sábado, 12 de janeiro de 2013

A troika aguenta, aguenta



O relatório técnico do FMI é uma fotografia do país que balança entre o preço de ter que mudar de vida à pressa e a perspectiva do abismo.

Portugal está permanentemente nesta situação: ter de fazer opções forçadas, sem tempo para reflectir e para poder escolher.

Os sucessivos adiamentos das medidas difíceis,  que já deviam ter sido implantadas há pelo menos uma década, colocam o país, mais uma vez, neste dilema de ter sempre que escolher entre o mau e o péssimo.

O cenário não se cinge apenas às questões económicas e financeiras. Em termos políticos, o país vive na mesma situação: o país já está farto de Pedro Passos Coelho, mas ainda vacila em relação a eleições antecipadas.

António José Seguro percebeu que chegou o tempo de forçar a abertura da porta a uma clarificação: ou Pedro Passos Coelho arrepia caminho, ou o PS obrigará o governo a enfrentar uma moção de censura no Parlamento.

As consequências são imprevisíveis, pois o primeiro-ministro já perdeu toda a margem de manobra depois do monumental recuo em relação à TSU; e quanto a Paulo Portas, então nem vale a pena falar, pois, além da maçada de ter que alterar o seu périplo pelo mundo, o líder do CDS-PP seria obrigado a revelar se está mesmo contrariado com o rumo da governação.

O primeiro-ministro não foi eleito para aplicar a (suposta) receita draconiana do FMI. E só a renovação da legitimidade eleitoral lhe pode permitir avançar com um programa de governo que, literalmente, escondeu dos portugueses.

O que está em cima da mesa é simples: Pedro Passos Coelho sabe que é impossível, no actual contexto social, implementar algumas das (sugeridas) medidas, que andaram a ser varridas para debaixo do tapete por anteriores governos, desde logo porque o governo está politicamente morto por causa dos seus erros clamorosos.

A manutenção deste braço-de-ferro com o presidente da República, a oposição e os portugueses não vai levar a lado nenhum. A instabilidade permanente que está a provocar só pode resultar num ziguezaguear penoso e inconsequente, tanto mais que a maioria está minada por dentro.

Ou assumimos que queremos passar as passas do Algarve para rapidamente voltarmos aos mercados financeiros, ou então adoptamos uma via menos dolorosa para atingir o mesmo resultado a médio prazo.

É imperioso ouvir os portugueses. E se as eleições antecipadas continuam a gerar dúvidas, então só um referendo pode esclarecer, definitivamente, o que os portugueses querem.

Não vale a pena fazer de conta que mais um pacto de regime permite ultrapassar o impasse.

O tempo da lógica do assim-assim, consubstanciado no calculismo estéril do último discurso presidencial, sempre nas costas dos portugueses, já provocou estragos devastadores.

Esta é a última oportunidade de corrigir o monumental equívoco de 2001, em que José Manuel Durão Barroso foi eleito apenas por uma unha negra (2,31%), por causa de insistir em carregar às costas a tralha cavaquista.

A violência do discurso público não engana. O país está farto de mentirosos, incompetentes e corruptos. E tem o direito a escolher o seu caminho, bem como os representantes políticos com coragem de assumir as suas ideias, de decidir em prol do interesse colectivo e livres da responsabilidade dos erros e vigarices que fizeram regressar a miséria e a fome do passado.

Não há que ter medo do futuro nem dos credores internacionais. A troika aguenta, aguenta, o tempo que for necessário para o país tentar ultrapassar, mais uma vez, o bloqueio em que continua mergulhado.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Passos sem drama



O presidente da República abriu a porta a eleições antecipadas. E o Governo já fez constar que pode forçar a saída se o orçamento for inconstitucional.

Ainda que ambos recusem admiti-lo, expressamente, Aníbal Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho entraram num caminho sem retorno. E ainda bem!

Da esquerda à direita, dos mais radicais aos mais moderados, todos já compreenderam que o país voltou a saltar dos carris. Os sinais de distanciamento, quiçá de revolta, são evidentes.

O autoritarismo, a opacidade nos negócios de Estado e a falta de uma cultura de responsabilização política reocuparam a cena política e a agenda mediática. A cultura do posso, quero e mando, sustentada na mentira eleitoral e numa legitimidade cada vez mais formal, só pode acabar na precipitação da queda do Governo.

É insustentável manter uma governação que avança e recua, ao ritmo dos protestos e da força dos interesses e das corporações, que impõe medidas draconianas aos mais fracos e concede bennesses aos mais poderosos.

Os portugueses perderam a confiança em Pedro Passos Coelho. Não há gráfico, queda de juros, indicador financeiro e apoio internacional suficientes para disfarçar o avolumar do desconforto interno.

