segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

A IMPUNIDADE IRRITA AINDA MAIS


Os Leaks colocaram a Justiça na ribalta de todas as atenções, pelo que advogados, procuradores, juízes e investigadores criminais não podem continuar calados.

Muito por força da cidadania, designadamente da acção de Ana Gomes, entre outros, os homens e as mulheres da Justiça têm sido obrigados a dar o seu contributo para o debate público depois das fugas de informação que nos mostram ainda melhor o mundo em que vivemos.

E até não têm faltado doutas opiniões sobre o que permite, e não permite, a nossa Lei, resultando por vezes numa confusão que mais parece um branqueamento desastrado.

Chegamos ao ponto de assistir à defesa dos direitos individuais para certamente melhor poderem ser esmagados no silêncio dos corredores do poder.

Não, não são necessários mais justiceiros, mas têm faltado testemunhos sobre como tem sido possível tolerar o actual ambiente hediondo que, agora, podemos ver ainda com mais clareza.

E se o "Estado de direito irrita", como escreveu Manuel Soares, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), os cidadãos têm o direito de clamar que a impunidade irrita ainda mais.

Os enfermeiros e os médicos, por exemplo, com as denúncias das condições de trabalho, bem como os casos criminosos de falta de assistência na Saúde, despertaram a sociedade civil e obrigaram o poder político a estar mais atento à tal impunidade mais do que irritante.

Podemos esperar que os agentes judiciários desçam do pedestal para denunciar que a acção da Justiça está a roçar a farsa – favorecendo os mais poderosos –, obedecendo na prática ao princípio de oportunidade quando deveriam observar o princípio constitucional da legalidade?

Já não é aceitável que os processos "adormeçam" anos a fio rumo à prescrição, sem que haja uma palavra de alerta ou uma explicação transparente.

Aliás, o poder político já percebeu, com a sagacidade habitual, que o elo mais frágil é de quem não faz, não apresenta resultados, leia-se os responsáveis que têm a competência para administrar a Justiça em nome do povo.

António Costa encontra assim respaldo público para continuar a lavar as mãos, tanto mais que foi buscar ao Ministério Público uma ilustre magistrada para liderar a pasta da Justiça.

Se é verdade que há quem reme firmemente contra esta maré podre do deixa andar, também é verdade que não pode bastar prender um primeiro-ministro, um juiz, um procurador ou um investigador criminal para deixar os cidadãos sossegados.

É preciso muito mais do que a Justiça do caso ou da pena exemplares.

A política da cabeça enfiada na areia – ignorando as consequências da adjudicação directa, da comissão de serviço, do bilhetinho para a bola ou de um par de luvas para aquecer a vida –, acabará por cair sobre a cabeça de todos os protagonistas do universo judicial.

E que não haja a menor dúvida: a subserviência da Justiça à política de Estado é uma traição à Democracia.

A cada dia que passa, a cada leak que vier a público – e eles não faltarão! – a Justiça também estará na berlinda da suspeita do intolerável frete, da inimaginável capitulação face aos mais poderosos e da monstruosa denegação de justiça.

E não será mais possível que um qualquer magistrado se venha desculpar com a Lei e com a falta de meios, depois de todos começarmos a perceber que paira no ar a cumplicidade e a promiscuidade que bastem no Estado de Direito a que chegámos.










segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

PORTUGAL MANCHADO


As revelações dos Luanda Leaks fizeram ruir a propaganda do Portugal limpo, solidário e moderno.

E, depois de Tancos, com o fim do mandato à vista, Marcelo Rebelo de Sousa viu chancelada a nódoa que mancha indelevelmente a sua presidência.

Apesar de manifestar uma aparente despreocupação face ao tsunami em curso, a verdade é simples: com Marcelo Rebelo de Sousa em Belém nada mudou em Portugal.

Ainda assim alguns até chegaram a acreditar, mas a evidência dos factos não engana, com mais afecto menos afecto, com mais selfie menos selfie.

A verdade que incomoda ainda é mais perturbante: Rui Pinto, que continua preso, fez mais pelo combate à corrupção e ao branqueamento de capitais do que os órgãos de soberania instalados na sua gritante inacção e omissão.

Numa semana negra para o PR, o PM e demais instituições, que nunca regatearam a passadeira vermelha a reles oportunistas, o emergir de nomes credíveis para a próxima corrida presidencial é a primeira grande machadada no bailete de Marcelo e afins.

Os jogos florentinos do passado, típicos de outros tempos de má memória, já não são areia suficiente para tapar os olhos dos cidadãos.

Cristas percebeu-o, e bateu em retirada.

E o CDS/PP também o percebeu no congresso de Aveiro, batendo uma certa clique cada vez mais do passado.

O mais grave é que o único resto que ainda resta é a malfadada atitude politicamente manhosa de quem continua a reinventar argumentos para defender o indefensável.

Depois das falsidades do costume – o dinheiro da corrupção serve e alimenta a economia e se não formos nós serão outros –, o delírio enganoso sobre os Luanda Leaks atingiu um expoente máximo com Fernando Medina no seu espaço de opinião televisivo: «Vamos assistir, aqui, a uma tentativa de reescrever a história como se tivesse de ter havido um julgamento moral sobre tudo o que aconteceu em Angola durante muitos anos».

O retrato fica para memória futura.

Tal e qual como este Portugal no poder que continua a fazer tábua rasa da Lei para os poderosos, enquanto é implacável para o cidadão anónimo.

Aliás, os silêncios partidários, à excepção do Bloco de Esquerda, dizem tudo sobre a conivência que grassa na esfera do poder político.

Não, Isabel dos Santos não está isolada, nem mesmo depois de ter caído em desgraça.

