As grandes manifestações fazem parte do Portugal democrático. Porém, as
últimas do consulado de Sócrates, que contribuíram para o sonho de mudança, não
evitaram que o povo voltasse a cair no logro de eleger gato por lebre em 21 de
Junho de 2011.
Por melhores que tenham sido as suas intenções, Pedro Passos Coelho transformou-se
numa fraude política. E Paulo Portas, com uma agenda pessoal e instrumental, já
abandonou a farsa de parecer diferente.
Poucos poderiam imaginar que, ainda antes de metade do mandato conferido
pelos portugueses, os membros do Governo pudessem ser tratados de uma forma tão
humilhante sempre que colocam um pé fora dos gabinetes.
Não é de estranhar que o epíteto de "gatuno" seja gritado a cada
aparição pública desta gente, com seguranças por todo o lado, que não é
respeitada, nem se dá ao respeito, interna e externamente.
No momento em que os portugueses são convidados a expressar a sua opinião,
sob a forma de mais uma manifestação de rua, convocada por um movimento cívico –
"Que Se Lixe A Troika" –, que tem tanto de juventude como de
errático, importa recordar que o protesto não é um fim em si mesmo, não tem
apenas uma única forma de expressão, nem um lugar de eleição definido.
Neste momento, é determinante tentar encher as ruas do país, de forma a
medir a indignação dos cidadãos, mas é ainda mais importante promover a
consciencialização colectiva de que chegámos ao fim da linha de um sistema corrupto
e iníquo.
O exemplo italiano é paradigmático.
A vitória do comediante Beppe Grillo nas últimas legislativas italianas, em
número de votos, é um sinal inequívoco de recusa de mais do mesmo, seja ele Pier
Luigi Bersani, Silvio Berlusconi ou Mario Monti. E foi mais um passo para abalar
o vale-tudo que se apoderou da globalização.
Os portugueses não podem ficar pelos cartazes e pelo folclore do protesto
pontual e periódico. Nem ficar à espera que o exemplo da resignação de Bento
XVI inspire alguns espíritos menos iluminados.
Têm de começar pelo princípio, desde logo recusando os palpites dos "sábios",
que nos atiraram para a actual situação, pelas passerelles da imprensa mainstream.
É no dia-a-dia que está a diferença.
É na denúncia do favorecimento gritante dos mais fortes em detrimento dos
mais fracos, no escrutínio de uma justiça metida na cova dos interesses
políticos e partidários, na atitude de exigência de renovação nos partidos
tradicionais e no favorecimento da emergência de novas forças políticas que pode
estar a solução.
Em suma, é na afirmação da rejeição deste sistema, sem ter medo do papão de
putativos populismos, sejam eles de esquerda ou de direita, é na penalização
eleitoral de quem está sempre dentro do caldeirão do poder, ao mesmo tempo que insiste
em reclamar um estatuto de impoluto, que está a chave do futuro.
No momento do voto, os portugueses não podem esquecer todo o sofrimento que
sentiram e continuam a viver, com o desemprego a atingir limites inimagináveis,
nem tão-pouco permitir a constante tentativa de branqueamento dos responsáveis
pelo actual caos instalado que ainda vai durar muitos e longos anos.
O momento
de introduzir o voto na urna é sempre uma oportunidade de ouro renovada para
varrer, de uma vez por todas, os rostos dos responsáveis pela crise que se perpetuam
no poder e à volta dele, sempre com o mesmo descaramento e idêntica impunidade,
indiferentes a todos os protestos e sempre disponíveis para engolir o que for
preciso para manter as aparências.