sábado, 3 de novembro de 2012

Falsos profetas e vendilhões do templo



Com o governo descredibilizado, contestado pela direita e pela esquerda, minado por ambições mesquinhas e envolvido em negociatas que estão a ser investigadas pelo Ministério Público, o país entrou numa das páginas mais importantes da sua História.

Pedro Passos Coelho, com um ano e meio de atraso, relançou o debate da revisão constitucional, condição sine qua non para o país poder sair do pântano em que está mergulhado e libertar-se dos grilhões impostos pelos credores externos.

Infelizmente, a dramática hesitação do primeiro-ministro – para não começar já a chamar-lhe cobardia política – durou demasiado tempo, comprovando que lidera um governo que é mais do mesmo, manifestando incapacidade para estimular uma verdadeira mudança de paradigma e para enfrentar os poderes fátuos que continuam a atirar o país para a miséria.

O primeiro-ministro perdeu o timing. Já não tem força e credibilidade para liderar nas melhores condições uma revisão constitucional. Os erros cometidos, alguns deles inexplicáveis, fizeram-no refém das amarras que prometeu quebrar. Tal como no passado, o sistema está a vencer, o regime continua a encher a boca com o discurso do Estado Social ao mesmo tempo que promove um capitalismo selvagem para continuar a encher os bolsos dos mais poderosos.

Só um milagre pode salvar Pedro Passos Coelho.

E não há alternativa? Não! O líder do PS deixou-se também acorrentar pelos defensores do regresso ao poder a todo o custo, assumindo todo o tipo de demagogias, que mais parecem infantilidades irresponsáveis.

De um lado, os falsos profetas que prometeram a mudança; do outro, os vendilhões do templo que nunca se preocuparam com os idosos que obrigaram a ter de andar quilómetros para ir ao médico, com os pensionistas a quem diminuíram e congelaram as pensões, com as centenas de milhares de portugueses que atiraram para o desemprego, entre outras inconstitucionalidades pelas quais, do alto da sua arrogância, ainda nem sequer pediram desculpa aos portugueses.


É este trágico impasse que justifica a onda de pessimismo que está a varrer o país de norte a sul, não são os sacrifícios que estão a liquidar a esperança. 

Neste cenário medonho só faltava mais uma desgraça: o súbito despertar dos juízes do Tribunal Constitucional para o Estado de Direito, depois de terem ignorado, durante anos a fio, todos os atropelos ao texto constitucional.

Para quem tivesse dúvidas sobre o papel dos juízes deste tribunal político, no momento em que a crise lhes tocou no bolso, basta verificar a manhosice da extraordinária decisão que considerou ilegais os cortes na função pública.

Nesta roda-viva de falsidades e fatuidades, que alimentam o tráfico de influências, a corrupção institucionalizada e o descaramento de quem conta com a ignorância do povo para melhor o continuar a enganar, ainda há quem acredite que está a ser travada uma guerra sem quartel entre os que querem liquidar o Estado Social e os que o querem defender.

Não tenhamos ilusões: o Estado Social foi ferido de morte pela governação de José Sócrates e restantes apaniguados. E para remediar este crime-político vai ser preciso mudar de vida, rapidamente, pelo que não vale a pena perder tempo com os discursos dos falsos profetas e dos vendilhões do templo.

Chegou a hora de salvar o essencial!

Resta saber quem vai conseguir fazê-lo, pois com este governo e com este PS é, infelizmente, cada vez mais evidente que não vamos lá.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O exemplo de Francisco Louçã




No momento em que classe política afunda e o regime democrático está num impasse terrível, chegou a notícia: o histórico líder do Bloco de Esquerda anunciou a saída do parlamento.

Num tempo em que a política está transformada num imenso pântano de casos iníquos, vale a pena sublinhar um exemplo de excelência, em que a dedicação, a inteligência e seriedade fizeram a diferença para companheiros de partido, adversários de sempre e até jornalistas que tiveram o privilégio de o conhecer e de o entrevistar em sua casa.

Ao fim de 13 anos de carreira política, de cinco mandatos na Assembleia da República, de 1012 intervenções no plenário, entre as quais se destacam os debates frontais com cinco primeiros-ministros, nunca ninguém colocou em causa a sua probidade.

Vale a pena afirmar que a Democracia não criou só "monstros". Também foi capaz de gerar um político competente, com capacidade de defender as suas ideias e que sempre se distinguiu cristalinamente da ralé que tem ocupado o poder com uma mão no peito e outra na massa.

