A comunicação social portuguesa vive um momento delicado. De um
momento para o outro, a maioria dos órgãos de comunicação social pode ficar na dependência de capitais estrangeiros.
Este movimento é ainda mais problemático se levarmos em linha de
conta que, num ano de quebras de publicidade arrasadoras, tem sido registada
uma misteriosa valorização das acções dos grupos Cofina e Impresa, conforme o
"Jornal de Negócios" noticiou no passado dia 27 de Novembro.
É neste contexto que três questões, da maior relevância, devem ser
observadas em conjunto: a recusa em aprofundar uma lei para prevenir a
concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social; uma inusitada iniciativa
da ERC - Entidade Reguladora da Comunicação Social; e a escolha do futuro
modelo da RTP.
No dia 5 de Dezembro, os deputados do PSD e do CDS chumbaram um
projecto do PS para reforçar a transparência em relação à propriedade dos
órgãos de comunicação social. A iniciativa passou quase em claro, pois ninguém
reconhece aos socialistas idoneidade nesta matéria, mas a posição da maioria
abriu a porta a todo o tipo de suspeições.
Por sua vez, e depois de alguns jornalistas da RTP se enredaram à
socapa num triste episódio com agentes da PSP, eis que surge o presidente da
ERC, Carlos Magno, com uma hipótese estapafúrdia de elaboração de um "código
de boas práticas" no acesso aos arquivos de jornalistas e de empresas
jornalísticas.
Por último, um extemporâneo comunicado da empresa
"Newshold", que controla o semanário "Sol" e detém uma
participação qualificada no grupo Cofina – o tal cujas acções, recentemente,
chegaram a valorizar 62% numa semana –, admite estar interessada em comprar a
parte da televisão pública que o Estado está a ponderar alienar.
O investimento estrangeiro é uma boa notícia nos actuais tempos de
crise, mas por que razão só os angolanos se interessam pela comunicação social portuguesa?
E por que razão as empresas têm sede em paraísos fiscais duvidosos?
O serviço público prestado pela televisão é mau e muito caro, mas
a única solução é privatizar 49% da RTP? É entregar esta fatia, aberta ou
encapotadamente, a investidores protegidos pelo segredo dos offshores? Não é possível garantir, com
mais transparência, um serviço público de televisão mais competente, mais
independente e mais barato?
No meio de toda esta nuvem gigantesca, sempre pautada por mais e
mais offshores espalhados por esse
mundo fora, é legítimo perguntar: a comunicação social está à mercê das
trapalhadas de Miguel Relvas & companhia?
A questão não se coloca por se gostar mais ou menos do ministro
Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e dos seus amigos, ou até por se considerar que já deveria
ter sido demitido há muito tempo, mas sim por estar em causa, ou melhor, em
risco, a transparência exigível num dos sectores mais sensíveis da Democracia.
Não está só em causa saber se os angolanos já começaram ou vão
passar a condicionar o que entra todos os dias em casa dos portugueses. Nem
tão-pouco perceber se já entraram ou ainda estão na porta das traseiras do
controlo da comunicação social portuguesa.
O que realmente importa é afirmar que, felizmente, de Lisboa a La Valeta, a Luanda e ao Panamá ainda continua a existir uma grande distância. E recordar que a liberdade de imprensa é
incompatível com tanta opacidade, em que ninguém sabe exactamente quem é quem e
ao que vai.
O primeiro-ministro é o principal responsável pelo que se está a
passar nos corredores do poder em relação à comunicação social. E, neste momento, já não pode dizer que não sabe de nada.
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