É simplesmente aterrador assistir à forma como foi descurado o voto de cerca de um milhão de confinados, desde o presidente (em silêncio) até ao governo e aos deputados.
O levantamento atamancado e tardio das regras sanitárias no dia das eleições, com a bênção do Ministério Público, mas com a oposição dos médicos de saúde pública, vai ter consequências na pandemia, na política e no resultado eleitoral.
Para já, uma única certeza: com menos de uma semana de campanha, o considerável número de indecisos podem determinar a escolha dos novos 230 deputados.
Neste contexto será interessante avaliar a reposta nas urnas às prestações de cada um dos líderes, desde logo às semelhanças perturbantes entre António Costa e José Sócrates: a mesma arrogância, a mesma estratégia de medo, a mesma lógica do vale tudo.
E também aquilatar como foram recebidas as surpresas João Oliveira e Rui Tavares, a coerência de Catarina Martins, a combatividade de Francisco Rodrigues dos Santos e João Cotrim Figueiredo, a lisura de Rui Rio e o calculismo de André Ventura e Inês Sousa Real.
Se o “diabo” de Passos Coelho virou fantasma, mais importante ainda é saber qual vai ser a resposta ao “diabo” de António Costa que está aí vivo e bem rosadinho.
Será que as famílias vão renovar a confiança no partido da governação depois de verem tombar os seus por causa da Covid e da falta de assistência médica?
Será que os milhões de doentes, que não tiveram cirurgias e consultas no SNS, vão aceitar mais do mesmo?
Será que os comerciantes e os pequenos e médios empresários vão apostar na continuidade depois de assistirem impotentes à distribuição do grosso dos apoios às grandes empresas?
O povo vai expressar a sua vontade sobre a governação, a alternativa e também após a atitude presidencial de branqueamento sistemático do governo de António Costa e de precipitação descabelada de eleições antecipadas em plena pandemia Covid.
E, desta vez, os discursos pios e os “fantasmas” dos cadernos eleitorais não serão suficientes para justificar a taxa de abstenção.
Ganhe quem ganhar, nesta espécie de trapalhada democrática, será incontornável estimar o número de cidadãos de carne e osso que não votaram por medo.
Se o próximo governo tem muito para fazer pela frente, Marcelo Rebelo de Sousa tem muitas explicações a dar ao país no dia 31 de Janeiro, depois de um silêncio mais uma vez politicamente cúmplice.