segunda-feira, 6 de abril de 2020

COVID2019 E O ABAFAMENTO


O governo de Portugal desperdiçou mais de dois meses para se preparar para enfrentar a COVID2019, ignorando desastradamente os sucessivos alertas na China e o disparar dos casos na Europa.

É preciso recordar uma data fundamental: a 31 de Janeiro de 2020, a OMS declarou Emergência de Saúde Pública Internacional e a notícia da infecção de dois turistas chineses em Milão, Itália, correu mundo.

Não foi suficiente para despertar a atenção das autoridades portuguesas.

Mais grave ainda: face ao pânico então já instalado, António Costa demorou a adoptar a medida mais exigente: o fecho das fronteiras.

Áustria, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Polónia, República Checa e Suíça, mesmo sem cenários internos de contágio exponencial, não esperaram pela brutalidade dos números nos países vizinhos para fechar as portas ao exterior.

E, para ter um termo de comparação mais concreto: António Costa demorou exactamente mais oito dias do que os austríacos para fechar as fronteiras com Itália.

Disfarçar o erro e a manipulação da realidade têm contado com a "distracção" da imprensa e dos partidos da oposição que enveredaram por uma cumplicidade com as autoridades que lhes vai custar um elevado preço em termos de credibilidade junto dos portugueses.

E não é preciso confirmá-lo com o tristíssimo episódio do uso de máscaras, pois todos já compreendemos que tal só ocorreu porque, simplesmente, não havia reserva estratégica e/ou stock em Portugal.

E nem é preciso lembrar Graça Freitas, a especialista do Estado ao serviço do governo, que afirmou que testar podia dar uma falsa sensação de segurança, depois anunciou que a prioridade é testar, testar, testar e agora acaba admitindo que há atrasos na realização de testes.

As alarmantes faltas de preparação e a incompetência, a roçarem a incúria criminosa, atingiram outros níveis ainda mais inimagináveis se levada em linha de conta a situação descontrolada do outro lado da nossa fronteira terrestre.

Com o mundo apavorado com a evolução dos contágios em Espanha, Portugal só encerrou de facto o seu espaço interno aos nuestros hermanos no dia 18 de Março de 2020.

E - pasme-se! -, a decisão foi tomada dez dias depois da polémica pública à volta da autorização das autoridades espanholas à manifestação do Dia da Mulher, a 8 de Março de 2020.

Nada conseguiu despertar António Costa para os riscos terríveis da inacção.

E quanto ao argumento estapafúrdio que a primeira morte de COVID2019 em Portugal só ocorreu no dia 16 de Março de 2020... Não vale um único comentário!

Por sua vez, se já começámos a compreender que Marcelo Rebelo de Sousa sem os afectos e as selfies fica reduzido à mais cruel redundância política, nunca é tarde para denunciar que a unidade não pode ser sinónimo de branqueamento.

E muito menos abafamento!

Com os últimos dados, que traduzem uma estranha "curva errática", acreditar piamente nas autoridades políticas e sanitárias, que decidem tarde e a más horas e ainda faltam à verdade, parece ser cada vez mais um exercício masoquista, quiçá suicida.

A realidade dos factos é indesmentível: Portugal é dos países da União Europeia com os maiores rácios de infectados, como comprova a taxa de mortalidade (óbitos/contaminados) que já ultrapassou os 2,5%.

O mundo pode estar a morrer, mas a razão tem de continuar viva. 

É nos momentos de crise extrema que podemos avaliar a qualidade dos nossos governantes, pelo que não pode passar impune esta forma de fazer política e propaganda em vez de acautelar a saúde dos portugueses.

António Costa bem pode continuar a adiar a divulgação do modelo e dos dados da COVID2019 aos cientistas, mas o segredo não vai durar eternamente.

Com a pandemia ainda instalada no adro apenas há uma certeza: temos o direito de saber toda a verdade sobre como a preparámos e a estamos combater, através de um Livro Branco da COVID2019 ou de qualquer outra iniciativa da cidadania.