Mas não há drama. E os mercados internacionais não constituem um papão face a uma situação de instabilidade política pontual, pois o que lhes interessa, de facto, é que o Governo em funções seja capaz de criar as condições para poderem recuperar os seus créditos.

Qualquer estratégia de medo, de ameaça e de intimidação, com base no preceito constitucional ou numa eventual reacção  dos nossos credores, seja para manter o Governo ou para o afastar, é um caminho condenado ao fracasso.

De igual modo, e ao mesmo tempo que tenta reequilibrar as contas públicas, o país tem de enfrentar os seus problemas de regime. A questão constitucional não pode ser tabu, nem alibi para justificar qualquer desaire governativo.

A partir daqui, só há duas vias: a clarificação política ou o apodrecimento do clima institucional, político e social.

O surgimento de novas forças políticas é a única via para acabar com três décadas de desvario do Bloco Central dos interesses. A fossilização do espectro partidário só pode conduzir a um afastamento ainda maior dos portugueses, ao aumento do nível da abstenção nas eleições, sejam elas antecipadas ou não.

O consenso não se impõe, procura-se. E quando não é possível alcançá-lo, não estamos perante uma fatalidade. Em democracia, não há que ter medo do mecanismo que permite ultrapassar todos os impasses.

A questão não pode ser determinada pela existência ou inexistência de uma maioria. Como podemos verificar, actualmente, ela não garante o que quer que seja. Aliás, as condições que resultaram na queda do governo minoritário de Cavaco Silva, que lhe permitiu alcançar a primeira maioria absoluta nas eleições antecipadas de Julho de 1987, são muito diferentes daquelas que, tudo indica, vão levar os portugueses às urnas em 2013.

Neste momento, o arrastamento de Pedro Passos Coelho em funções, com ou sem Miguel Relvas no Executivo, é apenas um mero desperdício de tempo que o país não tem para perder. O tempo da recuperação da confiança já passou.

Ou o presidente da República arranja uma solução à italiana, encontrando o Monti que nos tem faltado, ou o país tem de ser chamado às urnas para acabar com este apodrecimento galopante.

A crise está em cima da mesa. Pedro Passos Coelho falhou. E os portugueses merecem um novo horizonte para poderem acreditar.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Livrarmo-nos desta gente



Não há memória de um final de ano tão patético. Os portugueses acabam 2012 em estado de choque. Será que vão ficar à espera da tempestade perfeita?

A situação é evidente: o presidente da República está paralisado, o Governo entrou em pausa, o primeiro-ministro perdeu a compostura, o número dois da coligação passeia pelo mundo e o líder do maior partido da oposição não tem uma alternativa credível.

O protesto pelo protesto vale o que vale. O apelo ao “apagão nacional”, durante a Mensagem de Natal do primeiro-ministro, que correu nas redes sociais, é apenas uma espécie de baixar de braços. Não chega provar que Pedro Passos Coelho conseguiu em menos de dois anos o que José Sócrates só conseguiu ao fim de seis anos, ou seja, os portugueses já não aguentam ter de o ver, ouvir e até ler.

Mais do que o folclore inconsequente, importa criar novas alternativas políticas. Afinal, onde estão as centenas de milhar de pessoas que foram para as ruas, no passado dia 15 de Setembro, deixando os partidos, os senadores e os sindicatos sentados no sofá a ver a maior manifestação de sempre em Portugal?

O desejo de mudança existe e a mobilização é manifesta, mas continuam a faltar os catalisadores com capacidade para institucionalizar as alternativas e apoiar as escassas figuras políticas que não participaram, não beneficiaram e nunca se confundiram com este imenso atoleiro à beira mal plantado.

Chegou a hora de dar o passo seguinte, de participar, de assumir escolhas e de ultrapassar a barreira formada pelo establishment que continua a engordar num país em que os consensos se continuam a fazer debaixo da mesa, sempre nas costas dos portugueses.

Portugal tem de se abrir a novos rostos, a novas ideias, tem de correr riscos positivos. Não pode continuar nas mãos de protagonistas esgotados: Aníbal Cavaco Silva está ferido de morte por causa dos negócios pessoais e privados com os amigos do BPN; Pedro Passos Coelho sempre que abre a boca incendia o país; Paulo Portas, entre umas viagens intercontinentais, amua e desamua ao ritmo das escalas aeroportuárias; António José Seguro continua no trapézio, entre a liderança de uma oposição responsável e a contenção daqueles que nos obrigaram à assistência internacional.

