É em campanha eleitoral que tudo deve ser discutido, permitindo aos eleitores conhecer quem são os representantes que estão à beira de eleger.
E todas as questões são pertinentes e úteis para saber o que se passou em Tancos, pois estamos em presença do maior escândalo político desde o 25 de Abril de 1974.
Mas, sinceramente, centrar a investigação, e o debate político mais do que necessário e legítimo, apenas na obtenção da resposta à questão que está na ribalta - o presidente da República e o primeiro-ministro sabiam da encenação de Tancos? - é um passo gigante para tudo poder ficar na mesma.
Além do mais, quem conhece o funcionamento dos mecanismos do poder sabe, perfeitamente, da impossibilidade de Marcelo e Costa nada terem suspeitado ou sabido sobre o que se passou em Tancos depois da notícia do roubo do armamento.
E também sabe, inequivocamente, que, a partir do momento em que o assunto passou a "queimar", o sistema age no sentido de tentar deixar o presidente e o chefe do governo "a salvo".
Por isso, necessariamente, o caminho tem de ser feito complementarmente através do escrutínio do cumprimento das funções de Estado de ambos, ou seja: Marcelo e Costa quiseram mesmo acompanhar como deviam o que se passou em Tancos?
E mesmo que, em teoria, fosse possível que todo o Universo tenha mentido ao presidente e ao primeiro-ministro, tal não impede que seja apurado se ambos quiseram, de facto, saber tudo sobre Tancos.
Aliás, não é crível para ninguém de bom senso que tanto o presidente como o primeiro-ministro tenham baixado a guarda depois do roubo de Tancos, tratando-se de um assunto de Estado com tal gravidade e repercussão internacional.
Numa Democracia de mais de 45 anos, não pode bastar o silêncio do faz-de-conta, nem a farsa de gritar aos sete ventos o apuramento de responsabilidades...
E, chegados a esta encruzilhada, a uma semana das eleições, é preciso fazer o primeiro balanço.
Rui Rio e Assunção Cristas têm cumprido o papel de oposição, escrutinando a acção do governo.
Por sua vez, PCP, Bloco, Verdes e PAN envergonham a Democracia ao abrir a porta a mais um tabu em campanha eleitoral, fazendo de conta que a partir do momento em que a Justiça entra em acção a política deve ficar calada.
Quanto ao silêncio do PS, os portugueses já conhecem o que a casa gasta desde o tempo de Sócrates.
Dito isto, e depois de conhecida a Acusação, também é importante sublinhar que o exercício do escrutínio do poder não se confunde com qualquer avaliação moral ou de de carácter dos titulares de cargos políticos e públicos, sendo por isso necessário vigilância sobre o que o Ministério Público vai fazer a seguir.
Hoje, com o que já se sabe, Marcelo e Costa não podem ficar à porta da Justiça, mais chefe de gabinete menos chefe de gabinete.
O princípio da verdade doa a quem doer não pode ser atraiçoado, mais uma vez, pela importância social e política de quem quer que seja, nem tão-pouco pela proclamação de boas intenções.
As manobras mais ou menos criativas e inconsequentes, seja do presidente da República - esteve para pedir a autorização do Conselho de Estado para depor no processo de Tancos, mas não pediu -, seja do primeiro-ministro - invocar o estatuto político e os 58 anos de idade -, não podem enfraquecer a determinação de quem tem o dever de perseguir quem prevaricou, por acção ou omissão.
É preciso levar o apuramento sobre a encenação de Tancos até ás últimas consequências, não esquecendo qualquer possibilidade, designadamente aquela que está na mente de todos os portugueses de boa-fé: se o presidente da República soubesse da criminosa encenação em Tancos necessariamente o primeiro-ministro também teria de saber, e vice-versa.
Ficar à porta da verdade em Tancos é pouco, muito pouco, para fortalecer o regime democrático e merecer a confiança dos portugueses.