O eventual regresso de José Sócrates a um espaço de opinião é notícia,
sobretudo para quem defende a liberdade de expressão e recusa qualquer tipo de
censura, mesmo sobre aqueles que se destacaram por perseguir e caluniar os
jornalistas.
No actual quadro, em que políticos no poder e ex-governantes enxameiam o
espaço público, qualquer critério discriminatório em relação ao
ex-primeiro-ministro socialista só tornaria a realidade portuguesa ainda mais
ímpar.
Dito isto, impõe-se uma pergunta: qual será o motivo de tanto interesse por
este tipo de personalidades?
A resposta é múltipla, mas pode ser resumida por Portugal estar
transformado num imenso caldeirão de jogadas.
O tráfico de influências não é um exclusivo da política e dos negócios. Há
muito tempo que a comunicação social está cercada por um pântano de
traficâncias.
Neste jogo, em que cabem todo o tipo de jornalistas, os que resistem, os
assim-assim e os que passaram pelas assessorias do poder, as negociatas não têm
fim: candidatos a qualquer coisa são promovidos, ex-governantes são
recuperados, estratégias inconfessáveis são favorecidas e interesses extra editoriais
são acautelados.
Minada pela concentração e pela crise, a comunicação social tem vindo a abdicar
da opinião livre e independente, permitindo todo o tipo de branqueamentos e
alguns dos mais surrealistas momentos de análise e comentário.
Será que esta estratégia instrumental tem concorrido para uma opinião
pública melhor informada?
As quedas vertiginosas nas audiências das televisões, rádios e jornais não
enganam: os cidadãos estão fartos destes jogos de bastidores, nomeadamente da insuportável
turbo-opinião.
Salvo raríssimas excepções, esta realidade apenas tem contribuído para a
mediocridade da informação.
O escrutínio não pode ficar cingido à dança de cadeiras entre o poder
político e as empresas públicas e privadas, tem de ser alargado a este baile de
máscaras pindérico em que o jornalismo está enredado.
O pluralismo não é uma questão de equilíbrio entre o número de
representantes dos partidos políticos, mais ou menos encapotados, pertençam
eles ou não ao arco da governação.
A questão pode ser subjectiva, mas ninguém tem dúvidas sobre o que é a opinião
livre e independente, pois ela nasce e vive fora do sistema, incomoda o poder,
não alinha no coro dos interesses mesquinhos, corporativos e dominantes e,
sobretudo, nunca pode estar ao serviço de interesses próprios ou pessoais.
A opinião não é um posto. Não é um cargo. Nem tão-pouco pode ser um tacho
com direito a mordomias várias. É um direito e um dever, mas também um reconhecimento
em relação a quem não participa, nem nunca participou, num qualquer caldeirão
de jogadas caracterizadas por todo o tipo de cumplicidades e conivências.
Os verdadeiros opinion makers não
são passíveis de confusão com pivôts contratados
depois de negociações secretas e a assinatura de contratos confidenciais,
quiçá, milionários. Eles representam um certificado de idoneidade e merecem
respeito pela sua isenção e credibilidade. São recrutados através de critérios
editoriais transparentes. E fazem parte do património de qualquer democracia
digna desse nome.
Quando Pacheco Pereira afirma que a escolha de José Sócrates para a RTP foi
uma decisão do Governo, o silêncio pesado do director de informação da estação
pública é um insulto aos jornalistas e, sobretudo, uma provocação a todos os
portugueses. Em 24 horas, mais de 100 mil já lhe deram, expressamente, uma
resposta clara.
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