quinta-feira, 20 de novembro de 2014

CORRUPÇÃO E SECRETAS: O LABIRINTO DO PRAGMATISMO


Após a entrada da Guiné Equatorial na CPLP e do estoiro do BES que feriu de morte a Portugal Telecom, o país foi sobressaltado pelas declarações de Martins da Cruz e Henrique Granadeiro: nos negócios e na política não há estados de alma.

Vale a pena reflectir sobre se estamos perante casos isolados ou dois exemplos proeminentes de uma casta pululante, alimentada pela espuma da ordem económica e financeira cada vez mais selvagem e global, mantida à custa da opacidade e confidencialidade sem limites e justificada por um qualquer interesse empresarial ou estratégico.

A "Operação Labirinto" é um excelente ponto de partida para deslindar esta dúvida, pois envolve, por um lado, o Estado, a Justiça e a Segurança, e, por outro, a governação, as polícias, os serviços de informações, os negócios e o dinheiro.

Para já, os dados públicos podem ser resumidos ao seguinte: altos funcionários do Estado português são suspeitos de vender soberania, com base numa teia complexa de influências e cumplicidades, a troco de comissões, com a ajuda das secretas, e sabe Deus que outros mais altos fretes prestados a terceiros.

Face a estes indícios, nada atrapalha os homens e as mulheres do sistema que, de imediato, avançaram com a ladainha de sempre: não está em causa o programa dos "Vistos Gold", mas sim a sua aplicação.

Eles nunca vacilam, nem mesmo quando batemos no fundo, indiferentes à percepção generalizada que o Estado está minado por uma corrupção subterrânea que é amparada pelos mais sensíveis serviços do Estado que estão em roda livre há demasiado tempo.

Nada os coíbe de tentar manter as aparências, através da estafada declaração que o Estado de Direito está a funcionar, quiçá recorrendo a todos os meios para subtilmente perseguir, silenciar, manipular e influenciar quem ousa denunciar métodos e crimes típicos dos totalitarismos mais desbragados.

Não basta tentar escamotear o monumental falhanço do programa, através da exibição do montante do encaixe alegadamente realizado, seja qual for o argumento de natureza económica e financeira ou de Estado.

É certo que os exemplos em que corrupção e as secretas andam lado a lado, com mais ou menos acção ou omissão, não são exclusivos de Portugal.

Basta recordar a ascensão de responsáveis dos serviços de informações aos mais altos lugares da governação por esse mundo fora para ter a ideia de uma certa forma de fazer política.

Não há sound bite que o possa disfarçar: o pragmatismo puro e duro é, de facto, incompatível com os estados de alma.

O poder tem sido assaltado por este utilitarismo desenfreado, seja por convicção, sobrevivência ou eleitoralismo, contando com fiéis suficientemente servis para cumprir ordens e nunca hesitar em aplicá-las, nem mesmo quando está em causa a credibilidade das instituições e o futuro do regime democrático.

Eles aí estão, da direita à esquerda, em todo o esplendor, à vista dos cidadãos ou face a um qualquer parlamento, confortados pelo voto popular ou por qualquer outra legitimação, sustentados por uma legislação que facilita os desvios e, nalguns casos, até permite acobertar os criminosos, apadrinhados pelos poderes não eleitos, exultantes com os fluxos de dólares e euros de origem duvidosa e sempre disponíveis para menosprezar os indícios de corrupção, opacidade, secretismo e abuso de poder.

Entretanto, multiplicam-se os discursos pomposos, sem que haja qualquer vontade política real para mudar o que quer que seja, até ao próximo escândalo, qual Babilónia perdida no emaranhado de caminhos que não levam a lado nenhum.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

"Podemos" mas só com olhos bem abertos


Grassa a indignação com o clientelismo que gira à volta do Estado e dos partidos políticos, mas é preciso reafirmar que ele não é um atributo exclusivo da esfera governativa, política, administrativa, judicial e pública, muito pelo contrário, é uma realidade que perpassa por todos os outros sectores privados.

A mordaça que nos tem transformado em NIB's obrigados e venerandos tem aberto um enorme pasto para todos aqueles que, tão cândida como hipocritamente, continuam a tentar branquear o lamaçal que se instalou entre o Estado, os corredores do poder político e os principais agentes económicos e financeiros.

O paradigma instalado é infernal: quem critica a direita é de esquerda e vice-versa; quem zurze na cor do poder é da oposição; quem critica os partidos políticos é populista; quem está farto de ser esbulhado por um Estado com laivos mafiosos, então é um liberal malvado e insensível; quem está farto de ser explorado por empresários, com mais ou menos escrúpulos, só poder ser um perigoso revolucionário; em síntese, quem tenta romper este manto de clientelismo arrisca ser escorraçado e vilipendiado.

Os investigadores das ciências sociais já reflectiram sobre o verdadeiro fermento da pequena e da grande corrupção. E os diversos organismos nacionais e internacionais também já multiplicaram estudos, barómetros e rankings sobre as consequências devastadores para a economia dos cidadãos, das empresas e dos Estados.

Nada tem sido suficiente para despertar as consciências e mobilizar os cidadãos contra esta praga, da qual a sociedade não se consegue livrar.

Os portugueses merecem os políticos que têm, o Estado que lhes cobra o dinheiro dos impostos e ainda os abandona e maltrata e também a espécie de liberdade formal que lhes permite viver a vidinha e aconchegar a resignação.

