrições escandalosas que permitiram a alguns uma total impunidade. Nem mesmo tempo a perder com quem se agarra ao cadeirão das mordomias, às guerras de alecrim e manjerona e às comissões de serviço.

Se o país tem de mudar de paradigma em termos de modelo de desenvolvimento, ainda que à custa de sacrifícios brutais, a tolerância zero em relação à justiça é um imperativo que obriga a melhor organização, a formação redobrada e a mais especialização, que permita enfrentar a complexidade e a sofisticação do crime económico, entre outros.

A recuperação económica e financeira passa cada vez mais por uma justiça do século xm, sem receio de consolidar os direitos de defesa que impedem os abusos e os erros judiciários e expurgada dos formalismos salazarentos.

Se o tempo da justiça é diferente do tempo mediático, se os tribunais não se podem confundir com a opinião pública e publicada e se o jogo partidário não se pode reflectir nas instituições judiciárias, então também é verdade que não pode continuar a haver uma justiça para os políticos, os famosos e os ricos e uma outra justiça para os trabalhadores, os anónimos e os pobres.

sábado, 12 de novembro de 2011

Falsos virgens


É verdade que este momento decisivo para a mudança foi antecedido por críticas, recados, desabafos e lamúrias, alguns deles politicamente hipócritas, e sempre com o povo na ponta da língua, que apenas visaram levar Passos Coelho a recuar nos cortes essenciais para diminuir a despesa pública. Por isso importa saber quem são estes falsos “virgens” tão preocupados?

 Em primeiro lugar, destaque para António José Seguro. O líder do PS, que ainda não manda no partido, deu uma pálida imagem do seu valor político ao enveredar pelo populismo de prometer o que nem ele nem o país têm para dar. O seu silêncio no passado, quando o desastre ainda estava à vista, retira-lhe actualmente qualquer credibilidade.

 Em segundo lugar, a esquerda à esquerda dos socialistas, não consegue sair do discurso doutrinário, não obstante algumas propostas alternativas do Bloco de Esquerda, sem viabilidade prática.

 Em terceiro lugar, os banqueiros, apanhados com as calças nas mãos, e obrigados a rácios prudentes, rabeiam para tentar escapar às regras definidas para acederem ao fundo de recapitalização. Os resultados da gestão dos últimos anos não lhes conferem qualquer direito a exigir o que quer que seja, tanto mais que sempre estiveram ao lado de quem conduziu o país ao abismo.

 Em quarto lugar, destaque ainda para os sindicatos. As manifestações e as greves gerais, cuja legitimidade ninguém discute, estão vocacionadas ao esvaziamento, sobretudo com as reivindicações em relação ao sector dos transportes públicos, pois o país inteiro já percebeu que é financeiramente insustentável manter tudo como dantes.

 Por último, e quanto a Aníbal Cavaco Silva, que mais uma vez saiu em defesa da banca, resta apenas constatar que as suas palavras têm cada vez menos eco interno e externo. E que nem todos esqueceram que nos momentos decisivos do passado preferiu a tranquilidade institucional que lhe garantiu a reeleição à responsabilidade de travar um governo que levou o país à beira do abismo.
A dinâmica destes falsos virgens, com graves responsabilidades na crise, não impediu a aprovação da proposta de Orçamento na generalidade. E não parecem ter razão e força para inflectir a determinação da maioria na votação na especialidade, tendo em conta a certeza dada pelo primeiro-ministro: acabaram as malabarices.

 A corte do costume que vive e gira à volta do Estado, à custa de folgas e almofadas, pode ainda não ter aceitado que os tempos mudaram. Todavia, os portugueses que estão a pagar todos os sacrifícios já começaram a perceber que, felizmente, o governo está mais apostado no futuro que no presente daqueles que têm sido protegidos escandalosamente por sucessivos governos.

 As promessas eleitorais incumpridas, os erros, os recuos, as hesitações e os ministros que tardam em confirmar as mais elevadas esperanças pesam no desempenho governativo. Mas do outro lado está a viabilização do Orçamento que pode salvar o país do desastre final, trilhando com firmeza um caminho credível, realista e que inspira confiança nos mercados internacionais.

 Ao resistir ao coro dos falsos virgens, Passos Coelho garante no essencial que está ao nível da exigência dos tempos excepcionais que o país está a viver.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O regresso de Sócrates


Apesar das ameaças constantes de colapso, a abstenção do PS na votação da proposta de Orçamento de Estado para 2012, os últimos encontros entre o primeiro-ministro e António José Seguro, com o objectivo de acertar a revisão do plano da troika, e a descida da taxa de referência do Banco Central Europeu contribuíram para instalar um ambiente de relativa acalmia interna no país.

