«Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente»
Manuel António Pina
O momento da apresentação do Orçamento do Estado parece repetir o ritual, anualmente, da libertação de todos os fantasmas da iniquidade, em que vale tudo para cada lóbi e cada corporação defenderem o seu quinhão, em detrimento dos mais fracos e pobres.
A cada dia que passa, o país revela o pior de si à medida que a demagogia impera e as dificuldades tornam a vida de muitos insuportável.
No cruzamento de dois caminhos, o da exigência e o do facilidade, o país parece que apenas quer afundar no lodo da mentira, do oportunismo, do egoísmo do salve-se quem puder e da falta de auto-estima.
O governo aponta o caminho mais difícil, sem mostrar sinais de credibilidade e transparência que justifiquem mais confiança da parte dos cidadãos. Com os sucessivos erros e escândalos que o têm abalado, desde os casos de Miguel Relvas até às privatizações, Pedro Passos Coelho está a aniquilar a expectativa de um país inteiro. Como se não bastasse, Paulo Portas enveredou por uma aventura fantástica, cujo primeiro capítulo chegou ao fim, num momento em que a vertigem está à solta.
Por sua vez, o principal partido da oposição, ainda sem recuperar do passado vergonhoso, clama pelo caminho da facilidade sem nada afirmar sobre a sua sustentabilidade. De um momento para o outro, e sem ainda representar uma alternativa séria, António José Seguro tornou-se o líder de todos aqueles que afundaram o país, daqueles que agora prometem uma salvação menos dolorosa. É cada vez mais difícil assistir, diariamente, aos palpites de quem devia pedir desculpa antes de falar, falar, falar, para pés-de-microfone que não têm o brio de os confrontar com a verdade.
Por último, a extrema esquerda, essencial para denunciar os abusos da
democracia formal, insiste no dogmatismo e na utopia, uma prova de força de
quem não tem as mãos sujas pela governação das duas últimas décadas. Mas face a
um período de tal fragilidade, o país não pode ser atirado para uma luta contra
tudo e todos.
No momento em que assistimos ao desaparecimento da esperança, a uma velocidade estonteante, a mediocridade e a intriga estão a tomar conta de todos os caminhos e alternativas. É este o drama que se sente em todas as conversas, dos que são de direita e de esquerda, e até daqueles que militam há demasiado tempo no partido da indiferença.
Falta uma âncora para os portugueses voltarem a acreditar. Nem a igreja, atolada nas suas contradições, surge como um refúgio. Todos parecem submergidos por esta agonizante falta de horizonte.
E quando até o poeta morre, e ainda que fique o génio e a inspiração de um poema sobre o “país das pessoas de pernas para o ar”, é preciso continuar a perguntar o que resta?
A
simplicidade de um poema sempre permitiu sonhar, escolher o caminho e
recomeçar.
E quando até o poeta morre, e ainda que fique o génio e a inspiração de um poema sobre o “país das pessoas de pernas para o ar”, é preciso continuar a perguntar o que resta?
Deste muito pouco, sem dúvida que
tudo.
Mesmo quando o tal poeta avisou
para o risco da poesia acabar, a verdade é que nos deixou um porto seguro de
palavras, uma bóia em que se pode ler: “ainda não é o fim nem o princípio do
mundo, calma é apenas um pouco tarde”.