segunda-feira, 3 de maio de 2021

E TANTO “CAPO” POR AÍ


Há um Portugal que ainda considera que ameaças, caneladas, chapadas, empurrões, insultos e humilhações não é nada de mais.

Afinal, a agressão ainda é para alguns, seja no recato do lar ou à porta de um estádio de futebol, coisa que só importa se for um espancamento brutal ou um homicídio.

É o mundo de Pinto da Costa.

E de uns poucos meliantes que se passeiam pelos corredores do poder e do regime, com direito a passadeira vermelha na comunicação social.

O seu sucesso tem sido alcançado à custa da conivência ao mais alto nível, desde uma parte da justiça aos órgãos de soberania.

O silêncio de Marcelo e Costa, após a investida miserável contra Francisco Ferreira, jornalista, diz tudo sobre o deliberado apagão institucional e político.

E a ausência de um comunicado clarificador da PGR, colocando um ponto final no branqueamento esboçado, até por quem menos se esperava, é apenas uma lamentável colateral da captura do Estado.

Das imagens que correram o mundo, colocando o futebol português abaixo do lixo, só falta destacar um instante, aquele último olhar, no derradeiro segundo, que anuncia a barbárie.

Imediatamente, recordei o olhar de que falava Antonio Di Pietro, entre outros, para caracterizar o modus operandi da máfia para corromper, extorquir, intimidar e liquidar: a ordem silenciosa, mais uma prova indirecta...

Na Itália da "Operação Mãos Limpas" também reinavam um presidente qualquer, a Democracia Cristã, o Partido Socialista, o Partido Social-Democrata e o Partido Liberal.

Passados 29 anos e tanto "capo" por aí.

Não, não é preciso recordar o "Apito Dourado", as machadadas por um punhado de terra ou o súbito "despertar" para a realidade mafiosa de todos conhecida há muito tempo em Odemira e por esse país fora.

Faz falta enfrentar os cúmplices das mãos nos bolsos, da dissimulação do tom de voz, da participação em qualquer acto vil e soez.

Afinal, cada português ser Portugal é apenas para entreter a malta.

 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

FAZER DE CONTA 47 ANOS DEPOIS

 

A luta contra o absolutismo, a escravatura, o obscurantismo, a discriminação, a guerra e a selvageria capitalista e comunista fazem parte do espírito de Abril.

Por mais branqueamento do colonialismo, por anacronismo, negacionismo ou revisionismo, nunca será possível baralhar quem esteve (e está) do lado dos valores da civilização e os que estiveram (e estão) do outro lado.

Hoje, tal como caberá aos nossos filhos e netos daqui a 47 anos, a luta continua contra os relativismos paternalistas e professorais.

A memória dos que sofreram e tombaram por ideais de humanidade, e nunca calaram por um punhado de mordomias, é um património inalienável da cidadania.

O exemplo daqueles poucos que não se resignaram e enfrentaram a ditadura cruel e ignorante é acolhido na alma do povo e reconhecido pela História.

O 25 de Abril não pode servir para fugir ao presente, para fazer de conta, quando há, agora, tanto ainda para conseguir – na educação, na justiça e na saúde – quase 50 anos depois.

Reconhecê-lo, aberta e humildemente, sem marketing, truques semânticos e subterfúgios da linguagem, é mais do que um sinal de inteligência, é viver a mensagem de Abril.

Tentar diluir o passado na reconciliação fabricada no calculismo, ou na diversidade instrumental, é tão-só mais um sinal dos tempos de logro.

Porque a união não vence na dissimulação.

Porque é tão duro ser jovem, hoje, que é quase temerário esperar que restem forças para renovar e cumprir o sonho.

Iludir a dignidade humana e os carrascos da liberdade – os de ontem, como os de hoje – é atraiçoar o passado e condenar o futuro.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

SÓCRATES SEGURO

 

A Operação Marquês é apenas a ponta do iceberg da corrupção em Portugal.

Tendo em conta a evolução do processo, das decisões dos sucessivos recursos para os tribunais superiores até à decisão instrutória, o momento de fazer Justiça não tardará.

E, no momento do trânsito em julgado, será mais fácil ver com nitidez o filme da corrupção que tem liquidado o desenvolvimento e o crescimento de Portugal.