Curiosamente, o regresso de José Sócrates à ribalta, qual fantasma da crise, coincidiu com um período de forte instabilidade europeia. Do exílio politicamente forçado, mas não menos iluminado, o nome do ex-primeiro-ministro voltou às aberturas dos telejornais e às primeiras páginas dos jornais pelas piores razões. Os múltiplos contactos que lhe foram atribuídos, para tentar atirar o PS para o abismo do voto contra o Orçamento de todos os sacrifícios, estão ao nível da amarga estratégia de terra queimada difundida por alguns dos seus compagnons de route.

Este regresso também ocorreu na véspera do julgamento do processo "Face oculta", cujo início está marcado para 8 de Novembro, abonando a opção dos Media em recordar Armando Vara, entre outros, para melhor ilustrar a percepção de corrupção do último consulado socialista. Aliás, ainda no terreno das coincidências, de registar que Fernando Pinto Monteiro, procurador-geral da República, também escolheu este preciso momento para mais uma declaração pitoresca: "Os Media fazem de Portugal o país mais corrupto do mundo".

Não obstante a persistente tentativa de branqueamento do passado, que vai sendo levada a cabo por profissionais da propaganda e afins, a verdade é que os portugueses começam lentamente, e sem qualquer sinal visível de acerto de contas, a tomar consciência do que se passou nas suas barbas.

É neste quadro que a decisão do Tribunal Constitucional em analisar o processo da destruição das escutas realizadas no âmbito do processo "Face Oculta", que envolvem o nome ex-primeiro-ministro, tem redobrada importância. Com a porta aberta para a análise da polémica decisão de Noronha de Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça - de mandar destruir as escutas essenciais para a defesa de pelo menos um dos arguidos da "Face Oculta", o que por sua vez inviabilizou, temporariamente, saber se Sócrates violou grosseiramente a lei -, é caso para dizer que o regresso do distinto socialista redundou num passo estouvado, já que este processo está muito longe de estar enterrado.

Aprender com os erros do passado é sempre um acto de inteligência, pelo que o escrutínio judicial de alguns actos ocorridos durante o consulado de Sócrates é normal e até saudável, sobretudo se não é fruto de qualquer jogada política. E quando este exercício legítimo de transparência está enquadrado pelo normal funcionamento da justiça, e não serve apenas como arma de arremesso pessoal ou partidário, então estamos perante um exemplo de maturidade democrática capaz de derrotar quem, na luz ou na sombra, ainda acredita que os jogos de bastidores e as manobras de diversão são suficientes para escapar às responsabilidades.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Banca na ordem


As decisões dos países da zona euro podem não ter resolvido todos os problemas, mas têm um alcance muito maior do que os resultados imediatos: Em primeiro lugar, a banca foi metida na ordem, partilhando os prejuízos em situação de crise; de seguida, acabou o tempo em que a banca, a troco de juros especulativos, se limitava a alimentar o endividamento desenfreado de Estados soberanos; por último, os 17 da zona euro têm de inscrever nas respectivas Constituições, até final de 2012, limites para os défices e para as dívidas públicas.

Estas orientações são fundamentais, desde logo porque salvaguardam países como Portugal, demasiado vulneráveis, até aqui, a uma governação politicamente criminosa, à qual o conjunto dos órgãos de soberania e demais instituições nunca conseguiram fazer frente.

O caminho seguido pode não agradar a uma esquerda delirante que, paradoxalmente, clamava por mais uma fuga em frente, com eurobonds e afins, sem cuidar previamente de introduzir mecanismos de rigor orçamental e de disciplina no sector financeiro. Todavia, os 17 demonstraram que o projecto da moeda comum não é só um desígnio institucional, político, económico e social, também pode servir para travar a ganância e a corrupção que resultam da desregulação.

O regabofe que ocorreu em Portugal não seria possível se estas medidas já estivessem em vigor. Ou seja, se a banca portuguesa, certamente liderada por gestores de topo, soubesse que poderia perder 50% do investimento em dívida grega, seguramente não teria alavancado muitos dos investimentos públicos desastrosos que foram contratualizados nos últimos seis anos em Portugal.

Para ter uma noção do que está em causa, basta recordar as últimas revelações sobre os escandalosos negócios das SCUT's, designadamente a da Grande Lisboa e a do Norte, cujos encargos para o Estado passaram de zero para 1,42 mil milhões de euros, em 2010, após uma renegociação entre o anterior governo e a Mota Engil.

Passos Coelho tem razões para poder sorrir, pela primeira vez, desde que assumiu a liderança do Executivo. O desanuviar da crise europeia permite consolidar o ajustamento, em que se destaca a firmeza exemplar do ataque ao desperdício na RTP, no quadro de um horizonte menos carregado de dúvidas e incertezas.

