A reacção de Pedro Passos Coelho à monumental manifestação do passado dia 2
de Março, organizada pela sociedade civil, demarcada de qualquer partido
político, é a prova que o poder executivo ainda se permite a todo o tipo de
desaforos provocatórios perante a indignação sofrida, como se a legitimação
eleitoral lhe permitisse todo o tipo de desvarios.
O Governo ainda continua a acreditar que a relação da maioria dos
portugueses com o poder continua a ser salazarenta, traduzindo o velho postulado
de um povo de brandos costumes, obrigado e venerando, que tudo aceita e tolera
desde que garantida a subsistência com alguma dignidade.
Em boa verdade, enquanto choveu dinheiro a rodos da Europa, os portugueses
aceitaram fazer vista grossa à liquidação dos mais elementares valores institucionais
e democráticos em troca de uma vida com melhores condições.
Hoje, a realidade é diferente.
A crise tende a minar este tipo de transigência, ancorada numa herança política
alimentada por uma elite bajuladora e por uma comunicação social cada vez mais instrumental.
Actualmente, novos e velhos, de barriga vazia e olhos bem mais abertos, estão
cada vez menos disponíveis para suportar "cantando e rindo" o buraco
para onde foram atirados, ao mesmo tempo que assistem ao enriquecimento descarado,
e até criminoso, de uma clique que gravita à volta do Estado.
Na recta final da sétima avaliação da troika, em que qualquer eventual
alívio não vai evitar mais sofrimento, mais falências, mais despedimentos, mais
pobreza, nem mesmo a diplomacia de mão-estendida, qual política de passadeira
vermelha a ditadores e a sanguinários, com o objectivo indisfarçável de sacar
uns trocados de dinheiro sujo, parece ser suficiente para inverter a espiral de
sacrifícios a que os portugueses estão condenados.
O limite foi ultrapassado. Já não há dinheiro suficiente para alimentar
tanta negociata e disfarçar tanta iniquidade.
Nem a lavandaria nos salva!
No momento em que o país foi assolado por uma vaga de elogios fúnebres a Hugo
Chávez, é preciso recordar que, lá como cá, nenhuma encenação mediática é capaz
de esconder a miséria de um povo, nem alterar a realidade de um país fustigado
pela corrupção.
A cultura interna de um poder forte com os fracos e fraco com os fortes, caracterizada
por diversos tipos de conivências e impunidades, e replicada ao mais alto nível
do Estado e nas relações externas, falhou clamorosamente. E tem, obviamente, os
dias contados.
Desvalorizar mais um aviso pacífico e civilizado, tentar disfarçar o
significado da união de diversas gerações de várias classes sociais, em suma,
ignorar a mensagem da manifestação do passado dia 2 de Março é muito mais do
que um acto de arrogância política. É uma atitude irresponsável de quem está
desesperado, porque já percebeu que falhou.
A solução não passa por improvisos, truques, cedências, messianismos,
silêncios e auto-elogios. Nem por reuniões e debates à porta fechada. Nem por
proclamações patrioteiras de quem sempre se caracterizou pelo calculismo e
omissão. Nem mesmo por discursos inflamados. Nem tão-pouco por uma parte da
justiça de joelhos perante o poder político e Executivo.
A manter-se o actual status quo,
nunca a perspectiva de fim de mais um ciclo político foi tão evidente.
Apenas
subsiste uma única dúvida: saber se as instituições democráticas estão
suficientemente consolidadas para funcionar, com normalidade, ou se o Governo
vai implodir por um qualquer golpe palaciano ou por força da vontade popular.
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