sábado, 29 de setembro de 2012

Ministra da Justiça versus tempo de impunidades e espiões


Paula Teixeira da Cruz foi uma das maiores esperanças do governo de Passos Coelho.

Passado mais de um ano de governação é chegado o momento de repetir a afirmação, em jeito de interrogação, que a ministra tantas e tantas vezes tem feito, e que recentemente voltou a repetir a propósito das buscas efectuadas a três ex-governantes socialistas.

O tempo das impunidades acabou?

Em termos objectivos a resposta só pode ser uma: Não!

A ministra tem andado distraída com polémicas com o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, e tem consumido parte do seu tempo com reformas que ainda não saíram do papel.

Ora, e passe o juridiquês, as alterações ao Código de Processo Penal, a reforma do Código de Processo Civil e do mapa judiciário e a sempre prometida criminalização do enriquecimento ilícito sabem a pouco, a muito pouco.

Se um ano e dois meses é pouco tempo para fazer o tanto que há a fazer na Justiça, e ainda que, aparentemente, tenha acabado o regabofe de desperdícios, e não só, no Ministério da Justiça, a verdade é que outras reformas, essenciais para garantir mais transparência e mais celeridade, continuam engavetadas nos corredores da burocracia.

Por exemplo, a informatização na Justiça continua a arrastar-se, penosamente, servindo apenas para beneficiar os prevaricadores e para alimentar os truques e os lóbis que assaltaram a Justiça. E mais. Ainda ninguém conhece a escolha do nome do próximo procurador-geral da República.

Como refere Maria José Morgado, no último artigo de opinião intitulado “Crónica sobre o NADA”, facilmente se pode atestar que o tempo das impunidades está longe, muito longe de terminar: «A informatização dos inquéritos é uma miragem. Não há trabalho em rede nem ligação informática entre polícias, nada».

Este balanço devastador corresponde ao sentimento do cidadão comum, que deixou de acreditar na Justiça e, mesmo quando quer acreditar, não recorre a ela por incapacidade financeira em manter um processo durante anos e anos a fio.

As dúvidas legítimas e fundadas sobre o funcionamento da Justiça portuguesa chegaram a tal ponto que, actualmente, até Jorge Silva Carvalho já surgiu na imprensa como pseudo vítima do esmagamento dos direitos de defesa.

O pasto para as dúvidas é tal, quiçá fruto de uma manipulação soez por enquanto sem nome próprio, que já está em curso, aparentemente, a vitimização de quem está acusado pelo MP dos crimes de violação de segredo de Estado, acesso ilegítimo agravado, abuso de poder e corrupção passiva para acto ilícito. Ora, a coisa é tão grosseira que até o advogado do ex-espião sentiu necessidade de se demarcar publicamente.

O ex-director do SIED tem obviamente o direito à defesa - que na minha opinião não pode ficar prejudicado por qualquer segredo de Estado, sempre o defendi -, mas ninguém se pode esquecer que, por um lado, a investigação do MP não quebrou o segredo de Estado, e, por outro, o espião sempre defendeu com unhas e dentes o segredo de Estado, quer enquanto responsável das secretas, quer como cidadão chamado a testemunhar em tribunal.

A audácia de tentar confundir a opinião pública, com recurso a comparações infames, só tem vencimento porque os portugueses já deixaram de acreditar nos órgãos de soberania, na separação de poderes e nos meios de fiscalização dos diversos poderes.

De facto, continua a valer tudo, ou quase tudo. Até vale quem tenha o atrevimento, doloso ou não, de tentar confundir uma absolvição pelo mérito de conduta e uma remota possibilidade de absolvição por razões meramente formais.

Porque, com este governo e com esta ministra da Justiça, ainda estamos longe, muito longe de ter acabado com o tempo das impunidades.

sábado, 22 de setembro de 2012

Crise, submarinos e PGR


O golpe do líder do CDS-PP, o anúncio atabalhoado da TSU e a grande manifestação do passado dia 15 resultaram num despertar extraordinário da consciência cívica dos portugueses.

A sociedade portuguesa, qual panela de pressão à beira de rebentar, não aguentou e foi para a rua, civilizadamente, manifestar o protesto por anos e anos de atropelos e desrespeito pelas mais elementares regras do jogo democrático.

Infelizmente muitos confundiram o silêncio e a resignação dos portugueses com sinais de passividade. Outros até querem, à viva força, reduzir os protestos a uma mera reacção ao anúncio da subida da TSU. Mas não é por acaso, certamente, que a contestação se demarcou de todos os partidos políticos, beneficiando da ampliação cirúrgica dos órgãos de comunicação social desesperados por mais vendas e audiências.

