segunda-feira, 21 de setembro de 2020

POPULISMO DE ESTADO E O MEDO


Há uma polémica absurda que tem distraído o país do essencial.

A propósito de tudo e de nada lá vem a lenga-lenga do virtuosismo do Estado e dos pecados do privado e vice-versa.

A Covid trouxe atrelada a grande "novidade": o populismo de Estado, travestido de grande salvador e sustentado pelo discurso do medo.

É o Estado do caos no SNS, do abandono dos mais idosos, da incúria dos incêndios de Pedrogão e da opacidade de Tancos.

É também o Estado de Direito à la carte que permitiu as mais variadas negociatas: BES, BPN, BPP, CGD, Expo 98, Euro 2004, Novo Banco, Parcerias Público-Privadas, submarinos, TAP, etc.

É ainda o Estado dos amigos, dos "paraministros" do primeiro-ministro, com cobertura do presidente da República, e de uma multidão de criados (para todo o serviço sempre agradecidos e venerandos) que ofuscam os servidores públicos competentes. 

Aliás, este Estado, omnipresente e cada vez mais arbitrário, até só admite ser fiscalizado por si próprio.

Em suma, é este Estado, minado pela da corrupção e pelos abusos de poder nas mais altas hierarquias da Administração, que alguns ainda querem reforçar.

É caso para perguntar: este tipo de Estado é capaz de combater os erros da globalização e os excessos do capitalismo selvagem?

Os movimentos populistas são respostas, compreensíveis mas trágicas, ao estado a que isto chegou, qual Janus: por um lado, um Estado protector e agora disponível para os afectos; por outro, um Estado impune que alberga uma teia que serve e se serve à custa da miséria dos povos.

Aliás, não deixa de ser particularmente significativo observar, por exemplo, a reacção por esse mundo fora a algumas restrições paternalistas e desenfreadas impostas pelo Estado por causa do "vírus da China", como é popularmente conhecido.

A pandemia veio reforçar esta armadilha em que tantos e tantos se deixaram enredar através de argumentos de circunstância, os quais, aliás, têm minado qualquer hipótese de um debate elevado e útil para resolver tantos e tantos estrangulamentos.

Mas a abertura do espectro político tem permitido outro tipo de resposta aos populismos, desde logo por fazerem mais luz sobre os partidos políticos tradicionais, tão fossilizados quanto impunes, que debitam o mesmo "discurso" há décadas.

E a crescente consciência política também tem favorecido a separação de águas entre a práxis da governação e o sempre saudável confronto de ideias.

Os cidadãos não precisam de messias, querem governantes competentes e limpos, querem soluções para os seus problemas, independentemente de serem de Esquerda ou de Direita.

Compreender esta realidade é a melhor forma de combater os populismos, sejam eles de Estado ou de movimentos radicais que pugnam por uma mudança sem aceitar as conquistas civilizacionais.


segunda-feira, 14 de setembro de 2020

ANA GOMES E O SONHO


Todos os dias, aqui e ali, entre amigos, conhecidos e até desconhecidos, é frequente ouvir que temos de mudar, que a mudança é urgente.

Ora, se existem descontentes que querem escapar a este pântano, então a mudança não pode ser feita por quem esteve sempre ao lado daqueles que atiraram o país para a bancarrota e condenam o povo à miséria.

A candidatura de Ana Gomes é mais do que uma atitude patriótica, é a prova que há sempre alguém que resiste, que não se conforma, que se indigna, e, sobretudo, que é consequente nos seus actos.

Não há batalha de civilização que lhe escape: de Timor à Etiópia, dos direitos humanos aos voos da CIA, da globalização aos offshores, da corrupção a Sócrates e aos vistos Gold, de Angola à China, de Assange, Snowden e Rui Pinto ao enfrentar os vigaristas e ditadores.

Credibilidade, coerência e consequência são atributos essenciais para o mais alto magistrado da Nação.

Um presidente não pode ficar pela simpatia, cheirando o que é popular e fugindo do que pode queimar, isto já para não falar do imperdoável caso de Tancos à mistura.

O folclore presidencial dos últimos cinco anos apenas serviu para reforçar a manutenção do status quo decadente em que o país está mergulhado.

No momento em que começa a ser a hora de fazer o balanço, o que fica do actual mandato presidencial?

A descrispação!

E uma espécie de reinvenção da "evolução na continuidade" dos tristes tempos de Marcello Caetano.

É pouco, muito pouco, sobretudo se serviu apenas para branquear ao mesmo tempo que o país assiste estupefacto à protecção de corruptos, por exemplo, pelo segredo bancário, entre outros, como se ele existisse para acoitar criminosos.

A elegância com que Ana Gomes se despediu de Marcelo Rebelo de Sousa, no dia em que apresentou a candidatura, não pode ser confundida com qualquer tipo de validação política e institucional.

A opacidade, a fraqueza e o oportunismo têm de sair de Belém.

O país precisa de «um presidente diferente», disse a candidata.

Um presidente com força para se fazer ouvir quando fala dos fogos, de Tancos e da Justiça, dos desempregados e do SNS, dos Bancos e das negociatas impunes, dos sem voz e abandonados à sua sorte como em Moria.

A experiência política, diplomática e internacional de Ana Gomes representam garantias para, finalmente, Portugal poder eleger uma cidadã do mundo, uma presidente cosmopolita, moderna, à prova de bala e sem negócios, negociatas e fretes escondidos no armário.

Mas ainda falta o essencial: fazer uma campanha competente, aberta e sincera, sem esquecer os jovens, sem complexos nem azedumes pelo PS se ter transformado numa pálida imagem do partido que ajudou a salvar a Democracia.

E saber merecer o voto também é a mestria de unir, de aceitar que só o candidato à Esquerda que estiver melhor colocado é capaz de mobilizar a mudança que o país anseia há tantos anos, mas que ainda não traduziu numa eleição presidencial.

Em Janeiro de 2021, Ana Gomes é um passo para o sonho.