sábado, 9 de março de 2013

Portugal é assim: nem a lavandaria nos salva



A reacção de Pedro Passos Coelho à monumental manifestação do passado dia 2 de Março, organizada pela sociedade civil, demarcada de qualquer partido político, é a prova que o poder executivo ainda se permite a todo o tipo de desaforos provocatórios perante a indignação sofrida, como se a legitimação eleitoral lhe permitisse todo o tipo de desvarios.

O Governo ainda continua a acreditar que a relação da maioria dos portugueses com o poder continua a ser salazarenta, traduzindo o velho postulado de um povo de brandos costumes, obrigado e venerando, que tudo aceita e tolera desde que garantida a subsistência com alguma dignidade.

Em boa verdade, enquanto choveu dinheiro a rodos da Europa, os portugueses aceitaram fazer vista grossa à liquidação dos mais elementares valores institucionais e democráticos em troca de uma vida com melhores condições.

Hoje, a realidade é diferente.

A crise tende a minar este tipo de transigência, ancorada numa herança política alimentada por uma elite bajuladora e por uma comunicação social cada vez mais instrumental.

Actualmente, novos e velhos, de barriga vazia e olhos bem mais abertos, estão cada vez menos disponíveis para suportar "cantando e rindo" o buraco para onde foram atirados, ao mesmo tempo que assistem ao enriquecimento descarado, e até criminoso, de uma clique que gravita à volta do Estado.

Na recta final da sétima avaliação da troika, em que qualquer eventual alívio não vai evitar mais sofrimento, mais falências, mais despedimentos, mais pobreza, nem mesmo a diplomacia de mão-estendida, qual política de passadeira vermelha a ditadores e a sanguinários, com o objectivo indisfarçável de sacar uns trocados de dinheiro sujo, parece ser suficiente para inverter a espiral de sacrifícios a que os portugueses estão condenados.

O limite foi ultrapassado. Já não há dinheiro suficiente para alimentar tanta negociata e disfarçar tanta iniquidade.

Nem a lavandaria nos salva!

No momento em que o país foi assolado por uma vaga de elogios fúnebres a Hugo Chávez, é preciso recordar que, lá como cá, nenhuma encenação mediática é capaz de esconder a miséria de um povo, nem alterar a realidade de um país fustigado pela corrupção.

A cultura interna de um poder forte com os fracos e fraco com os fortes, caracterizada por diversos tipos de conivências e impunidades, e replicada ao mais alto nível do Estado e nas relações externas, falhou clamorosamente. E tem, obviamente, os dias contados.

Desvalorizar mais um aviso pacífico e civilizado, tentar disfarçar o significado da união de diversas gerações de várias classes sociais, em suma, ignorar a mensagem da manifestação do passado dia 2 de Março é muito mais do que um acto de arrogância política. É uma atitude irresponsável de quem está desesperado, porque já percebeu que falhou.

A solução não passa por improvisos, truques, cedências, messianismos, silêncios e auto-elogios. Nem por reuniões e debates à porta fechada. Nem por proclamações patrioteiras de quem sempre se caracterizou pelo calculismo e omissão. Nem mesmo por discursos inflamados. Nem tão-pouco por uma parte da justiça de joelhos perante o poder político e Executivo.

A manter-se o actual status quo, nunca a perspectiva de fim de mais um ciclo político foi tão evidente.

Apenas subsiste uma única dúvida: saber se as instituições democráticas estão suficientemente consolidadas para funcionar, com normalidade, ou se o Governo vai implodir por um qualquer golpe palaciano ou por força da vontade popular.

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