Com mais ou menos conclave de líderes da maioria, reunião partidária de barões partidários, debate parlamentar ou maratona do Conselho de Estado, a verdade é que a situação já escapou ao controlo das instituições.

Acabou o tempo dos discursos habilidosos de um lado e do outro, pois os protestos estão a visar muito mais do que a austeridade brutal.

Se o poder político quiser sobreviver tem de evitar encenações institucionais ridículas e rituais de autoridade patéticos.

A descredibilização da presidência, a demagogia da oposição parlamentar e os sucessivos erros de Passos Coelho, a propósito das nomeações de boys, da privatização da EDP, da polémica das secretas e da manutenção de Miguel Relvas em funções, entre muitos outros, criaram um rastilho suficiente para fazer deflagrar a bomba da indignação.

Os portugueses estão a dar sinais visíveis e audíveis de que não estão dispostos a fazer mais sacrifícios enquanto permanecerem as suspeitas de corrupção, de nepotismo, de mentiras descaradas e de negociatas de Estado, enfim, de distanciamento do poder em relação aos cidadãos. As avaliações positivas da troika já não são suficientes.

Pela primeira vez, o habitual paleio daqueles que usam e abusam da dicotomia da esquerda e da direita foi por água baixo. Afinal, não é só Passos Coelho que está à beira de se afogar. É o todo o espectro político que passou a navegar em alto mar à beira do desastre.

Chegados aqui, resta perguntar: qual vai ser o epílogo deste despertar dos portugueses?

Neste momento, ninguém sabe.

Todavia uma coisa é certa: acabou o tempo em que os portugueses se limitavam a votar ordeiramente quando eram chamados às urnas.

Chegou a hora da governação com sentido de proximidade.

As últimas manifestações têm de ser olhadas com a atenção. É fundamental provar aos portugueses que os problemas que estão há décadas a montante das questões económicas e financeiras, como a Justiça, serão abordados com seriedade.

Não é de admirar que os portugueses concentrem as atenções, por exemplo, na triste novela dos submarinos e do desaparecimento dos contratos, entre outros escândalos judiciais que são atirados para debaixo do tapete com um descaramento inaudito.

Por isso também acabou o tempo do benefício da dúvida concedido a Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça.

A escolha do próximo procurador-geral da República pode ser o último balão de oxigénio desta democracia formal, que já perdeu há muito tempo o respeito por si própria.

A escolha de um nome que resulte apenas de mais um mero entendimento partidário, institucional e sindical pode ser o passo irreversível em direcção ao abismo.

A hora da mudança também chegou, finalmente, a Belém e a São Bento.

sábado, 15 de setembro de 2012

A lição do aumento da TSU



A razão venceu a demagogia na última entrevista do primeiro-ministro à RTP.

Com uma serenidade impressionante, Passos Coelho explicou as medidas anunciadas, desmontando as críticas que têm atingido um volume tal que, rapidamente, se estão a virar contra quem as tem proferido.

No entanto, o brilhantismo com que o primeiro-ministro enfrentou as perguntas dos dois jornalistas, que demonstraram uma intranquilidade desnecessária, foi suficiente?

Não.

O mal já estava feito. E o erro persistiu, ao não dar a mão à palmatória, quando não teve coragem de assumir, claramente, que o anúncio do aumento da Taxa Social Única foi precipitado pela necessidade de apresentar uma solução de último recurso para evitar qualquer risco de um eventual chumbo da troika.

Certamente, ao assumir o risco do falhanço, as críticas teriam chovido de todo o lado, mas teria usufruído dos benefícios de ter conseguido chamar os portugueses para o lado da emergência nacional, para o posterior sucesso da quinta avaliação positiva da troika e para a necessidade de travar o aumento do desemprego a curto prazo.

O resultado de não falar toda a verdade aos portugueses está aí à vista de todos. Os principais responsáveis pela crise desabriram em palpites sobre uma medida que, pasme-se, ainda ninguém sabe como vai ser aplicada, chegando ao delírio de contabilizar quantos salários os portugueses vão perder por ano.

O disparate repetido à exaustão, por uma comunicação social que não quis ou não conseguiu escrutinar a verdadeira motivação do timing do anúncio da medida, resultou numa instabilidade com repercussões ainda desconhecidas.

Ainda que mantenha a preocupação em informar os portugueses da gravidade da situação, Pedro Passos Colho ficou, mais uma vez, a meio caminho do seu indeclinável dever.

A hesitação em assumir as responsabilidades no falhanço das metas anunciadas, que o deixaria debaixo de fogo político, abriu as portas aos seus inimigos, a quem ainda não deixou de sonhar com voos mais altos e, sobretudo, a todos aqueles que estão a ver em perigo todo o tipo de mordomias que atiraram o país para a dependência de credores estrangeiros, sejam eles trabalhadores ou patrões, parceiros políticos ou adversários partidários.