As fortunas censuráveis, por enquanto, continuam a ser apenas aquelas que estão ligadas aos tráficos de droga e seres humanos. As outras, aquelas que a economia global também acalenta, certamente mais adequadas ao colarinho branco do trois pièces, que geram também fabulosas comissões, sempre acobertadas por uma qualquer offshore, ainda são toleradas pela sociedade, numa espécie de masoquismo indulgente em relação a verdadeiros meliantes, quiçá por também criarem postos de trabalho.

Basta dar uma olhadela para algumas indústrias e sectores, da banca ao mercado de capitais, do armamento à farmacêutica, da aeronáutica ao imobiliário, do petróleo aos diamantes para perceber que estamos rodeados de gangsters com semblante polido e verniz modernaço, sempre protegidos e com direito de antena, dos grandes fóruns aos Media, sempre em nome de um qualquer interesse nacional.

Já bem cientes que a grande diferença entre a direita e a esquerda se resume à retórica, os portugueses tardam em interiorizar as consequências das únicas ideologias que ainda resistem: o esverdeado do dólar e o azulado do euro.

Como em Espanha, nós também "Podemos", mas só com olhos bem abertos, sem nunca esquecer Blair e Obama, porque sabemos bem como acabaram as suas promessas de mudança.

Mesmo em Portugal, em que o Estado está há muito tempo capturado por interesses dominantes, a mudança é possível, é sempre possível, nem que seja através da escolha de uma nova ilusão que, afinal, poderá ser apenas e tão-somente, mais uma vez, aquilo que nos parece o mal menor.

E se assim for, então será um novo passo em frente.


domingo, 12 de outubro de 2014

Portugal Telecom: o polvo e a lula


Henrique Granadeiro e Zeinal Bava são os rostos visíveis do desastre na Portugal Telecom. Porém, muitos outros, que continuam a ser poupados por uma fortíssima cortina mediática, têm tantas ou mais responsabilidades na devastação de uma das melhores empresas portuguesas.

Com mais ou menos indícios de pressões, jogadas, golpadas, comissões e mensalões, os socialistas não podem tentar fugir à enorme responsabilidade no que se passou e, por consequência, está a passar na PT, pois a decisão política andou lado a lado com a decisão empresarial, tudo embrulhado numa internacionalização com contornos ainda por explicar.

Uma rápida consulta aos momentos decisivos da vida da PT não deixam quaisquer dúvidas sobre as pesadas responsabilidades dos socialistas que ocuparam o poder nos últimos 19 anos, nomeadamente nos governos de António Guterres e José Sócrates:

1995: Primeira fase da privatização;
1996: Segunda fase da privatização;
1998: PT adquire a Telesp Celular, em conjunto com a espanhola Telefónica, o primeiro passo para a constituição, cinco anos depois, da Vivo;
2006: Sonaecom lança uma oferta pública de aquisição hostil sobre a PT; 2007: Cai a OPA lançada por Belmiro de Azevedo e Paulo Azevedo;
2010: Telefónica oferece 5,7 mil milhões de euros pelos 50% que a PT detém na Vivo; accionistas (74%) aceitam a oferta, mas o Estado usa a golden share para vetar o negócio; a PT anuncia a venda da Vivo à Telefónica e a entrada no capital da brasileira Oi.

Não deixa de ser caricato mas significativo de uma certa forma de fazer política que alguns dos velhos rostos do PS tenham o topete político, agora, de apontar o dedo acusatório em direcção ao actual governo, tentando transferir culpas próprias que, possivelmente, um dia poderão ser apuradas, como, aliás, já pediu Belmiro de Azevedo.

Mais do que o exemplo em si, pois é preciso não esquecer o que se passou no BCP, entre outros escândalos financeiros, a estratégia de dissimulação descarada dos socialistas parece não ter limites, apostando na falta de memória dos portugueses e numa imprensa cada vez mais débil e instável nos momentos mais importantes do país.

Face a este cenário, que só não vê quem não quer ou não pode, é importante sublinhar que o governo de Passos Coelho e Portas apenas esteve presente num momento decisivo da vida da PT, em 2011, quando o Estado português, por imposição de Bruxelas, deixou de ter acções com direitos preferenciais.

Valeu tudo na PT. Aliás, só quem sofre de uma amnésia selectiva é que pode esquecer que uma parte da família socialista que esteve no poder, sempre benzida pelo Espírito Santo e continuamente on going, apareceu envolvida no caso bafiento da tentativa de assalto, em 2009, à TVI.

O guião deste capítulo das relações entre a política e os negócios não pode acabar assim, com a singela queda de um par de anjos; não, os portugueses merecem mais, valem a tentativa de apanhar, em primeiro plano, cada um dos oito braços do polvo escorregadio e da lula ziguezagueante.

Os portugueses até podem esquecer, mas os pequenos accionistas e os trabalhadores da empresa de telecomunicações certamente não se esquecerão de quem os enganou, colocou os seus postos de trabalho em risco e até contribuiu para o roubo das poupanças de uma vida de trabalho.

Quanto à imprensa, pode ser que ainda consiga levantar a cabeça, abrir os olhos, investigar e dizer a verdade sobre as cenas do filme da PT, de forma a ainda tentar salvar o mínimo de credibilidade.