Durante o
Natal, num ritual anual, a tristeza costuma ceder à esperança. Porém, este ano,
nem a força da tradição consegue vergar a revolta e a tristeza dos portugueses.
O momento
simbólico desta realidade ocorreu no último debate quinzenal. O
primeiro-ministro, os ministros e os deputados sentiram, por uma fracção de
segundo, o frémito provocado pelo grito de um cidadão anónimo, que não aguentou
mais:
— «A
democracia é uma ilusão, está prestes a acabar».
A frase até
pode ser fruto do impulso de um desempregado que chegou ao limite das suas
forças, mas devia convocar todos, sobretudo os governantes, para o facto de
alguns cidadãos terem atingido o limite do humanamente suportável.
A resposta
a este e a tantos outros portugueses não passa por declarar uma guerra imaginária,
mas sim por corresponder às extremas dificuldades com que vivem, ou melhor,
sobrevivem.
Tornou-se
insuportável aguentar um poder político que exige tudo aos outros e tão pouco a
si próprio, tais são as constantes birras, trapalhadas, traficâncias, opacidades,
incompetências e vulgaridades em que está permanentemente enredado.
É
impossível continuar a acreditar num primeiro-ministro incapaz de promover
novas soluções, sem força para mobilizar os cidadãos e disposto a sacrificar
teimosamente a credibilidade de o governo às mãos do seu braço-direito.
O sapatinho
dos portugueses está vazio de boas novidades e até de esperança. E continuar a
puxar indiscriminadamente pelo chicote, qual massacre fiscal e corte brutal de
direitos adquiridos, só pode acabar mal, quiçá numa revolta social.
Imaginem,
por um momento, como seria mais fácil a vida do país com um primeiro-ministro
sem tiques messiânicos, capaz de falar verdade e de gerar confiança.
Imaginem, por um momento, só por um momento,
como seria mais fácil aceitar a venda de símbolos nacionais a investidores com
rosto, independentemente de serem amigos ou inimigos deste ou daquele, e com
transparência.
Imaginem, por um momento, só por mais um
momento, como a democracia seria mais respirável sem Miguel Relvas &
companhia no poder.
O que se passou nas privatizações da EDP e da
REN e, agora, com os falhanços monumentais nas tentativas de vender a TAP e a RTP,
é impensável para quem quer ser digno da confiança do povo.
A multiplicidade de suspeitas que percorrem a
imprensa, diariamente, não podem ofender o primeiro-ministro e o governo. O que
os deveria ofender é o espectáculo degradante que está a dar cabo do que resta
da confiança dos cidadãos na democracia.
O grande desafio de Pedro Passos Coelho, desde
a sua tomada de posse, era formar um governo competente, limpo e com capacidade
para falar verdade. A percepção generalizada é que falhou. Afinal, o
primeiro-ministro está descredibilizado, desorientado e desgastado.
Chegou o momento de corrigir os erros. E de
ponderar as vantagens de uma profunda remodelação governamental, capaz de
renovar a estratégia do custe o que custar, porque o país já não aguenta mais.
Os
portugueses estão bem conscientes da situação. E não querem voltar ao tempo dos
truques, das manipulações grosseiras e das infantilidades da imagem. Mas manter
tudo na mesma é um fanatismo que não vai ajudar a resolver os problemas, só
pode contribuir para tornar a situação ainda mais explosiva.
O governo chegou ao fim da legislatura em farrapos. E, agora, tem
de ter a coragem para reparar o que correu mal. Ninguém exige milagres a Pedro
Passos Coelho, mas ninguém vai permitir que liquide a democracia.
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