É sempre reconfortante ouvir um primeiro-ministro reafirmar que ouve as partes, mas que é ele o último responsável e decisor. Todavia, para governar pela própria cabeça, sem obter previamente os améns dos senadores, banqueiros, empresários, sindicatos, lobbistas e intermediários dos grandes interesses, Pedro Passos Coelho não pode dar o flanco. Tem de apresentar resultados e não pode colocar o governo refém de um ministro que já devia ter sido demitido há muito tempo, e que, ainda por cima, insiste em falar do além.

Num momento decisivo para Portugal, Passos Coelho não tem que se preocupar com as quezílias com Cavaco Silva, ou com as tentações políticas de Paulo Portas, ou com a sofreguidão que alguns demonstram em regressar ao poder, ou mesmo com as crises políticas mais ou menos encenadas.

O maior inimigo do primeiro-ministro é ele próprio, quando teme ser o que prometeu ser, quando treme no momento de fazer os mais ricos pagar a crise, quando vacila em enfrentar os lóbis e os grandes interesses, quando coloca o interesse nacional refém das suas amizades e clientelas.

A margem de manobra do governo só estreita quando o primeiro-ministro se distrai do essencial: falar toda a verdade aos portugueses.

sábado, 8 de setembro de 2012

Brincar com o fogo



Pedro Passos Coelho já conseguiu modificar uma parte das práticas e das mentalidades que conduziram o país ao desastre, mas a verdade é que ainda sabe a muito pouco, continua por consolidar a verdadeira mudança prometida.

No essencial tudo permanece na mesma. Os ricos escapam à crise, os poderosos esmagam os mais fracos, a justiça não trava os arbítrios, a burocracia permanece imperial, os abusos confundem-se com a segurança, os lucros particulares sobrepõem-se ao interesse nacional, os negócios de Estado transformam-se em negociatas privadas.

Por isso, e numa análise serena ao último discurso de Pedro Passos Coelho, temos de admitir que o país está a atingir um patamar que nos pode trazer mais problemas do que vantagens.

Com a coligação governamental paralisada por chicanas e com a oposição cada vez mais crispada, o anúncio de mais um aumento de impostos constitui uma rampa de lançamento para uma nova etapa da contestação social.

É neste ambiente pesado que vai ser anunciada a quinta avaliação da troika, mas começa a ser cada vez mais evidente que os nossos verdadeiros problemas estão a montante dos modelos, das estatísticas, dos indicadores e até do financiamento externo.

O país continua a viver de farsa em farsa, como revelam as últimas semanas: a propaganda do bom aluno convive pacificamente com os sucessivos falhanços dos objectivos; o governo que devia ser de salvação nacional continua encalhado em Miguel Relvas; Paulo Portas submerge nas profundezas de novas suspeitas sobre os submarinos; face a mais um apertão fiscal, lá veem os boys garantir que não há aumento de impostos; enquanto os cortes afectam o serviço público de saúde, educação, justiça e segurança, a corte do costume enche a boca com a RTP.

Está a faltar qualidade, estratégia e seriedade. Certamente, não é por acaso que o investimento estrangeiro que está a chegar vem de Angola e da China, sabe-se lá em que condições.

Numa época em que o país está a ser consumido pelos incêndios, é caso para dizer que os maiores pirómanos estão no governo.

O governo não pode continuar a prometer que vai fazer para depois recuar quando estão em jogo os grandes interesses; a coesão da coligação não pode estar dependente de tricas partidárias e do ritmo de investigações judiciais; a repartição dos sacrifícios tem de ser mais justa.

Os portugueses estão a começar a ficar fartos de quem está sempre disponível para engolir a dignidade, desde que estejam em causa os seus próprios interesses particulares.

Já não bastam as habituais encenações e os estafados truques da pose de Estado, do corpo às balas e do punhado de sound bytes para alterar a enorme desconfiança em relação ao governo a perder gás e à oposição cada vez mais delirante.

A questão também já não são só os fumos de iniquidade, corrupção e fadiga fiscal, o que está verdadeiramente em causa é a sobrevivência do regime democrático.

É que uma nova maioria está ressurgir, sem uma clara definição política e doutrinária, manifestando abertamente o repúdio por esta democracia formal que não se dá conta do imenso ridículo em que está a mergulhar, com mais ou menos senador à mistura a debitar um discurso instrumental e incendiário.

Há cada vez mais vozes a desejar uma nova crise política, quiçá a escolha de um governo minoritário ao jeito italiano. Pode ser que Aníbal Cavaco Silva o receie. E esperemos que Pedro Passos Coelho o evite, custe o que custar, colocando a governação nos eixos.

Até para quem anda a brincar com o fogo tem haver sempre mais uma oportunidade.