A confirmarem-se as provas que constam do megaprocesso, que nos dão um retrato fiel e alargado do poder político e executivo, da banca e das empresas, tudo indica que o ex-primeiro-ministro acertará contas no instante próprio.

Em todos os grandes processos judiciais contra a corrupção, à medida da plausibilidade da condenação, não fica pedra sobre pedra.

Desde a "Operação Mãos Limpas até à "Lava Jato", ao passo que a Justiça cumpriu o seu papel, foram vários os condenados que desvendaram o que não fora então alcançado pela Justiça.

E se não foi possível atacar o "polvo" de uma forma mais profunda e eficaz, tal apenas se deveu à interferência do poder político, das mais diversas formas, para se proteger a si próprio.

Que ninguém vá ao engano: Quando se diz que à Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política, estamos a falar de interferências políticas in extremis na esfera judicial, pela via legislativa ou por decisão de "tribunal" de cariz político.

Não vale a pena tentar confundir esta realidade histórica com um eventual alheamento da política no funcionamento da Justiça.

Usar uma mentira instrumental com objectivos outros, quiçá, pessoais e partidários, nem serve a transparência nem a República.

José Sócrates não tem perfil para aceitar ser um bode expiatório, quando conhece bem como funciona o país ao mais alto nível.

Se é fundamental que Sócrates tenha direito a que se faça Justiça, com todas as garantias processuais, não é menos importante deixar a Justiça funcionar, garantindo-lhe toda a segurança até ao fim do processo.

Portugal ficaria a ganhar.



 


segunda-feira, 12 de abril de 2021

OPERAÇÃO MARQUÊS: O CLIQUE QUE FALTAVA


O despacho de pronúncia da Operação Marquês já fez correr rios de tinta, entre vestes rasgadas por um lado e pelo outro, tal e qual como no intervalo de um jogo de futebol.

E, pasme-se, tudo resumido à "derrota" do Ministério Público e à "vitória" do ex-primeiro-ministro que foi corrompido e pronunciado por seis crimes que ainda lhe podem valer muitos anos de cadeia.

A futebolização do país dá nisto, uma mescla de boçalidade, cinismo e fanatismo.

Ivo Rosa disse ao que vinha: colocou sob suspeita a distribuição inicial do processo e acusou o Ministério Público de incompetência e motivações políticas.

Os críticos acusam o juiz de acolitar Sócrates e demais arguidos, mas ainda ninguém aventou a hipótese de também ter sido corrompido, quiçá estar debaixo de coacção ou chantagem.

O despacho de Ivo Rosa é apenas mais um.

Coube-lhe decidir e fundamentar o seu juízo que, felizmente, está sob recurso, pelo que é grotesco fazer a discussão típica do fora de jogo e do penalti que foram ou ficaram por marcar.

O desfecho instrutório não pode ser desvalorizado, nem tão-pouco aliviados os seus termos, erros grosseiros e legalidade, porque até Sócrates e amigalhaços têm direito a um colectivo.

Para já, antes de perder tempo com o copo meio cheio ou meio vazio, importa reconhecer, sem fatalismos, que se cumpriu mais uma etapa.

A lentidão é exasperante?

É verdade!

Assim é impossível combater a corrupção?

Também é verdade.

Não está nas mãos do juiz compensar a balburdia legislativa e a falta de meios que têm condenado os megaprocessos, seja no caso Marquês ou Portucale (submarinos).

E também não cabe a Sócrates e demais arguidos, pronunciados ou não, prescindir de garantias, por mais mirabolante que seja a fabricação, mais Kafka menos Zola, do previsível truque à brasileira em curso.

O esgar que traiu Sócrates, ao vivo e a cores, em directo, no preciso instante em que o juiz o começou a tratar como mentiroso, corrupto e meliante, com estrondo, vale mais do que mil palavras.

A competência, a racionalidade e a transparência continuam a ser antídotos contra os “justiceiros” e os branqueadores de prime time.

O debate é sempre útil, porque acrescenta escrutínio, mas continua a valer o princípio da separação de poderes: à justiça o que é da justiça, à política o que é da política.

A Operação Marquês pode ser o clique que faltava para despertar os magistrados, porque Portugal está a morrer às mãos dos tribunais que estão a administrar a Justiça em nome do povo.