As prioridades do governo, vertidas na proposta de orçamento para 2012, estão a dar resultados positivos. O facto dos 17 reconhecerem que os portugueses estão a dar a volta à crise, ainda que à custa de sacrifícios terríveis, é o trunfo que faltava a Passos Coelho para demonstrar que, afinal, há uma luz no fundo do túnel.

domingo, 23 de outubro de 2011

Por uma esquerda nova


Esta espécie de esquerda parece não ter emenda, sobretudo no momento em que está a ser embalada pelo Presidente da República, que critica agora o que não foi capaz de fazer enquanto primeiro-ministro em tempos de vacas gordas: a reforma do Estado e o saneamento do sector empresarial público.

É preciso desmistificar a gritante desonestidade intelectual de atribuir à direita a responsabilidade por todos os males da crise. É que a viragem do século ficou marcada pela esperança da governação à esquerda nos maiores países da União Europeia: Alemanha (Gerhard Schroeder), Espanha (José Luis Rodríguez Zapatero), França (Lionel Jospin), Reino Unido (Tony Blair) e Itália (Giuliano Amato). Uma década depois, quase metade dos países da União Europeia eram governados pela esquerda. Mas contra factos não há argumentos: a partir de 5 de Junho de 2011, que marcou a derrota de José Sócrates, entre os 27 restavam apenas cinco governos de esquerda: Espanha, Grécia, Áustria, Eslovénia e Chipre.

A esquerda falhou, capitulou em relação ao poder económico e financeiro e enredou-se em negócios de Estado – em suma, errou estrondosamente no combate à corrupção. A “Terceira Via”, ou o que restou dela, resultou numa gigantesca fraude política, deixando a esquerda sem projecto político. Basta querer ver a realidade, nem é preciso invocar o primarismo de Margaret Thatcher: “O socialismo dura até se acabar o dinheiro dos outros”.

A questão é ainda mais inquietante quando comunistas e bloquistas revelam que também não aprenderam nada com a viragem à direita. Até Fernando Rosas, um dos mais brilhantes à esquerda, caiu no vazio da cassete da “política da inevitabilidade que vai destruir o país”, conforme repetiu no programa “Prova dos 9” da TVI 24. Aparentemente, a esquerda continua convicta de que sacudir a água do capote lhe vai permitir reconquistar a credibilidade, como comprova a tentativa de desvalorizar a estrondosa derrota na Madeira, apesar da governação irresponsável de Alberto João Jardim.

Se é factual que comunistas e bloquistas não participaram na governação dos últimos 25 anos, também é verdade que não conseguiram travar a deriva socialista ao longo de 13 anos, o que poderá explicar, em parte, a desilusão do seu eleitorado mais fiel.

 A esquerda tem de assumir os erros cometidos no exercício do poder para depois confrontar a governação da coligação de direita com as promessas eleitorais falhadas e com os resultados das novas políticas.

Para já, não se vislumbra que seja a receita desta esquerda velha a tirar o país do abismo. A agitação sindical, até compreensível, não inverterá o ajustamento doloroso nos próximos anos, como revela a contestação grega. Numa primeira fase, só a austeridade brutal poderá ser suficiente para convencer os nossos credores a darem uma nova oportunidade a Portugal. E esperar que a União Europeia salve o país, novamente, após a estratégia suicida de prego a fundo no endividamento, que duplicou nos últimos seis anos.

 A democracia precisa de uma esquerda nova, porventura reinventada, mais competente e responsável, menos instalada e corrupta, desejavelmente com capacidade para encontrar pontos de união na diferença. Até lá, o que é inevitável é a realidade, e combater o que esteve na origem de um monumental falhanço governativo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pela garantia da paz social

Pela garantia da paz social | iOnline

No momento em que Pedro Passos Coelho revelou a austeridade brutal para 2012 é fundamental recordar a origem da crise global: a irresponsabilidade de banqueiros e a incompetência de supervisores e órgãos de regulação que contaram com a cumplicidade do poder político, pondo a nu a criminosa desregulamentação dos mercados. Posteriormente, e para fazer face à borrasca, os governos socorreram a banca com todo o tipo de garantias, à custa dos contribuintes, para de seguida os deixar afogar em dívida pública de estados exauridos, criando um novo problema de liquidez e de crédito à economia.

 Concentrar os holofotes na resposta à tempestade para desviar as atenções da origem da crise não serve o país, tanto mais que foram ambas que nos conduziram a este desgraçado estado de dependência externa, depois de a banca portuguesa andar a alimentar a governação aventureira de José Sócrates na mira do lucro fácil. Quem não se lembra das declarações de Ricardo Salgado, a propósito das grandes obras públicas, antes das legislativas de 2009, atestando a folga e a credibilidade de Portugal?