A estabilidade governamental é um mito. Aliás, se olharmos para as últimas três décadas, ela serviu sempre para que as grandes decisões tenham sido tomadas por uma cúpula dirigente, sem qualquer legitimidade eleitoral para as concretizar, obedecendo a interesses difusos que tresandam a tráfico de influências e a alta corrupção.

A partir daqui, se a sociedade não contrariar os fundamentos que estão na origem desta vertigem que está a consumir o país, mais e mais, a cada dia que passa, a degradação só pode ser ainda mais galopante.

Portugal nunca conseguirá libertar-se da dívida e conquistar um futuro melhor com um Governo esgotado, sem coordenação política e emaranhado em negócios pouco transparentes.

A ruptura com este Bloco Central de interesses que tem destruído o país, com o beneplácito da passividade da maioria dos portugueses, é o único ponto de partida para mudar de vida.

Em Democracia, a alternativa é sempre a consulta popular. A perspectiva de eleições antecipadas em 2013 não pode ser encarada como o fim, mas como a oportunidade de ouro para poderem emergir novos líderes e soluções políticas.


O melhor que podia acontecer em 2013 é simples: livrarmo-nos desta gente, sejam quais forem as tentativas de intimidar os portugueses através da ameaça e do medo.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Imaginem por um momento




Durante o Natal, num ritual anual, a tristeza costuma ceder à esperança. Porém, este ano, nem a força da tradição consegue vergar a revolta e a tristeza dos portugueses.

O momento simbólico desta realidade ocorreu no último debate quinzenal. O primeiro-ministro, os ministros e os deputados sentiram, por uma fracção de segundo, o frémito provocado pelo grito de um cidadão anónimo, que não aguentou mais:

— «A democracia é uma ilusão, está prestes a acabar».

A frase até pode ser fruto do impulso de um desempregado que chegou ao limite das suas forças, mas devia convocar todos, sobretudo os governantes, para o facto de alguns cidadãos terem atingido o limite do humanamente suportável.

A resposta a este e a tantos outros portugueses não passa por declarar uma guerra imaginária, mas sim por corresponder às extremas dificuldades com que vivem, ou melhor, sobrevivem.

Tornou-se insuportável aguentar um poder político que exige tudo aos outros e tão pouco a si próprio, tais são as constantes birras, trapalhadas, traficâncias, opacidades, incompetências e vulgaridades em que está permanentemente enredado.

É impossível continuar a acreditar num primeiro-ministro incapaz de promover novas soluções, sem força para mobilizar os cidadãos e disposto a sacrificar teimosamente a credibilidade de o governo às mãos do seu braço-direito.

O sapatinho dos portugueses está vazio de boas novidades e até de esperança. E continuar a puxar indiscriminadamente pelo chicote, qual massacre fiscal e corte brutal de direitos adquiridos, só pode acabar mal, quiçá numa revolta social.

Imaginem, por um momento, como seria mais fácil a vida do país com um primeiro-ministro sem tiques messiânicos, capaz de falar verdade e de gerar confiança.

 Imaginem, por um momento, só por um momento, como seria mais fácil aceitar a venda de símbolos nacionais a investidores com rosto, independentemente de serem amigos ou inimigos deste ou daquele, e com transparência.

 Imaginem, por um momento, só por mais um momento, como a democracia seria mais respirável sem Miguel Relvas & companhia no poder.

 O que se passou nas privatizações da EDP e da REN e, agora, com os falhanços monumentais nas tentativas de vender a TAP e a RTP, é impensável para quem quer ser digno da confiança do povo.

 A multiplicidade de suspeitas que percorrem a imprensa, diariamente, não podem ofender o primeiro-ministro e o governo. O que os deveria ofender é o espectáculo degradante que está a dar cabo do que resta da confiança dos cidadãos na democracia.

 O grande desafio de Pedro Passos Coelho, desde a sua tomada de posse, era formar um governo competente, limpo e com capacidade para falar verdade. A percepção generalizada é que falhou. Afinal, o primeiro-ministro está descredibilizado, desorientado e desgastado.

 Chegou o momento de corrigir os erros. E de ponderar as vantagens de uma profunda remodelação governamental, capaz de renovar a estratégia do custe o que custar, porque o país já não aguenta mais.

Os portugueses estão bem conscientes da situação. E não querem voltar ao tempo dos truques, das manipulações grosseiras e das infantilidades da imagem. Mas manter tudo na mesma é um fanatismo que não vai ajudar a resolver os problemas, só pode contribuir para tornar a situação ainda mais explosiva.

O governo chegou ao fim da legislatura em farrapos. E, agora, tem de ter a coragem para reparar o que correu mal. Ninguém exige milagres a Pedro Passos Coelho, mas ninguém vai permitir que liquide a democracia.