A primeira resposta a que todos temos direito é muito simples: Quantas mortes poderiam ter sido evitadas se o poder político português tivesse sido verdadeiro, competente e diligente?


segunda-feira, 30 de março de 2020

PORQUE NÃO SOMOS CARNE PARA CANHÃO


No momento de antecipar demorámos a encomendar equipamentos de protecção, a garantir testes, a fechar as fronteiras, a encerrar as escolas e a impor o confinamento. 

E porquê? 

Porque PM e PR andaram a fazer a política dos pequeninos em vez de preparar o país para salvar vidas.

O resultado está aí: a realidade vai emergir ainda mais brutal e terrível, com mais ou menos manipulação do número de testes realizados à COVID2019.

E, hoje, também já é certo para todos que não valeu a pena deixar o SNS à sua sorte.

Nem fazer de conta que o dinheiro desviado pela corrupção não nos faz falta nos momentos decisivos.

E, de igual modo, ainda é mais patente que a receita do recurso ao dinheiro sujo pouco valeu para termos serviços preparados para acorrer às necessidades dos cidadãos.

Apelar para nos protegermos quando não temos com que nos proteger é simplesmente grotesco.

Branquear o passado e o presente à custa de atitudes repugnantes de terceiros é ainda tão ou mais repugnante, porque só serve para acobertar decisões políticas que roçam o criminoso e alimentar a impunidade.

E, convenhamos, não faz sentido falar em unidade quando o PM mente grosseiramente ao país e é, aliás, barrado pelos Bastonários dos médicos, farmacêuticos e enfermeiros, exemplares a cumprir o seu dever ético.

Sim, vale a pena ir para o terreno e mostrar o país que trabalha, mas de nada adianta esconder o outro lado, o da vida esquecida, condenada por políticas públicas erradas ou por empresários desqualificados.

Não, não nos podemos resignar às "atitudes de Estado", nem ao empreendedorismo selvagem, nem permitir o "lava mais branco" do passado para proteger as clientelas do costume, porque não somos carne para canhão.

Os últimos acontecimentos envolvendo os mais idosos, bem como os mais de 14% de profissionais de saúde infectados, já são uma vergonha nacional, e fazem prever o pior no momento crítico que está aí à porta.

À medida da progressão da pandemia, os números podem servir para tudo, mas os cenários dantescos de sucessivas falhas, passadas e presentes, ganham contornos insuportáveis.

Mesmo sabendo que há quem esteja a fazer o seu melhor, com abnegação e generosidade, em prol da saúde pública, é sempre a hora para questionar quem propala que "ninguém fica para trás", bem como aqueles que ainda têm a audácia de afiançar que "ninguém está a mentir".

Habituados ao que a casa gasta, é preciso lembrar enfaticamente: por um lado, não ficará impune quem adiou medidas que acabaram em mortes; por outro, não ficará pedra sobre pedra sobre quem já começa a desistir e apressa os critérios para escolher quem vive e morre.

É o momento de recordar: o vírus pode estar a liquidar homens e mulheres, mas ainda não matou a Justiça e a Democracia.

E não bastam as sondagens de última hora, nem os elogios ditirâmbicos encomendados aos serviçais do costume, nem a fabricação de um qualquer inimigo externo de última hora.

O recurso às tácticas serôdias para tentar alijar responsabilidades próprias só agrava mais o fosso entre os cidadãos e os governantes.

De Costa a Marcelo, de Macron a Merkl, de Sanchez a Conte, há uma geração de políticos da União Europeia que não esteve à altura da exigência dos tempos e da governação, pelo que dificilmente serão capazes de liderar a reconstrução da economia e a reinvenção da própria Democracia.

A COVID2019 representa um momento extraordinariamente negro, mas também poderá ser uma oportunidade luminosa para extirpar uma certa forma de fazer política e de governar.

Resta saber se a mudança vai servir para mais e melhor civilização.