 A irresponsabilidade política e a ganância financeira estão à vista, acompanhadas da implacável factura. Os portugueses já começaram a pagá-la. Agora só falta implementar o aumento da real tributação dos lucros da banca, bem como mostrar disponibilidade para avançar com uma nova taxa sobre as transacções financeiras, para completar o leque dos convocados para pagar a crise.
Actualmente, os esforços nacionais são exigíveis, como revela a extrema exigência do Orçamento de Estado para 2012. Todavia, não chegam; continua a ser necessária uma solução concertada na União Europeia. Os accionistas dos bancos têm de assumir as suas responsabilidades, como exigiu Durão Barroso. E tem faltado a Pedro Passos Coelho uma palavra clara de apoio ao presidente da Comissão Europeia, porventura a melhor forma de passar uma mensagem cristalina à banca: enquanto não contribuir para pagar a crise, não haverá a paz social essencial para a recuperação da economia.

Ninguém pode ficar de fora na hora de vender os anéis para salvar os dedos. Se houver agravamento, também terá excepcionalmente de se taxar as grandes fortunas e os rendimentos de capital. Aliás, o anúncio do aumento da taxa liberatória, de 21,5% para 30%, em relação às transferências financeiras para contas em paraísos fiscais, e o aumento de 5% na tributação dos lucros superiores a 10 milhões de euros são um sinal de que o governo é sensível a mais equidade.

Os banqueiros têm de reagir de uma forma pró-activa, encontrando soluções internas ou externas para enfrentar a crise da dívida soberana e do euro. E, como sublinhou Fernando Ülrich, presidente do BPI, as fusões fazem parte das opções a curto prazo, não sendo de excluir que alguns banqueiros já estejam em conversações há bastante tempo para encontrar uma plataforma de entendimento. Só assim podem garantir a solidez, assegurar o crédito à economia e reconquistar a credibilidade perdida nos últimos anos. E sem a confiança dos depositantes e o crescimento económico nem há negócio para a banca, nem lucros, por muitas isenções, linhas de crédito, garantias e avales estatais que haja.
Depois de décadas de descarada capitulação do poder político em relação ao poder financeiro, chegou a hora de mudar, de também exigir aos bancos um esforço adicional para acorrer à situação de emergência social. Os portugueses só aceitarão os sacrifícios se eles forem redistribuídos por todos, sem excepção.

domingo, 9 de outubro de 2011

A revolução que tarda





A tradicional maledicência, a leviandade intrínseca e a discussão da bola já não são o que eram. A angustiante discussão sobre a crise económica, as finanças públicas e o futuro do euro está a minar a confiança que ainda resta.

Os sentimentos de esperança, indiferença, resignação e revolta continuam a ser dominantes, mas o que impressiona é a suspeição larvar em relação às instituições e a cada um dos seus líderes. Ninguém escapa a este processo de transição, cuja metamorfose está a atacar novos e velhos, ricos e pobres, empregados e desempregados, pelo que urge uma resposta pela positiva, com mais acções do que palavras inconsequentes.

De facto, acabaram os tempos de ilusões. Há uma nova crise dentro da velha. A tendência colectiva para deixar ao tempo a tarefa de fazer o que agora compete a cada um pode custar ainda mais que qualquer desvio orçamental.

Enquanto o poder estiver entrincheirado nos gabinetes com ar condicionado e nos carros com vidros fumados, embalado em discursos de circunstância e jogadas de bastidores, os portugueses reforçarão a convicção de que tudo é, e será, sempre mais do mesmo.

O fosso abissal que está a ser cavado entre governantes e governados não pode ser varrido para debaixo do tapete, designadamente após mais uma manifestação de polícias, cujo zénite coincidiu com palavras de ordem destinadas a enxovalhar o poder executivo.

Mais desastroso ainda seria agravar esta clivagem com o ímpeto de uma reforma do poder regional e local sem demonstrar igual critério e rigor em relação ao Estado central.

Não é aceitável correr o risco de dar argumentos a quem estica o dedo em direcção ao poder de Lisboa. A solução não passa por confundir este ou aquele dirigente regional e local com o poder regional e local. Aliás, a título de exemplo, a confirmarem-se os únicos cortes anunciados para a RTP até agora, que afectam sobretudo os centros regionais, aqueles que mais precisam de ser protegidos em nome do serviço público, é caso para dizer que a austeridade que ainda está para chegar pode dar origem a mau tempo no canal e no país.

O caminho tem de ser outro: premiar, social e fiscalmente, o trabalho, o esforço e o mérito, no norte, no sul, no centro ou nas regiões autónomas. Esta é a revolução que tarda e continua a ser adiada, mas que pode devolver ao país a alegria e a energia, abrindo caminho ao emprego e ao crescimento.

Chega de conversa depressiva sobre o mundo, a União Europeia, a Grécia. É preciso ter a coragem política de encontrar novas soluções que permitam restabelecer a auto-estima e a confiança entre governantes e governados. O tempo da República para sair da crise pela porta grande começa a escassear.