A saída de Francisco Louça da primeira linha do palco do combate político é uma péssima notícia para todos aqueles que acreditam num futuro melhor. Todavia fica o exemplo, como o próprio sublinhou: «Saio exactamente como entrei, com a minha profissão, sem qualquer subsídio e sem qualquer reforma». Só lhe faltou dizer que continua a não gostar de caviar.

No meio de tanta e tanta gente que não hesita em comprometer o país em nome de interesses disfarçados de preocupação social, vale a pena acentuar que nem todos são iguais. E que a esperança na democracia também é sustentada por um percurso ímpar, por um político que nunca se deixou deslumbrar pelas mordomias do poder.

Construiu um partido com base nos escombros da extrema esquerda, o seu trabalho inspirou muita gente e animou muitos daqueles que consideram que já não vale a pena lutar por um regime mais limpo e por um país mais justo.

Quando usava da palavra na Assembleia da República, o silêncio era tumular. Todas as bancadas transbordavam de expectativa, reconhecendo que o líder de um pequeno partido pode fazer a diferença. E que diferença fez Francisco Louçã. O seu contributo foi essencial para denunciar a corrupção e a impunidade que têm condenado o país à miséria. Em muitos momentos, cara a cara com os chefes dos governos da República, o então líder do Bloco esteve à altura da nobre missão parlamentar, criticando, denunciando, propondo, sempre com a mesma autoridade, reconhecida por todos, à esquerda e à direita, independentemente do acordo ou desacordo com as suas ideias políticas.

Francisco Louçã foi o mais brilhante parlamentar desde o 25 de Abril.

Por isso a sua saída da ribalta política é uma prova extraordinária de força e de confiança na capacidade de sobrevivência do partido mais à esquerda no hemiciclo, precisamente no momento em que o governo em funções é liderado por quem está a revelar uma enorme falta de cultura democrática.

A escolha da hora para sair pelo seu próprio pé, demonstrando que nem todos se agarram desesperadamente ao poder, representa a sua última mensagem enquanto líder do Bloco: a confiança naqueles que ficam e nas suas capacidades para fazer mais e melhor.

Quem teve a coragem de dizer a um primeiro-ministro, olhos nos olhos, no momento certo, que os «portugueses sabem o que quer dizer desonestidade», tem toda a legitimidade de prometer que vai continuar a «ajudar a levantar a força deste povo». 

sábado, 20 de outubro de 2012

E quando até o poeta morre




«Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente» 
Manuel António Pina


O momento da apresentação do Orçamento do Estado parece repetir o ritual, anualmente, da libertação de todos os fantasmas da iniquidade, em que vale tudo para cada lóbi e cada corporação defenderem o seu quinhão, em detrimento dos mais fracos e pobres.

A cada dia que passa, o país revela o pior de si à medida que a demagogia impera e as dificuldades tornam a vida de muitos insuportável.

No cruzamento de dois caminhos, o da exigência e o do facilidade, o país parece que apenas quer afundar no lodo da mentira, do oportunismo, do egoísmo do salve-se quem puder e da falta de auto-estima.

O governo aponta o caminho mais difícil, sem mostrar sinais de credibilidade e transparência que justifiquem mais confiança da parte dos cidadãos. Com os sucessivos erros e escândalos que o têm abalado, desde os casos de Miguel Relvas até às privatizações, Pedro Passos Coelho está a aniquilar a expectativa de um país inteiro. Como se não bastasse, Paulo Portas enveredou por uma aventura fantástica, cujo primeiro capítulo chegou ao fim, num momento em que a vertigem está à solta.

Por sua vez, o principal partido da oposição, ainda sem recuperar do passado vergonhoso, clama pelo caminho da facilidade sem nada afirmar sobre a sua sustentabilidade. De um momento para o outro, e sem ainda representar uma alternativa séria, António José Seguro tornou-se o líder de todos aqueles que afundaram o país, daqueles que agora prometem uma salvação menos dolorosa. É cada vez mais difícil assistir, diariamente, aos palpites de quem devia pedir desculpa antes de falar, falar, falar, para pés-de-microfone que não têm o brio de os confrontar com a verdade.

Por último, a extrema esquerda, essencial para denunciar os abusos da democracia formal, insiste no dogmatismo e na utopia, uma prova de força de quem não tem as mãos sujas pela governação das duas últimas décadas. Mas face a um período de tal fragilidade, o país não pode ser atirado para uma luta contra tudo e todos.

