domingo, 29 de setembro de 2019

TANCOS: MARCELO E COSTA QUISERAM SABER TUDO?


É em campanha eleitoral que tudo deve ser discutido, permitindo aos eleitores conhecer quem são os representantes que estão à beira de eleger.

E todas as questões são pertinentes e úteis para saber o que se passou em Tancos, pois estamos em presença do maior escândalo político desde o 25 de Abril de 1974.

Mas, sinceramente, centrar a investigação, e o debate político mais do que necessário e legítimo, apenas na obtenção da resposta à questão que está na ribalta - o presidente da República e o primeiro-ministro sabiam da encenação de Tancos? - é um passo gigante para tudo poder ficar na mesma.

Além do mais, quem conhece o funcionamento dos mecanismos do poder sabe, perfeitamente, da impossibilidade de Marcelo e Costa nada terem suspeitado ou sabido sobre o que se passou em Tancos depois da notícia do roubo do armamento.

E também sabe, inequivocamente, que, a partir do momento em que o assunto passou a "queimar", o sistema age no sentido de tentar deixar o presidente e o chefe do governo "a salvo". 

Por isso, necessariamente, o caminho tem de ser feito complementarmente através do escrutínio do cumprimento das funções de Estado de ambos, ou seja: Marcelo e Costa quiseram mesmo acompanhar como deviam o que se passou em Tancos?

E mesmo que, em teoria, fosse possível que todo o Universo tenha mentido ao presidente e ao primeiro-ministro, tal não impede que seja apurado se ambos quiseram, de facto, saber tudo sobre Tancos.

Aliás, não é crível para ninguém de bom senso que tanto o presidente como o primeiro-ministro tenham baixado a guarda depois do roubo de Tancos, tratando-se de um assunto de Estado com tal gravidade e repercussão internacional.

Numa Democracia de mais de 45 anos, não pode bastar o silêncio do faz-de-conta, nem a farsa de gritar aos sete ventos o apuramento de responsabilidades...

E, chegados a esta encruzilhada, a uma semana das eleições, é preciso fazer o primeiro balanço.

Rui Rio e Assunção Cristas têm cumprido o papel de oposição, escrutinando a acção do governo.

Por sua vez, PCP, Bloco, Verdes e PAN envergonham a Democracia ao abrir a porta a mais um tabu em campanha eleitoral, fazendo de conta que a partir do momento em que a Justiça entra em acção a política deve ficar calada.

Quanto ao silêncio do PS, os portugueses já conhecem o que a casa gasta desde o tempo de Sócrates.

Dito isto, e depois de conhecida a Acusação, também é importante sublinhar que o exercício do escrutínio do poder não se confunde com qualquer avaliação moral ou de de carácter dos titulares de cargos políticos e públicos, sendo por isso necessário vigilância sobre o que o Ministério Público vai fazer a seguir.

Hoje, com o que já se sabe, Marcelo e Costa não podem ficar à porta da Justiça, mais chefe de gabinete menos chefe de gabinete.

O princípio da verdade doa a quem doer não pode ser atraiçoado, mais uma vez, pela importância social e política de quem quer que seja, nem tão-pouco pela proclamação de boas intenções.

As manobras mais ou menos criativas e inconsequentes, seja do presidente da República - esteve para pedir a autorização do Conselho de Estado para depor no processo de Tancos, mas não pediu -, seja do primeiro-ministro - invocar o estatuto político e os 58 anos de idade -, não podem enfraquecer a determinação de quem tem o dever de perseguir quem prevaricou, por acção ou omissão.

É preciso levar o apuramento sobre a encenação de Tancos até ás últimas consequências, não esquecendo qualquer possibilidade, designadamente aquela que está na mente de todos os portugueses de boa-fé: se o presidente da República soubesse da criminosa encenação em Tancos necessariamente o primeiro-ministro também teria de saber, e vice-versa.

Ficar à porta da verdade em Tancos é pouco, muito pouco, para fortalecer o regime democrático e merecer a confiança dos portugueses.


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

CORRUPÇÃO COM NOVA CARTILHA


Os cargos de Francisca van Dunem, Pedro Nuno Santos e Graça Fonseca estão garantidos.

Contudo, não é através de decreto que os cidadãos passam a respeitar, respectivamente, os ministros da Justiça, das Infraestruturas e da Habitação e da Cultura.

Para "salvar" os três governantes, António Costa jogou tudo no alívio da pressão sobre a rolha da garrafa da corrupção ao mais alto nível do Governo e da Administração.

E Lucília Gago, procuradora-geral da República, chancelou a maior brecha no combate aos crimes de colarinho branco, desde o 25 de Abril de 1974, na proporcional medida em que as suas toilettes esvoaçam colorida e suavemente sobre as críticas do Conselho da Europa e de outras instituições internacionais.

Resta ainda saber se Lucília Gago vai determinar o carácter vinculativo do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ainda assim, como já parecem remotos os tempos em que Joana Marques Vidal sustentava a tese das «redes de corrupção instaladas no Estado» - aliás, corroborando Maria José Morgado -, a qual teve o mérito de perturbar a tranquilidade do bailete instalado e em curso.

Vamos aos factos, por exemplo em relação ao sector da Saúde, em que a grassa a suspeita da grande corrupção, para observar, salvo melhor opinião, a monstruosidade política da tese defendida por António Costa, e agora secundada pela PGR:

76% dos portugueses consideram que a qualidade dos serviços públicos de Saúde ficou na mesma ou piorou no último ano;

 65% dos portugueses consideram que a corrupção ficou na mesma ou aumentou no último ano.

A relevância destes dois números, recentemente publicados pelo "Expresso", obriga a fazer mais e muito melhor, mas o Governo e o MP optaram por recuar em relação à Lei, com efeitos ainda pouco perceptíveis quanto ao futuro.

Só um serventuário do poder pode confundir o escrutínio implacável e o reforço da transparência com uma qualquer suspeição que tem subjacente uma avaliação de carácter dos titulares de cargos políticos e públicos.

De facto, com o parecer do Conselho Consultivo da PGR quase metade do PIB nacional controlado pelo Estado passou a estar mais exposto ao compadrio e às redes de influências.

Já sabíamos que esta espécie de PS que ocupa o poder padece de uma alergia crónica em relação à ética republicana, um princípio, aliás, cada vez mais abastardado, como comprova a extraordinária fantasia, tão impune quanto mirabolante, de ninguém ter dado conta no Largo do Rato do elefante no meio da loja.

Agora, desgraçadamente, ficámos a saber que a nova cúpula do Ministério Público atirou a toalha ao chão, quiçá plasticizando o atrevimento passado de incomodar um par de poderosos, e reforçou a percepção generalizada de um perdoa-me rastejante.