sábado, 15 de dezembro de 2012

RTP: de Lisboa a La Valeta, Luanda e Panamá



A comunicação social portuguesa vive um momento delicado. De um momento para o outro, a maioria dos órgãos de comunicação social pode ficar na dependência de capitais estrangeiros.

Este movimento é ainda mais problemático se levarmos em linha de conta que, num ano de quebras de publicidade arrasadoras, tem sido registada uma misteriosa valorização das acções dos grupos Cofina e Impresa, conforme o "Jornal de Negócios" noticiou no passado dia 27 de Novembro.

É neste contexto que três questões, da maior relevância, devem ser observadas em conjunto: a recusa em aprofundar uma lei para prevenir a concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social; uma inusitada iniciativa da ERC - Entidade Reguladora da Comunicação Social; e a escolha do futuro modelo da RTP.

No dia 5 de Dezembro, os deputados do PSD e do CDS chumbaram um projecto do PS para reforçar a transparência em relação à propriedade dos órgãos de comunicação social. A iniciativa passou quase em claro, pois ninguém reconhece aos socialistas idoneidade nesta matéria, mas a posição da maioria abriu a porta a todo o tipo de suspeições.

Por sua vez, e depois de alguns jornalistas da RTP se enredaram à socapa num triste episódio com agentes da PSP, eis que surge o presidente da ERC, Carlos Magno, com uma hipótese estapafúrdia de elaboração de um "código de boas práticas" no acesso aos arquivos de jornalistas e de empresas jornalísticas.

Por último, um extemporâneo comunicado da empresa "Newshold", que controla o semanário "Sol" e detém uma participação qualificada no grupo Cofina – o tal cujas acções, recentemente, chegaram a valorizar 62% numa semana –, admite estar interessada em comprar a parte da televisão pública que o Estado está a ponderar alienar.

O investimento estrangeiro é uma boa notícia nos actuais tempos de crise, mas por que razão só os angolanos se interessam pela comunicação social portuguesa? E por que razão as empresas têm sede em paraísos fiscais duvidosos?

O serviço público prestado pela televisão é mau e muito caro, mas a única solução é privatizar 49% da RTP? É entregar esta fatia, aberta ou encapotadamente, a investidores protegidos pelo segredo dos offshores? Não é possível garantir, com mais transparência, um serviço público de televisão mais competente, mais independente e mais barato?

No meio de toda esta nuvem gigantesca, sempre pautada por mais e mais offshores espalhados por esse mundo fora, é legítimo perguntar: a comunicação social está à mercê das trapalhadas de Miguel Relvas & companhia?

A questão não se coloca por se gostar mais ou menos do ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e dos seus amigos, ou até por se considerar que já deveria ter sido demitido há muito tempo, mas sim por estar em causa, ou melhor, em risco, a transparência exigível num dos sectores mais sensíveis da Democracia.

Não está só em causa saber se os angolanos já começaram ou vão passar a condicionar o que entra todos os dias em casa dos portugueses. Nem tão-pouco perceber se já entraram ou ainda estão na porta das traseiras do controlo da comunicação social portuguesa.

O que realmente importa é afirmar que, felizmente, de Lisboa a La Valeta, a Luanda e ao Panamá ainda continua a existir uma grande distância. E recordar que a liberdade de imprensa é incompatível com tanta opacidade, em que ninguém sabe exactamente quem é quem e ao que vai.

O primeiro-ministro é o principal responsável pelo que se está a passar nos corredores do poder em relação à comunicação social. E, neste momento, já não pode dizer que não sabe de nada.


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