No momento em que assistimos ao desaparecimento da esperança, a uma velocidade estonteante, a mediocridade e a intriga estão a tomar conta de todos os caminhos e alternativas. É este o drama que se sente em todas as conversas, dos que são de direita e de esquerda, e até daqueles que militam há demasiado tempo no partido da indiferença.

Falta uma âncora para os portugueses voltarem a acreditar. Nem a igreja, atolada nas suas contradições, surge como um refúgio. Todos parecem submergidos por esta agonizante falta de horizonte.

       E quando até o poeta morre, e ainda que fique o génio e a inspiração de um poema sobre o “país das pessoas de pernas para o ar”, é preciso continuar a perguntar o que resta?

Deste muito pouco, sem dúvida que tudo.

Mesmo quando o tal poeta avisou para o risco da poesia acabar, a verdade é que nos deixou um porto seguro de palavras, uma bóia em que se pode ler: “ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde”.


A simplicidade de um poema sempre permitiu sonhar, escolher o caminho e recomeçar.

sábado, 13 de outubro de 2012

A nova PGR: a bota não bate com a perdigota




«Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Tudo o resto é publicidade». Era assim que George Orwell (Eric Arthur Blair) entendia o papel dos jornalistas no início do século XX.

Actualmente estamos cada vez mais distantes desta brilhante máxima. Salvo raras excepções, a informação tornou-se num imenso e crescente monte de ruído ao serviço de alguém e uma fonte de permanente confusão.

Os exemplos são tantos que a única dificuldade é seleccionar os casos mais paradigmáticos, pelo que enuncio apenas dois, da política e da justiça.

Hoje, entre insultos nunca vistos trocados pelos principais protagonistas da vida política, quem consome a informação fica entalado entre duas visões diametralmente opostas sobre o caminho a seguir para sair da crise. E não faltam especialistas, entre os quais os principais coveiros do país, com opiniões sobre as virtualidades de uma ou outra medida.

Por um lado, a maioria que governa, com mais ou menos simulação de arrufo do CDS-PP, tem como objectivo o saneamento das contas públicas em ritmo acelerado e o regresso aos mercados em Setembro de 2013; por outro lado, a oposição clama por mais tempo e menos sacrifícios, independentemente do custo acrescido de manter uma situação de dependência de mais e mais crédito externo.

Curiosamente, a imprensa não tem reflectido sobre o que poderá estar na génese de posições tão extremadas: a maioria que governa quer fazer o trabalho duro o mais rapidamente possível para que o país regresse aos mercados financeiros internacionais em 2013, ficando ainda com dois anos até às próximas eleições legislativas, o que lhe poderá permitir abrir os cordões à bolsa e à economia; por sua vez, a oposição quer retardar o mais possível a saída da troika e o regresso da normalidade em termos de independência financeira do país, de forma a atrapalhar a governação e a chegar a 2015 em condições de conquistar o poder.

Não vale a pena escrutinar se ambas as posições estão a ser mais determinadas pelos interesses partidários e pelo calendário eleitoral do que pelo interesse nacional?

Esta falta de profundidade da imprensa não se cinge à governação e à política. Senão vejamos o que se passou na justiça, perante a indiferença generalizada: a nomeação do procurador-geral da República.

O país foi surpreendido pela escolha de Joana Marques Vidal, uma magistrada do Ministério Público, com obra na defesa das vítimas e dos mais desprotegidos.

Ora, andámos meses a ouvir Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, a pulular sobre o combate à corrupção, o fim do tempo das impunidades e ainda sobre a criminalização do enriquecimento ilícito e, agora, assistimos à nomeação de uma magistrada para liderar a procuradoria-geral da República sem qualquer experiência na investigação criminal e sem trabalho para apresentar na luta contra o crime de colarinho branco, o branqueamento de capitais, o tráfico de influências, em síntese, sem provas dadas em relação à esmagadora maioria dos crimes de catálogo.

Os comentários em relação a esta nomeação, de uma magistrada muito próxima de importantes figuras do PSD, ficou pela triste tendência para a bajulação de quem assume o poder, o que deve ter deixado muitos portugueses com a cabeça a andar à roda.

Quem assume um lugar desta importância merece, obviamente, o benefício da dúvida e todos os votos de maiores sucessos. Mas, francamente, que a bota não bate com a perdigota, lá isso não bate.

Resta esperar pelos próximos capítulos, pois de publicidade estamos conversados.