O actual clima
bafiento pode dar origem a uma resposta histórica dos portugueses nas próximas
eleições. Porventura, chegou o momento de mostrar o cartão vermelho à
corrupção, à incompetência, à falta de cultura democrática e respeito pelos
valores da ética republicana.
Pedro Bacelar
de Vasconcelos, no artigo de opinião intitulado o "Voto é nosso",
sublinha que «temos a obrigação de fazer ouvir a nossa própria voz para que
outros não se arroguem o direito de falar em nosso nome ou que o silêncio seja
interpretado como desistência ou rendição».
A perspectiva
do constitucionalista é legítima, mas não é a única.
Face ao panorama
político e partidário dos últimos anos, que levou à crise brutal, os
portugueses têm o direito de manifestar a sua indignação de uma outra forma,
tão legítima como qualquer outra.
Se não há
confiança nos candidatos e nos partidos políticos que representam, incluindo os
da maioria que governa o país, então a abstenção pode ser uma opção de
liberdade, consciente e responsável.
O voto de
protesto já não corresponde à penalização dos partidos que estão no poder e à
escolha de quem está na oposição, pois a alternância democrática dos últimos
anos provou que o regime entrou há muito tempo num beco sem saída.
Ainda que os
elevados índices de indiferença da parte dos eleitores não sejam um bicho-papão
para a generalidade da classe política, como comprova a indiferença de Aníbal Cavaco
Silva em relação ao facto de ter sido eleito por menos de metade dos
portugueses, a verdade é que uma elevada taxa de abstenção pode ser um forte sinal
de alerta que não pode ser escamoteado ou abafado. E mais: é um factor, como
qualquer outro, que contribui e fomenta o debate.
A leitura dos
resultados do próximo Domingo não passa apenas pela vitória em número de presidentes
de Câmaras, de Assembleias Municipais e de Juntas de Freguesia; não se limita ao
triunfo deste ou daquele autarca mais mediático; também não começa e acaba na
eleição de candidatos mais ou menos independentes; nem mesmo a percentagem
deste ou daquele partido tradicional esgota a importância da noite eleitoral.
Por mais
que se tente iludir a inevitável leitura nacional dos resultados, tentando
fazer esquecer a demissão de António Guterres, em Dezembro de 2001, depois de
uma derrota estrondosa dos socialistas, o número de eleitores que vão marcar
presença nas urnas assume uma importância decisiva num momento em que o país
vive uma situação dramática, em que milhões de portugueses estão a ser
abandonados à sua sorte.
As
sucessivas eleições e a escolha de várias combinações de partidos políticos não
estiveram à altura da exigência dos grandes desafios de Portugal. Chegou a hora
dos políticos e dos governantes perceberem que a Democracia não é uma questão
de fé, não é um dogma. Ela existe para servir os cidadãos e não para se servir
dos cidadãos de uma forma mais ou menos descarada.
Desde 1975,
nunca os valores da abstenção e dos votos nulos tiveram tanta importância e
significado. Porventura, a classe política precisa de um terramoto eleitoral
através da abstenção para mudar, para enveredar por caminhos e opções mais
responsáveis e transparentes, para compreender que os portugueses estão fartos
dos mesmos jogos políticos de bastidores, para interiorizar que os cidadãos
merecem ser tratados com respeito.
A taxa de
abstenção é a grande incógnita das eleições de 29 de Setembro. Em jogo estão
duas fasquias: os 41% das autárquicas de 2009 e os 53,37% das presidenciais de
2011.
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