Nem estará sozinha enquanto tiver milhões e campear a corrupção, pois ainda há por aí, pasme-se, quem continua a ter o topete intelectual de tentar justificar o roubo dos recursos do pobre povo angolano com o empreendedorismo da "princesa".

Aliás, também não continuará a faltar quem esteja disponível para aplainar a sua imagem, papagueando falsidades a troco de mais uns tostões atirados para a gamela.

Não, o problema da lavandaria em que Portugal está transformado há anos não se resume ao capital angolano. 

A questão é mais profunda!

É a impunidade de intermediários, através da corrupção e do branqueamento de capitais, que está a liquidar o país.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

ANGOLA E O BAILETE AMEAÇADO


É o maior escândalo financeiro em Portugal, cuja dimensão ainda ninguém pode avaliar e quantificar.

Mais uma vez, os jornalistas desempenham um papel fulcral na denúncia do lixo que por aí vai por debaixo do glamour que anestesia uma parte dos cidadãos e só engana os tolos.

É pela mão da Comunicação Social, como é sua obrigação, com acesso a uma fonte que não é oficialmente conhecida, que a publicação de muitos milhares de documentos permitem comprovar a ponta do iceberg que já começou a derreter há muitos anos.

Não admiraria, portanto, se o presidente da República, primeiro-ministro e presidente da Assembleia da República, entre outros, se remeterem ao mesmo escandaloso silêncio ou vierem a terreiro, com o habitual descaramento político, dizer que nada sabiam e/ou desconfiavam.

Porém, muitos dos ratos que se preparam para saltar fora do comboio dos Luanda Leaks não podem contar com a passividade de quem tem o dever de recordar a vassalagem de outros tempos em relação a Angola e ao clã dos Santos, entre outros exemplos gritantes de cumplicidade com Estados ditatoriais e a respectiva cleptocracia.

Aliás, além dos criados do dinheiro sujo que multiplicam juras de amor entre os povos português e angolano, há muitos outros responsáveis ao mais alto nível que prevaricaram por acção e/ou omissão.

E ninguém está a salvo do bailete: desde os reguladores às empresas e Bancos, desde os grandes escritórios de advogados aos políticos-comissionistas de negócios de Estado, desde os governos do PS aos do PSD com ou sem o CDS/PP.

Face à factualidade, a resposta de Isabel dos Santos, ou de quem para ela trabalha, tem sido o desvario, desde questionar os documentos até ao argumento de agência de comunicação manhosa de que os jornalistas não leram as centenas de milhares de documentos.

Contra factos não há argumentos: os papéis estão aí e correm o Mundo, tal como a teia de cumplicidades que permitiram o roubo dos recursos angolanos e, por consequência, o arrastar de Portugal na lama, como sublinhou Ana Gomes, uma das poucas vozes que denunciaram o esgoto em que Portugal está transformado.

A estratégia bacoca de comprar posições nos Media portugueses, porventura para silenciar o saque e o aproveitamento de reles oportunistas, não resultou, nem ontem, nem hoje, porque ainda existe alguma pluralidade.

No meio deste pântano, com o qual convivemos há demasiado tempo, com mais ou menos Vistos Gold, tarda uma intervenção firme da Justiça portuguesa.

Ninguém pode admitir que tudo fique na mesma depois do que veio a público, tanto em qualidade documental como em quantidade de operações criminosas.

Certamente, os cidadãos ficariam mais confortados se a procuradora-geral da República, Lucília Gago, no âmbito dos seus deveres, emitisse um comunicado a esclarecer o que está a ser feito pela Justiça portuguesa em relação aos capitais angolanos, entre outros de proveniência duvidosa.











segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

ORÇAMENTO: DE VIANA À MADEIRA


O Orçamento do Estado para 2020 foi aprovado na generalidade.

E também deverá passar na votação final global, depois da tradicional mercearia da especialidade.

O país respira de alívio, mas ficam várias dúvidas que, mais tarde ou mais cedo, terão de ter uma clarificação.

Em primeiro lugar, ficou patente que António Costa reinaugurou a táctica socialista do "Queijo Limiano".

Se faltarem votos para fazer passar uma Lei, o PS não abdicará do instrumento de má memória inventado por António Guterres em 2000.

Desta vez foi a Madeira, amanhã logo se verá...

Em segundo lugar, e por mais que seja negado pelo primeiro-ministro, é factual que a economia cresce a um ritmo medíocre e os portugueses são obrigados a pagar a maior carga fiscal de sempre.

Por último, o triste espectáculo de Mário Centeno.

O ministro das Finanças, ao que tudo indica, exibindo um excedente orçamental, prepara uma receita igual à do passado, ignorando as consequências terríveis para os cidadãos da degradação dos serviços públicos, do SNS à Justiça.

Fica a pergunta que se impõe: os portugueses vão aguentar, ou melhor, tolerar os mesmos sacrifícios dos últimos quatro anos?

Por mais que se queira esconder a realidade, a verdade é que a propaganda e a mentira podem pegar um, dois, três, quatro anos, mas o mais certo é que a percepção do logro seja inevitável à quinta vez.

Tanto mais que bloquistas e comunistas já perceberam que este PS, no momento das escolhas, não é de confiar.

E com mais ou menos PSD e CDS/PP a assumirem-se como muleta para salvar o XXII governo constitucional, apenas resta a conjuntura internacional.

E se tudo pode mudar na Europa e no Mundo não é de acreditar que tudo fique na mesma ou ainda melhor, permitindo ao governo socialista uma nova possibilidade de continuar a governar apenas e só para se perpetuar no poder.

Os desafios são de monta em 2020. 

António Costa sabe-o.

E, sem contar com alguma surpresa de última hora, também sabe que o modelo seguido já faliu.

Conseguiremos escapar, com mais um par de abraços e selfies, entre os pingos da chuva?